ZERO: Mais de dois terços dos portugueses defendem metas climáticas mais ambiciosas
“2021 é um ano decisivo na ação climática”. É a constatação de António Guterres, acrescentando que o planeta está à “beira do abismo”. Em comunicado, a associação ZERO (Associação Sistema Terrestre Natural) cita as posições do secretário-geral da ONU para lembrar que a União Europeia, mais concretamente a Comissão Europeia, prepara-se para lançar um pacote de medidas objetivadas com a nova meta de cortar, em termos líquidos, as emissões do bloco em 55% até 2030. Uma das medidas mais alvo de debate, segundo a associação ambiental, é a do sistema ao qual as emissões dos setores dos transportes e edifícios estarão subordinadas. “Devem os governos nacionais continuar responsáveis por essas reduções através de metas climáticas vinculativas? Ou devem as emissões nesses setores serem enquadradas no sistema de comércio de emissões?”. Segundo a ZERO, os Estados-membros deixam de ter responsabilidade direta nas reduções, que devem constar dos Regulamentos de Partilha de Esforços (ESR) ou, pura e simplesmente, se suprimem essas metas setoriais. Assim, o “alcance dos novos objetivos climáticos para 2030 assentaria exclusivamente no mercado de emissões de carbono”, lê-se no comunicado da associação.
A ZERO considera esta “estratégia arriscada”, constatando que “existe uma probabilidade grande de conduzir a maus resultados”. Para a associação ambiental, o preço do CO2 neste sistema teria de subir bastante para fazer reduzir as emissões, colocando desafios ao nível dos Estados-membros e entre eles. Um inquérito promovido pela Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E), que a ZERO integra, mostra que “os cidadãos não concordam com esta via, e que preferem a que existe atualmente, com metas nacionais nos setores dos transportes e dos edifícios progressivamente mais exigentes, e políticas setoriais ao nível da UE tais como o regulamento das emissões de CO2 nos veículos ligeiros, a Diretiva relativa à Infraestrutura para Combustíveis Alternativos, ou a Diretiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios”.
De acordo com a associação, este estudo avaliou o apoio público ao aumento das metas climáticas nacionais, bem como o apoio a novas normas e regulamentos ao nível nacional e da UE nos transportes rodoviários e edifícios e, também, o apoio à introdução de um mecanismo de mercado de emissões nestes setores.
Um amplo apoio por parte dos cidadãos ao reforço das metas nacionais
Os resultados mostram que existe da parte dos cidadãos da UE um forte apoio a que seus governos aumentem a acção climática, com 88% dos cidadãos a ter opinião sobre o assunto. Destes, “68% consideram que os seus governos devem aumentar os esforços de redução de emissões, especialmente agora que a UE quer reduzir as emissões no bloco em pelo menos 55% até 2030”. Os que consideram que os esforços não devem aumentar são “24% dos respondentes, e os que consideram que deve diminuir são apenas 8%”, indicam os resultados.
Os cidadãos dos países do Sul e do Leste Europeu são os mais categóricos: “Mais de três quartos dos cidadãos em Itália (85%) e Espanha (79%) são a favor de metas para 2030 mais ambiciosas”. Já em Portugal (72%), “o valor não chega aos três quartos, mas está próximo. Portugal é mesmo o quarto país onde este valor é mais elevado”, lê-se no comunicado da ZERO.
No caso dos países de Leste, segundo os resultado, é notável, e dentro de certa maneira esperado, o “forte apoio ao reforço das metas nos seus países”, uma vez que estas têm sido pouco exigentes. No caso da Roménia é de 73%, da Polónia 68%, e da Hungria 67%, sinal inequívoco de que os respetivos governos devem ser menos relaxados nos seus desígnios climáticos.
O estudo dá ainda conta que apenas na Holanda e na Dinamarca não há maiorias para aumentar as metas nacionais, no entanto há fortes maiorias nesses países, respetivamente 84 e 85%, com opinião de que as metas devem ser pelo menos mantidas. O apoio a que, pelo menos, os atuais objetivos climáticos nacionais se mantenham não é nunca inferior a 80% em nenhum dos Estados-membros onde o estudo decorreu.
Os cidadãos preferem normas e regulamentos a mecanismos de mercado
Há um apoio esmagador entre os cidadãos da UE (84% dos com uma opinião) para aumentar os esforços climáticos nos setores dos transportes e dos edifícios por meio de novas normas e regulamentos, tais como limites de CO2 nos novos automóveis vendidos e patamares mínimos de vendas de automóveis elétricos, tanto ao nível nacional como ao da UE, segundo o estudo.
Contudo, “os cidadãos são mais reservados quanto a instrumentos de mercado ao nível da UE que tornem os combustíveis para transporte e aquecimento mais caros para os consumidores”, como é o caso da “proposta de extensão do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) a esses combustíveis”, refere a ZERO. Enquanto “41% dos cidadãos europeus com uma opinião apoiam tal instrumento, 59% opõem-se a ele”, indicam os resultando. Os países onde a rejeição é maior são a Holanda (65%), Bélgica (64%), França (62%), Alemanha (60%), Itália (60%) e Polónia (60%). Já em Portugal a tendência é contrária: “50% apoiam esse instrumento, e 47% rejeita-o (3% não sabem)”, refere o comunicado.
No que concerne à introdução de novas normas e regulamentos climáticos dirigidos aos setores do transporte rodoviário e dos edifícios, o apoio é avassalador em toda a UE. Os cidadãos mostram níveis especialmente altos de apoio nos países de Leste e do Sul da Europa, com entre 86 e 92% dos entrevistados com uma opinião a favor. Em nenhum país o apoio fica abaixo de 76% entre os que têm uma opinião. Em Portugal, esse apoio é de 85%, revelam os resultados.
Conclusões da ZERO:
- A Comissão Europeia deve olhar para eles e clarificar que as metas climáticas nacionais vinculativas vieram para ficar e que constituem um dos principais pilares da política climática da UE. Os governos nacionais podem contudo adaptar as políticas às necessidades socioeconómicas locais, optimizando a transição justa nos seus países.
- A Comissão Europeia deve aproveitar o apoio público esmagador a novas normas e regulamentos climáticos para aumentar a ambição nas políticas sectoriais da UE, como seja as normas de CO2 aplicáveis a automóveis novos. Uma eficaz combinação de políticas ao nível da UE contribui para os Estados-Membros atingirem mais facilmente os seus objectivos individuais.
- Se a UE vier a incluir algum tipo de mecanismo de mercado nas emissões dos setores dos transportes rodoviários e dos edifícios, deverá considerar devidamente os impactos sociais dentro e entre os Estados-Membros. Esse mecanismo deve ser concebido como uma política de apoio que ajude os países a cumprir mais facilmente os seus objectivos no âmbito da partilha de esforços, em vez de substituir as metas nacionais.
- A União Europeia, tal como os resultados sugerem, perdeu uma oportunidade de ouro para fazer subir a meta de redução de emissões até 2030 para 60%, tal como o Parlamento Europeu tinha pedido, e mais próximo do que a comunidade científica aponta como sendo o necessário para manter o aumento de temperatura abaixo do 1,5°C no âmbito do Acordo de Paris.
Este inquérito online foi realizado pelo instituto YouGov entre 11 e 20 de fevereiro de 2021. É baseado numa amostra representativa de 13.324 adultos residentes em 12 países da UE (Roménia, Holanda, Itália, Portugal, Dinamarca, Polónia, França, Alemanha, Irlanda, Bélgica, Hungria e Espanha), cobrindo 84% da população da UE.