Quatro anos após a primeira análise feita pela ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) à qualidade das águas subterrâneas, agricultura e pecuária intensivas continuam a poluir intensamente os aquíferos. Foi o que a associação ambiental apurou ao analisar os dados relativos à presença de azoto amoniacal e de nitratos nas águas subterrâneas, entre os anos 2018 e 2020, com base na informação disponibilizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), através do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos. “Verifica-se uma situação preocupante, com registo de poluição em 49 dos 54 sistemas aquíferos com dados disponíveis”, alerta a ZERO, num comunicado.
Portugal continental possui um total de 62 aquíferos, os quais representam uma reserva estratégica de água estimada em 7.900 hectómetros cúbicos (hm3). De acordo com o relatório anual da ERSAR, 30,75% da água destinada ao consumo humano tem origem subterrânea (ERSAR, 2020), o que demonstra bem a necessidade de preservação deste recurso. No entanto, de acordo com a ZERO, verifica-se uma “poluição generalizada que ameaça a utilização, atual e futura, de um bem que, em virtude dos efeitos das alterações climáticas, é cada vez mais escasso, mas que é essencial para a produção da água que bebemos”.
Cerca de 79% dos aquíferos existentes apresentam pontos de água com concentrações de nitratos e/ou azoto amoniacal acima dos valores máximos definidos na legislação, sendo que, muitos desses pontos se destinam à captação de água para consumo humano, o que obriga a que a “qualidade da água desses aquíferos cumpra as normas de qualidade”. A ZERO consta, no mesmo comunicado, que a APA, no âmbito da avaliação intercalar da qualidade das massas de água relativa a 2018, reconhece que se tem verificado um “agravamento do estado das massas de água subterrâneas”, com “diminuições de 8% das massas de água em bom estado”.
Agricultura e pecuárias intensivas são as maiores fontes de poluição das águas subterrâneas
Tal como indica a associação ambiental, a poluição da água subterrânea por nitratos está fortemente relacionada com os métodos de “produção agrícola intensivos”, como consequência da “excessiva utilização de fertilizantes químicos”. Já poluição por azoto amoniacal está, sobretudo, relacionada com a “atividade pecuária, ocorrendo por contaminação dos solos através de estrume e/ou efluentes líquidos sem tratamento”.
A análise efetuada pela ZERO permitiu constatar uma ligeira redução no número total de aquíferos poluídos em relação à análise anterior, relativa aos anos 2013 a 2015, na qual se identificaram 55 face aos 49 da atual análise. No entanto, “verifica-se um agravamento do estado de poluição dos aquíferos por nitratos”, uma vez que “foram identificados 35 aquíferos com elevadas concentrações de nitratos, mais 6 do que na análise feita em 2017”. De acordo com a associação, em 25 aquíferos foram identificadas “amostras cuja concentração ultrapassava o Valor Máximo Admissível (50 miligramas/litro)”, colocando em “risco a utilização da água para consumo humano”. No que respeita ao azoto amoniacal, “41 aquíferos apresentam amostras com concentrações superiores ao Valor Máximo Recomendado (0,05 mg/l), com 11 a atingirem valores 3 vezes acima do VMA estipulado”, alerta.
Face aos dados apresentados, a ZERO afirma que a legislação formulada para prevenir a poluição por nitratos parece “não estar a ser suficiente” para impedir a degradação das águas subterrâneas. Em 2010, foram definidas e aprovadas nove zonas vulneráveis à poluição por nitratos de origem agrícola (Esposende – Vila do Conde, Estarreja – Murtosa, Litoral Centro, Tejo, Beja, Elvas, Estremoz – Cano, Faro e Luz – Tavira) e, em 2012, teve lugar a publicação de um programa de ação a aplicar nas mesmas. No entanto: “Vários anos passaram e o resultado sobre os aquíferos é o inverso daquele que seria o esperado, já que todas as zonas consideradas vulneráveis continuam a apresentar concentrações de nitratos acima do VMA”, constata a ZERO.
Para a associação, esta é uma situação que resulta da “inatividade das entidades com competência na aplicação das medidas definidas no plano de ação”, particularmente da “Direção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural e das Direções Regionais de Agricultura e Pescas que pouco ou nada terão feito para a reverter”.
A associação exige, assim, uma “ação imediata” por parte do Ministério da Agricultura e do Ministério do Ambiente e Ação Climática, considerando que “o estado atual de poluição deste recurso hídrico é improtelável e são necessárias medidas concretas e atualizadas para acometer a situação atual”. Desta forma, com o novo quadro de apoios no âmbito da Política Agrícola Comum 2023-2027, a ZERO quer a “inclusão de uma condicionalidade que exclua os prevaricadores de todos e quaisquer apoios públicos que, comprovadamente, coloquem em causa a qualidade de um bem cada vez mais escasso e precioso”.