Na sequência da criação pelo Ministério do Ambiente e da Energia de um grupo de trabalho para encontrar soluções para fazer face ao elevado grau de enchimento dos aterros para resíduos, tem vindo a público a possibilidade de as autarquias terem de fazer um investimento de mil milhões de euros em unidades de incineração de resíduos urbanos.
Neste contexto, a ZERO apresentou à Ministra do Ambiente e Energia algumas propostas, entre elas o desvio de 1 milhão de toneladas de resíduos urbanos de aterro em três anos, através das unidades de Tratamento Mecânico e Biológico (TMB) existentes, e o aumento da reciclagem, no mínimo para o dobro, através da implementação alargada da recolha seletiva com modelos de alta eficiência (até cinco anos).
O Tratamento Mecânico e Biológico (TMB) é um processo de tratamento dos resíduos urbanos (RU) indiferenciados, através do qual se pretende aproveitar para reciclagem algumas frações dos RU indiferenciados e reduzir a quantidade destes resíduos a necessitarem de envio para destino final (aterro ou incineração), permitindo igualmente cumprir com a obrigação de pré-tratamento dos resíduos antes da deposição em aterro.
O processo inicia-se com um tratamento mecânico dos resíduos, através do qual estes são separados em 3 frações: multimaterial (plástico, metal, cartão e vidro), orgânicos e rejeitados. A fração orgânica é posteriormente enviada para o tratamento biológico, o qual pode consistir na compostagem ou na digestão anaeróbia com produção de biometano, um combustível renovável.
Portugal possui várias unidades de TMB, através das quais, em 2023, foram desviadas de aterro quase meio milhão de toneladas de RU. Sendo esta tecnologia um excelente processo para reduzir a colocação dos RU indiferenciados em aterro, o problema atual é que o desempenho dos TMB difere muito entre si, em função dos equipamentos que foram ou não instalados nestas unidades. Com efeito, existem TMB com taxas de redução dos RU enviados para aterros superiores a 50%, e TMB com taxas inferiores a 20%, os quais necessitam claramente, de algum (pouco) investimento para otimização dos seus processos industriais e aumentar assim a capacidade de captura de recicláveis.
O desenvolvimento de uma estratégia para o desvio urgente de RU de aterro baseada nos TMB permitiria, ao fim de 2 anos, através da requalificação dos TMB existentes, estar a desviar 329.805 toneladas de aterro e ao fim de mais um ano desviar mais 718.44 toneladas, através da instalação de novos TMB, num total de mais de 1 milhão de toneladas anuais ao fim de 3 anos.
O aumento na capacidade de triagem mecânica e tratamento biológico para captura de frações recicláveis do indiferenciado deverá ser acompanhado por outras medidas complementares e necessárias, baseadas numa gestão dos resíduos (em baixa) com índices de desempenho elevado e uma alta eficiência técnica e financeira. Além de inúmeros exemplos de boas práticas de países vizinhos, que se encontram já numa fase mais avançada de implementação, existem também boas práticas de sistemas de recolha porta-a-porta de elevado desempenho ao nível nacional, alguns mais incipientes (Fornos de Algodres, Silves) e outros com uma trajetória mais robusta (Guimarães, Maia e São João da Madeira). Globalmente estes exemplos, mostram como uma implementação faseada da recolha porta-a-porta, com determinados serviços associados (escolha adequada dos baldes e frequências de recolha, saco compostável para os biorresíduos, tarifários PAYT, ecocentros e mini-ecocentros móveis) e paralela à redução da disponibilidade dos contentores do indiferenciado nas áreas abrangidas, leva a um rápido incremento das taxas de captura dos biorresíduos, com uma consequência visível e positiva na separação dos recicláveis, reduzindo a necessidade de deposição em aterro, e aumentando a taxa de captura de recicláveis, ou seja, da recolha seletiva (tri-fluxo e biorresíduos) num horizonte temporal de poucos anos (aproximadamente 1 – 2 anos a partir da sua implementação).
Uma recolha de alta eficiência, com um modelo porta-a-porta ou com contentores na via pública com acesso condicionado, e com um contributo residual, mas complementar do tratamento na origem dos biorresíduos, pode levar em pouco mais de um ano à captura de no mínimo 50% dos biorresíduos presente no sistema. Isto é, se os biorresíduos (alimentares e verdes, excluindo a componente biorresíduos categorizada como finos) representam aproximadamente 40% do total dos resíduos urbanos, será possível capturar, num curto espaço de tempo (até 2 anos), as toneladas equivalentes a 20% dos resíduos urbanos.
A implementação de modelos de recolha porta-a-porta ou com contentores na via pública com acesso condicionado, assim como outras medidas complementares (alteração do regulamento municipal, tarifários PAYT, compostagem) deverão ser encaradas pelas entidades gestoras (municípios, SGRU) como uma passo necessário para alterar o paradigma atual da gestão dos resíduos, alavancando o uso das verbas disponíveis com eficácia e promovendo a mudança num sistema que além de estar estagnado num desempenho insuficiente, está a atingir os seus limites, e promovendo boas práticas que nos permitam finalmente olhar para o cumprimento das metas como uma oportunidade para implementar uma verdadeira economia circular.