ZERO: Governo não cumpre promessa de restrição à produção e comércio de biocombustíveis a partir de óleo de palma
Uma das promessas do Governo de António Costa, inscrita no Orçamento de Estado para 2021, visava a restrição da comercialização e produção de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma, a partir de 1 de janeiro de 2022. A poucos dias do final do ano, a associação ZERO lamenta, num comunicado, tratar-se de mais um dos compromissos que fica na gaveta: “Portugal deixa de fazer parte de um conjunto de países que ambiciosamente procuram ir mais além e abandonar no curto prazo a utilização de óleos alimentares insustentáveis para produção de biocombustíveis, como é exemplo o óleo de palma”.
De entre os países que decidiram ser ambiciosos e deixar de apoiar o biodiesel de palma contam-se os Países Baixos, Áustria, Dinamarca e França, sendo que estes dois últimos pretendem alargar a decisão e incluir a soja já em 2022. Segundo a ZERO, a soja, embora não esteja inscrita no Regulamento Delegado (UE) 2019/807 da Comissão Europeia como matéria-prima insustentável, é de igual forma “problemática e está ligada a processos de desflorestação e destruição de ecossistemas ricos em carbono e biodiversidade”, assim como impactes sociais muito significativos.
Em Portugal, num cenário de incerteza no que respeita à transposição da REDII, e aproveitando uma alteração legislativa em que o POME (efluente da produção de óleo de palma) passou a ter dupla contagem para efeitos da meta de incorporação de biocombustíveis, a indústria reinventou-se: “A aposta que anteriormente estava centrada na produção de biocombustíveis a partir de óleo de palma, essencialmente para HVO (Óleo Vegetal Hidrogenado), passa agora pela importação de biocombustíveis produzidos a partir de efluentes de óleo de palma e cascas vazias de palma”, destaca a associação.
Citando os dados públicos disponibilizados no website do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), a ZERO refere que para “os primeiros três trimestres de 2021, foram produzidos 216.763 m3 de biodiesel”, seja ele FAME ou HVO. Destes, “cerca de 70% resultou da utilização de matérias residuais como Óleos Alimentares Usados, gorduras animais e outras matérias residuais” e “30% de óleos alimentares virgens como a colza, soja e oleína de palma”, precisa a associação.
Salvaguardando o facto de em 2021 somente existirem dados disponíveis para os primeiros três trimestres, a ZERO constata que existe uma aparente redução no consumo de óleos vegetais como a colza e o óleo de palma, e um incremento na utilização resíduos industriais como oleínas ácidas, gordura animal, resíduos da indústria das margarinas, glicerina, entre outros, utilizados na produção de biocombustíveis avançados.
Em 2020, de acordo com a ZERO, somente 7,9% do biodiesel produzido em Portugal utilizou matérias-primas nacionais, sendo que a restante foi importada. E quando a análise incide na importação de biocombustíveis, conta-se que esta “quintuplicou”, passando de “20.779 m3 em 2020 para os 101 815 m3 em 2021”. Isto significa que “cerca de 50% deste biodiesel importado corresponde a biocombustíveis avançados, isto é, biocombustíveis de 2.ª geração”. Ainda nesta análise a ZERO verifica que, “32% (32.592 m3) de biodiesel importado foi produzido a partir de alegados resíduos da indústria da palma”. E, embora sejam valores de três trimestres de 2021, são “superiores ao que foi produzido em 2020 em Portugal, utilizando óleo de palma”, alerta.
Face a estes valores, a ZERO é da opinião que esta possibilidade de utilização de resíduos é um incentivo à indústria de palma, podendo efetivamente contribuir para o continuar do devastador processo de desflorestação e impacte sobre espécies em perigo como o orangotango. Estes números levam ainda a associação a questionar se “esta não poderá ser uma forma de fraudulenta de incorporar óleo de palma na produção de biocombustíveis”, contornando, assim, a “intenção europeia de abandono na utilização de óleo de palma para produção de biocombustíveis”.
Como nota final, a ZERO deixa um apelo: “É urgente uma ação séria no abandono da utilização de culturas alimentares insustentáveis para a produção de biocombustíveis, pelo que se espera que o Governo agilize o procedimento de abandono da utilização de óleo de palma, não esquecendo a necessidade de exclusão de todos os resíduos associados a esta indústria”.