Os portugueses estão longe de saber que a produção de alguns dos alimentos que consomem – como o leite, a carne de porco ou os produtos hortícolas – está a contribuir para a poluição generalizada das águas subterrâneas. Foi isso que a Zero – Associação Sistema Terrestre detetou ao analisar os dados relativos à presença de azoto amoniacal e de nitratos nas águas subterrâneas, entre os anos 2011 e 2015, com base na informação disponibilizada pela Agência Portuguesa do Ambiente, através do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, constatando-se uma situação preocupante, com registo de poluição na totalidade dos 55 sistemas aquíferos com dados disponíveis.
Portugal continental possui 62 sistemas aquíferos, divididos por quatro unidades hidrogeológicas – Maciço Antigo, Orla Ocidental, Orla Meridional e Bacia do Tejo-Sado – que no seu conjunto acumulam uma reserva estratégia de água que ronda os 7.900 hectómetros cúbicos (hm3), o que representa oito vezes mais do que as necessidades anuais de abastecimento público de água (atualmente cerca de 985 hm3) e é quase duas vezes superior às necessidades anuais da atividade agrícola (4.200 hm3).
Trata-se de um volume de água essencial para prevenir os riscos cada vez mais evidentes e recorrentes de escassez hídrica – como aquela que estamos a assistir neste ano e que tenderão a agravar-se com os efeitos das alterações climáticas – mas a poluição pode colocar em causa a utilização atual e futura destes recursos. De salientar que existiam, em 2015, 6.016 captações de água subterrânea responsáveis por abastecer 33% do volume total de água potável consumido em Portugal Continental (ERSAR, 2015), e que muitos dos pontos de água poluídos coincidem com pontos de abastecimento público.
Agricultura e pecuárias intensivas degradam a qualidade das águas subterrâneas
A associação ambientalista analisou os dados relativos aos poluentes azoto amoniacal e nitratos. O azoto amoniacal é um poluente muito relacionado com as explorações pecuárias, que podem contaminar os solos através da aplicação de estrumes e/ ou efluentes líquidos, muitas vezes sem tratamento prévio. Os nitratos têm origem, em grande medida, na utilização excessiva de fertilizantes nas atividades agrícolas, conjugada ou não com a produção animal intensiva. A análise efetuada aos dados disponíveis permitiu constatar que 46 sistemas aquíferos estão poluídos com azoto amoniacal e 29 apresentam poluição por nitratos.
Os nitratos constituem um tipo de poluição difusa, com origem em atividades agrícolas, que pode inviabilizar a utilização da água, nomeadamente para consumo humano, pelo que possui legislação dedicada especificamente para prevenir a poluição dos recursos hídricos. No entanto, diz a Zer, na mesma nota, verifica-se que existem 24 sistemas aquíferos que possuem amostras que excedem os valores máximos admissíveis para os nitratos (50 miligramas/litro), correspondendo a 42% do total dos aquíferos analisados.
Esta situação demonstra que a poluição nos aquíferos por nitratos tem vindo a agravar-se nos últimos anos, quando devia estar a acontecer precisamente o contrário, uma vez que foram definidas 9 zonas vulneráveis à poluição por nitratos e foi aprovado um programa de ação para as mesmas em 2012 (Esposende-Vila do Conde, Estarreja-Murtosa, Litoral Centro, Tejo, Beja, Elvas, Estremoz-Cano, Faro e Luz-Tavira), indica a associação. No entanto, em todas estas zonas vulneráveis, a poluição acima do valor máximo admissível mantém-se em todas as situações, desconhecendo-se qual tem sido o papel das cinco Direções Regionais de Agricultura e Pescas e também qual o trabalho efetuado pela Direção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural, esta última a autoridade nacional nesta matéria, para inverter um quadro de descontrolo total, explica o comunicado.
Acresce ainda que existem aquíferos, não designados ou incluídos em zonas vulneráveis, que apresentam já dados preocupantes, com excedências recorrentes ao valor máximo admissível, o que poderá mesmo obrigar à definição de novas zonas ou à ampliação das existentes, por forma a incluir os sistemas de Monforte-Alter do Chão, São Bartolomeu, Monte Gordo, Mexilhoeira Grande-Portimão, Querença-Silves, Albufeira-Ribeira de Quarteira, Quarteira, Ourém, Maciço Calcário Estremenho, Paço, Louriçal, Caldas da Rainha-Nazaré, Aluviões do Mondego e a área de Évora, situada no Maciço Antigo Indiferenciado. Para a Zero, será também necessário e urgente conhecer o estado atual dos sistemas aquíferos para os quais não existem dados disponíveis.
Perante um cenário que, para a associação, não só mostra como a insustentabilidade das atividades agrícolas e pecuárias, muitas vezes com subsídios públicos (PDR2020), pode estar a colocar em causa a qualidade de um bem cada vez mais escasso e precioso, mas revela também “a paralisia total e a negligência das autoridades que deviam zelar pela preservação dos recursos naturais, a Zero exige que o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural e o Ministério do Ambiente avaliem de imediato esta situação e tomem medidas para a resolver no curto prazo, sob pena de se criarem situações irreversíveis, com custos acrescidos para os contribuintes”.
A associação preconiza um conjunto de medidas a adotar urgentemente pela Administração Central, para mitigar e resolver a situação:
– Avaliação imediata e rigorosa à implementação do Programa de Ação para as Zonas Vulneráveis, com vista a analisar o desempenho das entidades responsáveis, o seu grau de eficácia no terreno e a definição de novas medidas mais exigentes para os agricultores e o exercício da atividade pecuária;
– Definição de novas zonas vulneráveis e/ou alargamento das existentes;
– A retirada de todos e quaisquer apoios públicos aos agricultores que, comprovadamente, utilizem fertilizantes em excesso, em particular os de origem industrial, desrespeitando o Código de Boas Práticas Agrícolas;
– Controlar a aplicação de estrumes e chorumes nos solos e fiscalizar adequadamente as explorações pecuárias, por forma a avaliar se as mesmas possuem adequada capacidade de tratamento para as águas residuais.