O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) divulgou, esta segunda-feira, um relatório-síntese sobre a urgência da crise climática, as suas causas primárias e os seus atuais impactos devastadores. A Associação ZERO aproveitou as mensagens veiculadas neste relatório para deixar um aviso a Portugal e à União Europeia (UE).
Segundo um comunicado enviado à imprensa, o alerta deixado pela associação ambientalista ao país prende-se “com a necessidade de uma muito melhor gestão da procura de energia, com destaque para as medidas que proporcionem efetivamente uma redução nas emissões no transporte rodoviário individual, edifícios mais confortáveis e eficientes e investimentos em fontes de energia renovável aplicados de forma sustentável”.
Para a ZERO, a aposta nacional não pode passar por “falsas soluções”, como o recurso ineficiente ao hidrogénio verde em alternativa à eletricidade renovável ou os investimentos que dão prioridade a soluções tecnológicas “que nos distraem” dos objetivos de mitigação das emissões como a captura e armazenamento de carbono (CCS), a remoção tecnológica de dióxido de carbono (CDR), ou a compensação de emissões evitáveis.
O relatório-síntese do órgão de política climática da Organização das Nações Unidas (ONU) deixa ainda claro, para a Associação ZERO, que “o Pacto Ecológico Europeu tem de ser mais ambicioso”.
De acordo com a informação apresentada, os objetivos atuais de reduzir as emissões em 55% até 2030 ficam “aquém do nível da emergência climática e do contributo da UE para reduzir as emissões a nível global”. Para que o Pacto Ecológico Europeu seja compatível com o Acordo de Paris, a ZERO quer que a UE atualize a meta para uma redução próxima dos 65% até 2030.
“É necessário aumentar a ambição das diferentes propostas legislativas no «Pacote Objetivo 55» e no «REPowerEU» para que estas medidas consigam muito mais do que os 55% previstos. As diretivas sobre energias renováveis (RED), edifícios (EPBD) e o pacote do gás ainda estão em processo legislativo e podem ser melhoradas”, escreve a associação, considerando que “os países da UE precisam de refletir objetivos à escala nacional na revisão em curso dos seus Planos Nacionais de Energia e Clima”.
O IPCC tem um papel fundamental no apoio aos governos e ao processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Quase todos os países estão ativos neste órgão e, por conseguinte, concordam tecnicamente com o resultado dos relatórios que produz.
O relatório-síntese publicado recentemente reflete sobre o objetivo de manter o aquecimento global abaixo dos 1,5 oC, afirmando que este é difícil, mas exequível, e que seria irresponsável desistir dele. A ciência diz que temos de agir rapidamente e que o objetivo ainda pode ser alcançado. “É uma questão de vontade política fazê-lo, e não de barreiras tecnológicas ou financeiras”, salienta a Associação ZERO, que destaca alguns dos seus pontos-chave.
As mensagens-chave do relatório-síntese
As alterações climáticas são uma realidade e o mundo de muitas pessoas já está a mudar. O caos climático está a causar estragos em vidas e meios de subsistência, saúde e bem-estar humano, infraestruturas e economias, produção de alimentos e cadeias de abastecimento globais, abrandando e invertendo décadas de conquistas em termos de desenvolvimento. Quanto mais sobreaquecermos o planeta, mais o mundo irá mudar para pior, sublinha a ZERO, defendendo que é preciso mudar na direção de sociedades mais seguras e mais iguais.
A década até 2030 é decisiva para que o aquecimento possa ser limitado a 1,5 oC ou abaixo dos 2,0 oC. Mas, para que isso aconteça, as emissões globais de gases com efeito de estufa precisam de ser reduzidas em, pelo menos, 43% até 2030, em comparação com os níveis de 2019, e em cerca de 60% até 2035.
No entanto, as políticas atuais têm-nos conduzido a uma aproximação dos 3 oC, nota a ZERO, com base nos dados da ONU, o que leva a crer que não existe, neste momento, um caminho credível para o limite de 1,5 oC.
Atualmente, o aquecimento global ultrapassa 1,1 oC, nível previsto pelo IPCC para a década de 2011 a 2020. As atuais políticas em cima da mesa, tal como comunicadas nas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (NDC), são totalmente inadequadas e tornam provável que o 1,5 oC seja ultrapassado durante no século XXI.
Os próximos sete anos são, por isso, essenciais para decidir o destino do planeta, considera a ZERO, que sublinha a necessidade de iniciar imediatamente reduções em todos os setores. No caso das emissões de gases com efeito de estufa continuarem a crescer, os 1,5 oC poderão ser atingidos no intervalo de 2030 a 2035.
Como a falta de esforços suficientes de mitigação consome cada vez mais o restante orçamento de carbono, limitar o aumento da temperatura a 1,5 oC requer ações urgentes e imediatas. A melhor forma de o conseguir é, para a ZERO, através da eliminação dos combustíveis fósseis. As emissões de combustíveis fósseis ainda podem ser reduzidas para metade até 2030. As soluções para o conseguir existem, argumenta a associação.
A natureza ainda pode ser conservada, restaurada e utilizada de forma sustentável. O relatório do IPCC mostra como o desenvolvimento sustentável na implementação da energia solar eólica, bem como de outras utilizações de energias renováveis traz enormes benefícios, juntamente com um aumento na poupança de energia, com custos significativamente reduzidos.
Se ultrapassarmos 1,5 oC de aquecimento global, a ZERO alerta que o mundo parecerá muito diferente. “Cada fração de grau conta e precisamos de trabalhar muito, independentemente de onde estivermos”, remata a associação.
Os impactos climáticos já estão a afetar todos no planeta, mas ainda de forma desigual. Os grupos mais vulneráveis são sempre os mais afetados por esses impactos. “Mulheres, crianças, povos indígenas, pessoas com deficiências e doenças, populações mais pobres, e grupos mais marginalizados são mais afetados”, esclarece a ZERO, “uma vez que são menos capazes de se preparar antes de uma catástrofe, reagir e reconstruir”.
As emissões globais de gases com efeito de estufa precisam de ser reduzidas em, pelo menos, 43% até 2030, e os países historicamente poluidores deveriam contribuir mais do que aqueles que ainda não criaram tantas alterações climáticas, afirma a ZERO. A Europa é, no relatório do IPCC, a segunda maior região historicamente emissora, depois da América do Norte.
A Associação ZERO deixa ainda espaço para boas notícias. O IPCC destaca várias soluções de adaptação e mitigação que, se tiverem em conta potenciais cedências e forem inclusivas e implementadas de maneira liderada a nível local, podem trazer múltiplos benefícios de desenvolvimento sustentável.
A associação acrescenta que, se for dada prioridade à equidade, à justiça social, à inclusão e aos processos de transição justos, estas soluções pode ainda permitir ações ambiciosas de mitigação do clima e desenvolvimento resiliente face ao clima.