A Zero analisou em detalhe os dados sobre embalagens reportados pela Sociedade Ponto Verde – entidade que, até 2016, foi integralmente responsável por garantir o adequado funcionamento da responsabilidade alargada do produtor neste fluxo específico – e cruzou esses mesmos dados com a caracterização física dos resíduos sólidos urbanos disponibilizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), sistematizada com base nas amostragens realizadas nos diferentes sistemas de gestão existentes.
E a conclusão, segundo a associação ambientalista, é deveras assustadora: muitos embaladores e importadores de produtos embalados poderão ter fugido ao pagamento dos valores das prestações financeiras obrigatórias por lei (Ponto Verde) referentes a mais de 500 mil toneladas de embalagens colocadas, ou seja, 44% do total, gerando uma concorrência desleal entre agentes económicos e prejudicando a reciclagem dos resíduos que são produzidos.
Com efeito, segundo a SPV em 2016 foram colocadas cerca de 700 mil toneladas de embalagens urbanas pagaram o Ponto Verde, enquanto que segundo a APA nesse ano se contabilizaram 1,25 milhões de toneladas de embalagens nos resíduos urbanos.
Considerando o cruzamento de dados efetuado, a Zero considera que é evidente que se verificam desvios muitos significativos em todos os materiais recicláveis, com exceção do vidro, havendo muito mais embalagens nos resíduos urbanos do que as que pagaram ponto verde, sendo que é no plástico que se verifica a maior diferença, existindo três vezes mais embalagens deste material nos resíduos urbanos do que as declaradas.
Mas existem mais desvios que foram identificados:
1. No papel e no cartão surgem 2,5 vezes mais embalagens nos resíduos urbanos do que as que pagaram o Ponto Verde;
2. Nas Embalagens de Cartão para Alimentos Líquidos e nos metais (aço e alumínio) surgem sensivelmente o dobro das embalagens nos resíduos urbanos do que as que pagaram o Ponto Verde;
3. Na madeira surgem seis vezes mais embalagens e nos “Outros” 17 vezes mais embalagens do que nos resíduos urbanos.
Este não pagamento do Ponto Verde por parte de mais de meio milhão de toneladas de embalagens aparenta configurar uma situação de ilegalidade generalizada, pelo que se torna urgente uma ação de fiscalização por parte das entidades oficiais, frisa a organização. E acrescenta que também denota “uma situação de incapacidade da Sociedade Ponto Verde que ignorou ao longo de anos o que aqui se relata e mostra também que a Agência Portuguesa do Ambiente se alheou de controlar a licença atribuída, permitindo que os agentes económicos prevaricassem de forma generalizada”.
Metas das retomas dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos têm que ser atualizadas
Considerando que afinal existem, pelo menos, mais meio milhão de toneladas de embalagens nos Resíduos Urbanos, o Ministério do Ambiente tem de aumentar de imediato as metas de reciclagem de embalagens para os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos fixadas no Despacho n.º 7111/2015, de 29 de Junho, já que estimou, em 2015, que o total de embalagens se situaria nas 680 mil toneladas, ou seja, apenas 52% do que efetivamente entra no mercado, considera o comunicado da Zero.
Esta situação também deveria, de acordo com a mesma nota, obrigar a rever as metas de recolha seletiva de embalagens previstas no Plano Estratégico dos Resíduos Urbanos 2020, designadamente as metas para a preparação para reutilização e reciclagem e as metas das retomas de embalagens de recolha seletiva (kg/habitante.ano), por forma a acomodar este enorme aumento de quantidade de embalagens.
Por outro lado, a Zero defende que também se torna imprescindível rever a meta de reciclagem inaceitavelmente baixa relativa aos plásticos, a qual é de apenas 22,5%, considerando os impactes que este tipo de material tem no ambiente, em particular nos oceanos.
Situação obriga a rever as licenças atribuídas às três entidades gestoras e a não falhar na fiscalização
Face a esta situação, e tendo em conta que existem atualmente três licenças atribuídas a entidades gestoras – Sociedade Ponto Verde, Novo Verde e Amb3E – a Zero defende que o Ministério do Ambiente tem que rever urgentemente as licenças para gestão de embalagens urbanas que emitiu, obrigando ao aumento das quantidades previstas para a reciclagem dos diferentes materiais, de forma a que estas sejam coerentes com esta nova realidade agora evidenciada. Também os organismos do Ministério do Ambiente devem exercer uma fiscalização mais assertiva, podendo até, em articulação com a Autoridade Tributária e Aduaneira, cruzar informação fiscal com os dados reportados dos fluxos de resíduos, no sentido de se conseguir aferir com maior rigor a atividade da gestão de embalagens em Portugal.
A associação afirma que já fez chegar à Secretaria de Estado do Ambiente e também à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) um pedido para que estes factos sejam investigados e se criem instrumentos de fiscalização eficazes que contribuam para a moralização de um sistema que continua a permitir que alguns agentes económicos sem escrúpulos prevariquem com um mais que evidente à-vontade perante a incúria das autoridades ambientais.