Assinala-se hoje o Dia Internacional de Sensibilização para o Ruído, criado para alertar para o problema de saúde pública que o ruído pode constituir. A seguir à poluição do ar, a poluição sonora é o fator ambiental que tem mais impacto na saúde e na vida das pessoas a curto, médio e a longo-prazo. A exposição prolongada ao ruído afeta a saúde física e mental.
Na Europa, segundo a Agência Europeia do Ambiente, pelo menos uma em cada cinco pessoas está exposta cronicamente a níveis de ruído que podem causar efeitos adversos na saúde. Pelo menos 20% da população urbana é exposta a níveis considerados prejudiciais, e em muitas cidades esse valor pode chegar a 50% da população. Na União Europeia, calcula-se que pelo menos 18 milhões de pessoas são altamente incomodadas e cinco milhões altamente perturbadas no sono devido à exposição prolongada ao ruído provocado pelo setor dos transportes, estimando-se que este fenómeno cause anualmente cerca de 11 mil mortes prematuras e 40.000 novos casos de doença cardíaca isquémica.
Os efeitos da exposição prolongada ao ruído em geral provocam incómodo, perturbações do sono, efeitos negativos no sistema cardiovascular e no sistema metabólico, bem como dificuldades de aprendizagem nas crianças. Além disso, tem impactos económicos diretos na produtividade no trabalho e no valor do património.
Em Portugal, não estão disponíveis de forma fácil e acessível à sociedade civil as situações de incumprimento dos valores limite, a sua magnitude, os custos económicos e sociais desse incumprimento ou as medidas de mitigação propostas e executadas, refere a Zero, em comunicado. E adianta que aA falta de transparência não permite o adequado escrutínio das políticas públicas para este setor, que representa a parte mais substantiva das queixas dos cidadãos em matéria ambiental.
Incumprimento do Regulamento Geral do Ruído
A regulamentação do ruído ambiental em Portugal é definida no Regulamento Geral do Ruído, e o controle do ruído é complementado pelas disposições do Regime de Avaliação e Gestão do Ruído Ambiente. O Regulamento Geral do Ruído, além de estabelecer os valores limite de exposição no exterior e critérios de incomodidade, determina também a obrigatoriedade de os municípios elaborarem mapas municipais de ruído (que servem para caracterizar o seu ambiente sonoro) e planos municipais de redução de ruído (que identificam áreas com ruído excessivo, calculam a redução necessária e propõe medidas para redução do ruído, especialmente nas áreas sensíveis). Em Portugal continental e de acordo com os dados disponibilizados no website da Agência Portuguesa do Ambiente, apenas cerca de metade de concelhos (143 dos 278) têm Mapas Municipais de Ruído e apenas 2.2% (6) apresentam Planos Municipais de Redução de Ruído .
No âmbito do Regime de Avaliação e Gestão do Ruído Ambiente, os instrumentos de gestão do ruído exterior são estabelecidos para ciclos de planeamento e gestão de cinco anos e incluem os mapas estratégicos de ruído, que identificam a exposição ao ruído exterior, ou seja, descrevem o ambiente sonoro, e os planos de ação, destinados a gerir o ruído para minimizar os problemas decorrentes.
A ZERO apela a uma revisão das penalizações previstas para o incumprimento dos mapas e planos previstos no regulamento, de modo a encorajar a sua efetivação.
Continua a faltar a prometida Estratégia Nacional para o Ruído 2030
A prevenção do ruído e o controlo da poluição acústica com o objetivo de salvaguardar a saúde humana e o bem-estar das populações constitui uma das tarefas fundamentais do Estado, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Bases do Ambiente. Quatro anos depois da primeira promessa governamental relativamente à elaboração da 1.ª Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente (ENRA), esta continua de forma incompreensível sem ver a luz do dia.
Esta estratégia deveria começar por fazer um diagnóstico rigoroso da atual situação, avaliar os seus custos sociais e económicos, e em diálogo com a sociedade identificar o conjunto de ações mais eficazes no combate a este flagelo. Para a associação, não podem continuar a ser os cidadãos expostos a níveis de ruído insalubres os únicos a pagar, com a degradação da sua saúde e em alguns casos com a morte prematura, os custos de decisões erradas em termos de ordenamento do território ou da inadequação das devidas medidas de mitigação e/ou de compensação.
Princípio do Poluidor-pagador deve conduzir a aplicação de taxas de ruído que correspondam aos custos económicos e sociais imputáveis
“O princípio do poluidor-pagador está estabelecido na legislação nacional e europeia, não se vislumbrando nenhuma razão para isentar a poluição sonora da sua aplicação”, indica a Zero, na mesma nota. Para que a sua aplicação seja uniforme e tenha efeitos reais na redução da poluição sonora na fonte e no financiamento de medidas de mitigação e compensação, será fundamental que os planos de ação para a redução de ruído a que a legislação obriga prevejam os custos económicos e sociais que a população exposta e a sociedade em geral têm que suportar.
Em alguns países europeus, como a França, são já aplicadas taxas de ruído em setores como o da aviação. Em Portugal, na sequência da elaboração da Estratégia Nacional para o Ruído Ambiente, a Zero vê como essencial que a lei passe a prever estas taxas pelos gestores de grandes infraestruturas de transportes e pelos municípios que têm a obrigação legal de apresentar planos de ação para a redução ruído, devendo o nível destas taxas corresponder aos custos apurados e ser integralmente usadas em medidas de mitigação e compensação eficazes.
Em Portugal são poucos os estudos relativos aos custos económicos do ruído. Um dos últimos a ser conhecido refere-se aos impactos sobre a saúde humana dos voos noturnos em Lisboa e Loures e apurou que os custos ascenderam a 206 milhões de euros em 2019. A Zero lançou em outubro do ano passado um Contador dos Prejuízos, disponível em zero.ong, onde são demonstrados os custos acumulados relacionados com o ruído do aeroporto Humberto Delgado na saúde dos cidadãos de Lisboa, Loures e Almada (incómodo, morbilidade) e em termos económicos (perda de produtividade, subvalorização do património imobiliário) desde 2015, data em que o aeroporto deveria ter encerrado segundo o parecer de 2006 da Comissão de Avaliação Ambiental do plano de
desenvolvimento desta infraestrutura. Neste momento, os custos aproximados acumulados neste período, a preços correntes, são superiores a 9.470 milhões de euros.