Zero defende que comércio ilegal de gases fluorados nocivos para o clima floresce na UE
Portugal mais que duplicou a importação de gases fluorados, entre 2016 e 2018, e a ZERO quer mais transparência e fiscalização no comércio ilegal destes gases, nocivos para o clima, que segundo a associação “floresce na UE”.
A União Europeia (UE) reviu o seu Regulamento dos gases fluorados em 2014, para eliminar progressivamente os hidrofluorcarbonetos (HFCs), uma família de produtos químicos sintéticos, centenas a milhares de vezes mais potentes que o dióxido de carbono no seu potencial de aquecimento global, e habitualmente usados na refrigeração, nos ar condicionados, na proteção contra incêndio, nos aerossóis e nas espumas.
Mas, à medida que a quantidade de produto disponível se reduziu e os preços subiram, devido às quotas estabelecidas pela UE para os HFC, o comércio ilegal desenvolveu-se para responder à procura, com os HFCs não incluídos na quota a entrarem diretamente na UE vindos da China ou via Rússia, Ucrânia, Turquia e Albânia. Pensa-se que os principais pontos de entrada na UE e pontos de acesso ao comércio ilegal sejam a Bulgária, Croácia, Dinamarca, Grécia, Itália, Letónia, Polónia e Malta.
A chamada de atenção para esta situação é feita no novo relatório da Environmental Investigation Agency (EIA) – Londres, entidade com quem a ZERO colabora desde 2016, no acompanhamento da implementação do Regulamento dos Gases Fluorados a nível nacional.
Com o lançamento do relatório “Doors Wide Open: Europe’s flourishing illegal trade in hydrofluorocarbons today” (De portas abertas: o florescente comércio ilegal de hidrofluorcarbonetos na Europa), a coordenadora das campanhas climáticas da EIA, Clare Perry advertiu: “O corte no uso de HFC é uma das ferramentas mais eficazes para ajudar a prevenir as mudanças climáticas – mas o seu impacto pode ser significativamente prejudicado pelo comércio ilegal.”
Este relatório resulta da pesquisa mais abrangente do género sobre o comércio ilegal de HFC e documenta como já em 2016, e apesar do armazenamento de enormes quantidades de HFCs em 2014, começaram a surgir relatos de HFCs ilegais nos mercados europeus.
A EIA tem detetado desde então uma escalada no comércio ilegal de HFC, testemunhando-se em 2018 um dilúvio no uso e comércio ilegal de HFC em toda a UE.
Uma análise detalhada dos dados alfandegários de 2018 sugere que foram colocadas ilegalmente no mercado até 16,3 milhões de toneladas de CO2 equivalente (16,3 MtCO2e) de HFCs, o equivalente a mais de 16% da quota. Um grande número de países da UE registou um aumento significativo das importações de HFC em 2018, apesar do enorme corte de 37% no fornecimento de HFC, a que o regulamento obrigava.
A EIA também comparou os dados alfandegários de 2017 com os valores reportados no âmbito do Regulamento relativo aos gases fluorados. Os dados alfandegários indicam um adicional de 14,8 MtCO2e de HFCs colocados no mercado europeu em comparação com os dados reportados, o equivalente a 8,7% da quota de 2017. Discrepâncias significativas também existem entre os dados de exportação chineses e os dados de importação da Europa, o que poderá indicar declarações de importação fraudulentas.
Comparando as importações de HFC em 2016 e em 2018, verificou-se que Portugal foi um dos países onde as importações em 2018 mais que duplicaram em relação às importações de 2016, juntamente com a Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Irlanda, Letónia, Malta, Polónia, Roménia e Suécia.
No final de 2018, a EIA realizou dois inquéritos, um para avaliar os esforços dos Estados-Membros da UE para cumprir o Regulamento dos gases fluorados e o segundo para obter informações sobre o comércio ilegal diretamente junto das principais partes interessadas do setor. Mais de 80% das empresas inquiridas sabiam ou suspeitavam de comércio ilegal de HFC e 72% viram ou receberam propostas para adquirir refrigerantes em cilindros descartáveis ilegais.
Perry acrescentou: “As portas da UE estão completamente abertas para o comércio ilegal de HFC em larga escala, impulsionado por lucros rápidos e baixo risco de medidas punitivas, bem como pela ausência de um sistema que permita aos funcionários aduaneiros determinar se uma importação de HFC é legal ou não. Um sistema de licenciamento em funcionamento é necessário com urgência e os Estados Membros precisam reforçar significativa e comprovadamente a fiscalização.”
As recomendações do relatório incluem:
- implementação de um sistema de licenciamento totalmente funcional que permita aos funcionários aduaneiros determinarem a legalidade das remessas de HFC;
- melhorar o reportar e monitorização do comércio de HFC com os países exportadores;
- revisão da proibição dos cilindros não recarregáveis para proibir o uso de todos os cilindros descartáveis;
- melhorar a transparência do sistema de quotas, publicando os nomes de novos operadores e os valores das quotas;
- estabelecer um sistema para comparar os dados reportados sob o Regulamento dos gases fluorados com os dados alfandegários, e analisar as discrepâncias.
Filipa Alves da ZERO considera que: “É fundamental tornar toda a informação associada ao mercado rapidamente disponível, ao nível dos atores de mercado, quotas atribuídas, do comércio efetuado e dos movimentos alfandegários, para que rapidamente se possam detetar discrepâncias no sistema e se averigue quais os casos que estão ilegais e se atue punitivamente nesses casos. Só uma efetiva implementação do Regulamento levará à redução da utilização destes gases altamente nocivos para o nosso clima, e cuja atuação é cada vez mais urgente.”