A ZERO avaliou a eficácia da recolha seletiva porta-a-porta em três municípios que adotaram este sistema – Lajes das Flores (Açores), Lisboa e Maia – e comparou os resultados obtidos com o desempenho da recolha seletiva baseada em ecopontos. A conclusão não deixa margem para dúvidas, diz a associação: a retoma de recicláveis – papel/cartão, plásticos/metais e vidro existentes nos resíduos sólidos urbanos – é muito superior nas áreas onde existe recolha porta-a-porta.
Os valores registados em Lisboa (65 kg /hab/ano), na Maia (65 kg/hab/ano) e nas Lajes das Flores (93 kg/hab/ano), são muito mais expressivos do que os registados em municípios que optaram pela recolha seletiva através de ecopontos na via pública (média nacional – 45kg/hab/ano; média Açores – 41 kg/hab/ano).
Face ao modesto valor de 28% de taxa de reciclagem que se verificou em 2015, e sendo já muito provável que não sejam cumpridas as metas da reciclagem previstas para 2020, a ZERO avançou com esta análise da eficácia dos dois sistemas com o objetivo de demonstrar a importância de alterar a forma como a recolha seletiva é feita em Portugal.
Quais são os resultados obtidos em Lisboa e na Maia?
Em termos nacionais, no ano de 2015, cada português produziu, em média, 459 Kg de resíduos, dos quais apenas 45 Kg foram sujeitos a separação (31% do papel/cartão, dos plásticos/metais e do vidro existentes nos resíduos sólidos urbanos).
Em Lisboa, a recolha seletiva porta-a-porta induziu uma separação de cerca de 65 Kg de recicláveis, valor semelhante ao atingido na Maia, registando-se retomas para reciclagem de mais 20 kg/hab/ano do que na média nacional.
No caso da Maia, em que o tratamento dos resíduos sólidos urbanos é assegurado pela LIPOR – uma empresa intermunicipal que agrega outros 7 Municípios do Grande Porto, perfazendo um milhão de cidadãos – a participação dos cidadãos é de tal modo exemplar, que cerca de 24% do total da recolha seletiva do sistema resulta do esforço dos 135 748 cidadãos deste concelho (apenas 13% da população do conjunto dos concelhos do sistema).
Nos Açores, o exemplo da ilha da Flores
A ilha das Flores, situada na Região Autónoma dos Açores, é o que se pode considerar um “laboratório social”, onde se podem analisar atitudes e comportamentos distintos dos cidadãos face à produção de resíduos e à separação dos recicláveis. Assim, nos dois municípios existentes na ilha – Lajes das Flores e Santa Cruz das Flores – coexistem dois modelos de recolha diferentes. Enquanto no município de Lajes das Flores, com 1.504 habitantes, a solução adotada é a recolha porta-a-porta, no município de Santa Cruz das Flores, com 2.289 habitantes, a opção foi a mais “tradicional”, ou seja, um modelo de recolha de recicláveis baseado nos ecopontos. E os resultados também estão à vista. Cada cidadão de Lajes das Flores separa 93 Kg de recicláveis e em Santa Cruz das Flores separa 80 Kg. Comparando com o que se passa na Região Autónoma do Açores, constata-se que cada cidadão separa apenas 41 Kg.
Em suma, a recolha seletiva porta-a-porta induziu uma separação de cerca de 93 Kg de recicláveis, registando-se retomas para reciclagem de mais 52 kg/hab/ano, ou seja, mais de duas vezes a média do Arquipélago dos Açores.
De acordo com a nota da ZERO, estes números comprovam que os decisores políticos necessitam de alterar radicalmente a forma como gerem os resíduos, tendo chegado o momento de se abandonar a visão linear, em que se parte do princípio que os recursos são abundantes, estão disponíveis e que é barato deitá-los fora e substituí-los por outros, para um modelo circular em que os resíduos são vistos como recursos, favorecendo a redução, a reutilização, a reparação e a reciclagem dos materiais e dos produtos existentes.
A implementação de modelos de recolha de maior proximidade com o cidadão, como a recolha porta-a-porta devem ser a regra para as áreas mais densamente povoadas, já que é uma opção que tem provas dadas e viabilidade económica assegurada.
Todavia, para tal é necessário que a recolha dos resíduos indiferenciados e dos recicláveis, incluindo os orgânicos, seja efetuada pela mesma entidade (município ou sistema), situação que gera ganhos de eficiência significativos. Além disso, a associação acredita que é importante que se comece por rever, legislando se for necessário, o atual modelo de alocação dos valores das contrapartidas que são pagas pelas entidades gestoras do sistema integrado de embalagens e resíduos de embalagens, já que existem sistemas de gestão de resíduos que suportam apenas uma pequena parte dos custos totais que alguns municípios têm com a recolha seletiva, mas recebem a maior parte da contrapartida paga; bem como se promova a compostagem doméstica, evitando a recolha de uma parte significativa dos 40% dos resíduos que são matéria orgânica, atendendo a que 55% dos portugueses vivem em moradias (Eurostat 2014).
A ZERO defende ainda que o investimento por parte do POSEUR deixe de financiar o aumento da rede de ecopontos, cujo modelo se mostra incapaz de dar respostas adequadas para o cumprimento das metas, mobilizando as verbas para investimentos dos Municípios e dos Sistemas na recolha porta-a-porta; e que se garanta que os atuais ecopontos continuam a desempenhar uma função relevante, optando por soluções de recolha seletiva de proximidade nos aglomerados mais pequenos e nas áreas rurais onde a acessibilidade à recolha seletiva é mais incipiente, criando a regra de um ecoponto por cada contentor de recolha de indiferenciado.