A Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável analisou o Plano de Ação para a Economia Circular, que esteve em consulta pública até ao dia 30 de setembro, e considera que, sendo um plano estratégico para o país no sentido de o posicionar como uma economia capaz de responder aos desafios colocados pela sustentabilidade e pela necessidade de respeitar os limites do planeta, falha na concretização de uma visão de longo prazo e no estabelecimento de metas concretas que possam mobilizar para a ação.
Segundo a organização, a transição para a Economia Circular não será simples de implementar em particular nas suas áreas mais estratégicas, como sejam o design, a prevenção, a reutilização, e a reparação, pelo que consideramos fundamental que se construa uma visão de médio/longo prazo com um horizonte temporal até, pelo menos, à próxima década (2030). O ano de 2020 é claramente insuficiente como horizonte temporal para levar a cabo as mudanças estruturais necessárias.
Sem metas concretas e progressivas ao longo de um período temporal considerável, torna-se muito mais difícil criar as condições necessárias para a transição que não será simples, indica a Zero, numa nota publicada no seu site. Metas acordadas de forma transversal pela sociedade portuguesa (envolvendo as diferentes forças políticas, as associações empresariais, os diferentes ministérios e a administração pública nos seus diferentes níveis, as ONG de diferentes áreas) podem servir de guia e dar certezas a todos aqueles que têm que tomar decisões de médio e longo prazo.
E adianta que, ainda que se compreenda a importância do presente Plano de Ação ter uma forte componente de divulgação do conceito de economia circular e de partilha de bons exemplos que possam, ao mesmo tempo, inspirar e mostrar que é possível desenvolver uma economia eficiente no uso dos recursos, o facto é que acaba por concretizar pouco o que se pretende fazer para o futuro, o que, na ausência de uma estratégia para a área, levanta inúmeras incógnitas sobre o que se pretende, de facto, concretizar no espaço de tempo em que se prevê a sua aplicação.
Num contexto desafiante como o presente, a credibilidade da monitorização será um elemento central. Só com dados credíveis será possível tirar o máximo partido dos indicadores que forem definidos. Como é público, indica a associação, existem áreas, como as dos resíduos, onde se têm verificado problemas claros de fidedignidade dos dados. Neste contexto, mais do que ter um conjunto muito alargado de indicadores, importa garantir que os dados que os alimentam são fiáveis, pelo que esta deverá ser uma preocupação central da estrutura encarregue da monitorização da evolução de Portugal nos diferentes domínios identificados como estruturantes.
Propostas da Zero para uma Economia Circular em Portugal:
– A inexistência de metas de prevenção e reutilização, ou a definição de metas conjuntas de reutilização e reciclagem, conduz, inevitavelmente, a uma sobrevalorização da reciclagem. Só com a existência de metas para a prevenção e reutilização será possível avançar trabalho nos diferentes fluxos, funcionando estas como um forte incentivo para que a montante seja feito trabalho no sentido de estender o tempo de vida útil dos produtos. Para uma Economia Circular a aposta deve ser, em primeiro lugar, na prevenção, reutilização, reparação, atualização e só depois na reciclagem. Estabelecer metas específicas de redução e reutilização e usar instrumentos como a Diretiva Ecodesign, o Rótulo Ecológico Europeu, ou a Responsabilidade Alargada do Produtor, são excelentes meios para oferecer aos cidadãos e às empresas soluções que promovam a Economia Circular;
– A Economia Circular vai implicar transformações estruturais na forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos com os recursos. Estamos perante uma alteração significativa de estilos de vida que deve ser alicerçada numa campanha de educação/formação/informação forte e concertada entre diferentes abordagens, ferramentas, agentes e públicos. Desde o uso dos meios de comunicação social (em particular a televisão), até aos currículos escolares e à formação profissional e técnica (em particular em áreas de emprego que certamente surgirão com a alteração do paradigma de usar e deitar fora para o de prevenir, reutilizar, reparar, atualizar e reciclar), todos serão necessários para promover a mobilização geral rumo a um novo estilo de vida, que respeite os limites impostos pelo sistema terrestre;
– A reciclagem, ainda que ocupe apenas o terceiro lugar na hierarquia de resíduos, mantém-se como uma área fundamental a fortalecer, de forma a ser aproveitado todo o seu potencial para o fomento da economia circular. Neste sentido, para além do trabalho a montante que possa facilitar os processos de reciclagem (nomeadamente ecodesign que possa facilitar o desmantelamento ou a redução do número e quantidade de substâncias perigosas nos produtos), é fundamental apostar em metas ambiciosas de reciclagem nos diferentes fluxos de resíduos (urbanos, industriais, hospitalares, agrícolas);
– A integração de critérios ecológicos e circulares nas compras públicas deve tornar-se uma realidade, não apenas no Estado Central, mas também nas autarquias. As compras públicas são um instrumento de grande eficácia no estímulo ao mercado para fornecer produtos/bens/serviços sustentáveis, pelo que não é eticamente defensável que os dinheiros públicos (independentemente do nível da administração em que são aplicados) possam continuar a fomentar uma economia linear. A formação será uma área fundamental, visto que persistem inúmeros mitos sobre o que é possível ou não fazer em termos de integração de critérios ecológicos ou de circularidade nas compras públicas, bem como sobre qual a melhor forma de os avaliar.