Zoomarine: “A razão principal de termos lixo no fundo do mar é o comportamento humano”

O Zoomarine continua na linha da frente para sensibilizar a população para os riscos de poluição nos sistemas subaquáticos e tem organizado várias iniciativas, como a Operação Praia Limpa. A Ambiente Magazine falou com João Neves, Diretor de Ciência e Conservação, sobre a importância da sensibilização para preservar as águas.

 

Qual é o estado dos sistemas subaquáticos em Portugal?

O oceano é um sistema complexo, dinâmico e sem fronteiras, que necessita de ser preservado em prol da conservação do seu ecossistema e das espécies que o constituem.

João Neves, Diretor de Ciência e Conservação do Zoomarine

Infelizmente, se pensarmos bem, o oceano enfrenta um conjunto de ameaças que estão, de uma forma ou de outra, ligadas às atividades humanas. A sobrepesca tem colocado em perigo inúmeras espécies marinhas. A crescente ocupação e desenvolvimento costeiro têm levado à destruição de habitats críticos, como berçários de espécies, recifes de coral ou pradarias de ervas marinhas. Para além de tudo isto, o aumento das concentrações de dióxido de carbono no oceano (um dos grandes sumidouros de carbono do nosso planeta) está a alterar o pH da água e a provocar a sua acidificação, dificultando a sobrevivência a muitos organismos marinhos. E se isto tudo não chegasse, as alterações climáticas estão a aumenta as temperaturas, a provocar a subida generalizada do nível do mar e a alterar a distribuição das espécies. Outras ameaças como a poluição, como o escoamento de nutrientes, os produtos químicos e os derrames de petróleo, comprometem ainda mais a saúde dos oceanos e os habitats de cada vez mais regiões do planeta.

Felizmente, cada vez mais, é notória uma maior preocupação e atuação na proteção diária dos sistemas subaquáticos, numa perspetiva global. Contudo, ainda existe um longo trabalho a ser desenvolvido a propósito da sensibilização da população para esta temática e a implementação de medidas que vão ao encontro da sua preservação.

A verdade é que vemos hoje medidas importantes a serem assumidas por organismos internacionais como a criação de reservas marinhas ou a regulamentação e implementação de práticas de pesca mais sustentáveis que salvaguardem a biodiversidade dos oceanos. Infelizmente, estas medidas não são suficientes e muito tem ainda de ser feito para inverter a degradação deste ecossistema do qual todos nós dependemos, sendo importante que a mudança comece em cada um de nós.

Quais os principais problemas identificados? 

No seguimento do raciocínio anterior, e pese embora avanços internacionais tenham sido alcançados, nomeadamente a inclusão de uma meta (14) dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) exclusivamente dedicada aos oceanos e à vida marinha, todos os problemas mencionados anteriormente continuam por resolver e a afetar o estado atual de conservação dos oceanos.

No contexto português, estamos, infelizmente, ainda longe de cumprir as metas ODS definidas até 2030. Ainda assim, tem-se notado uma crescente preocupação com a conservação da nossa costa, impulsionada, por um lado, pela maior consciência da sociedade em geral, e por outro, pela necessidade concreta da proteção do oceano como recurso futuro. Temos testemunhado a implementação de algumas medidas objetivas nos últimos anos, entre as quais, a criação de áreas marinhas protegidas, a regulamentação acrescida em algumas atividades pesqueiras, ou a promoção de práticas de consumo mais sustentáveis. A verdade é que todos estes são temas complexos e aparentemente distantes do cidadão comum. Mas a realidade mostra-nos, insistente e diariamente, que tudo começa por nós, individualmente. Seja através das nossas escolhas diárias ou através da participação ativa nos processos de decisão política. Este é um desafio complexo, que exige esforço conjunto, desde a cooperação internacional à mudança de hábitos individuais.

De que forma o Zoomarine tenta combater esses problemas?

Na nossa limitada capacidade, procuramos focarmos onde sentimos que podemos ser mais eficazes o que, neste caso, será na sensibilização da sociedade para as necessárias mudanças comportamentais que todos nós temos de assumir.

É por isso que criamos dinâmicas como a Operação Praia Limpa. Sabemos que, através de ações simples, como sair do sofá e, em família, ir limpar uma praia pode ser uma experiência positiva e, quiçá, transformadora individualmente.  Não é tanto pela quantidade de lixo, nem pelo número de voluntários que participam. É, sim, pela mobilização cívica associada, e dando a conhecer a existência de tantos outros parceiros que partilham as nossas causas.

Mas a Operação Praia Limpa é apenas um dos exemplos do trabalho que desenvolvemos a propósito da preservação dos oceanos, uma vez que promovemos, a cada um dos nossos visitantes, valores e mensagens sobre a importância de não deixar lixo na praia, de respeitarem as diferentes espécies, de não poluírem o mar e de respeitarem a natureza, como um todo, em prol da conservação dos vários ecossistemas, quer estes sejam em terra, ou em mar.

Qual a importância de ações como as limpezas subaquáticas que realizaram em Silves e Albufeira?

Sabemos que, atualmente, todo o lixo que tiramos do fundo do mar, será amanhã, rápida e infelizmente, substituído por outro. De uma forma simples, isto prende-se com duas razões fundamentais. Uma são as dinâmicas das correntes que fazem com que os detritos que limpamos num determinado local não sejam necessariamente originários desse mesmo local e naquele momento. Por outro lado, a razão principal de termos lixo no fundo do mar é o comportamento humano. Isto traz-nos a necessidade de criar projetos que apelem a movimentos cívicos para uma mudança comportamental, sendo por isso cruciais, ações de limpeza subaquática como esta, realizadas em Silves e Albufeira, que promovem o envolvimento social e a mudança de comportamentos humanos que contribuem para o estado dos sistemas subaquáticos.

Que outras iniciativas está a preparar o Zoomarine para este ano?

Por estarmos num processo de transição orgânica e reformulação de estratégia de conservação, estamos ainda a traçar algumas iniciativas a desenvolver, mas, para já, esperamos manter os nossos esforços em eventos ambientais partilhados com outras entidades e organizações regionais, assim como dar seguimento à Operação Montanha Verde. É uma iniciativa que promove o envolvimento cívico da comunidade local, em prol da proteção coletiva dos valores naturais da região algarvia, através da plantação de árvores. Em 2016 foram plantadas as primeiras cinco mil árvores no Concelho de Silves, com o apoio dos colaboradores do Zoomarine e da Proteção Civil da Câmara Municipal de Silves. Atualmente, existem já mais de 134 mil árvores, em oito concelhos algarvios, através desta iniciativa.

Gostaríamos de manter este projeto que tem a mesma essência da Operação Praia Limpa – o envolvimento comunitário em prol de um bem comum. Um dos passos identificados para o futuro próximo será avaliar o impacto que estas iniciativas têm nas atitudes pro-ambientais dos voluntários, de modo a avaliar a sua eficácia.

Como se pode sensibilizar ainda mais as pessoas para os problemas que atingem os sistemas subaquáticos?

Os oceanos são um grande sistema interligado, em nada dependente das fronteiras artificiais que lhes atribuímos. Por isso, sabemos que só conseguiremos preservá-lo através de uma conjugação de vários fatores, entre eles o envolvimento político internacional (que gerará a necessária regulamentação que se aplicará depois a cada país), o envolvimento da sociedade (por exemplo, no desenvolvimento de novas tecnologias que permitam um consumo cada vez mais sustentável), e o envolvimento individual (através das escolhas que todos nós fazemos no dia-a-dia). Talvez dito desta forma alguns de nós poderão sentir-se impotentes e, quiçá, desmotivados para a mudança. A verdade é que todas as mudanças no mundo que hoje damos por adquiridas aconteceram através da conjugação destes fatores. E não nos esqueçamos que há um elemento transversal em todas estas dimensões (política, social e individual) e que está na origem do problema, mas também da solução: o ser humano, que através da mudança do seu comportamento tem a oportunidade de contribuir para a preservação dos sistemas subaquáticos e a preservação das diferentes espécies que o constituem.