Numa altura em que a produção centralizada de energia solar fotovoltaica ganha terreno em Portugal, a Associação ZERO chama a atenção para as vantagens do solar distribuído e alerta para alguns bloqueios existentes na sua disseminação, uma vez que a produção de eletricidade descentralizada traria mais-valias para a sociedade que não estão a ser potenciadas.
De acordo com a ZERO, a produção de energia solar em Portugal em grandes sistemas centralizados tem sido alvo de “grandes investimento”s, tirando partido de “economias de escala” e conduzindo a uma “queda no custo da unidade de energia produzida”. Face à produção de energia solar descentralizada, por exemplo em telhados, a produção de energia em grandes centrais é tida como mais barata, mas a diferença esbate-se ou anula-se quando se incluem na equação as externalidades positivas e negativas em cada um dos modelos: “por exemplo, destruição de habitats no caso do solar centralizado ou uma maior segurança energética no caso solar descentralizado”, pode ler-se num comunicado, divulgado pela associação.
Em comparação com as grandes centrais solares, a ZERO constata que a produção de energia em pequena escala tem vantagens porque “é mais eficiente (a produção está próxima do consumo, gerando menos perdas de energia na rede)”; “não requer ocupação de terrenos para a sua implantação (é feita em telhados e coberturas de edifícios já existentes)”; “cria mais postos de trabalho (dinamizando as empresas locais); tem menores custos de interligação e transmissão de rede”; “é mais resiliente a desastres naturais”; “é democrática (capacita os cidadãos para serem agentes ativos na transição energética)”; “os painéis sombreiam os edifícios e as casas (permitindo poupar energia no Verão)”; “proporciona um espaço de mercado mais favorável à competição (onde não existem grandes contratos de eventual natureza anti concorrencial)”; e “não obriga a grandes processos burocráticos centralizados para implantação dos sistemas”.
Para além disso, a ZERO considera que, no âmbito da política energética da União Europeia (UE), vertida nas suas diretivas, nomeadamente na Diretiva das Energias Renováveis (UE) 2018/2001(1), a distribuição da produção, armazenamento e gestão de energia em comunidades energéticas de pequenos produtores e consumidores, enquanto cidadãos, cooperativas ou municípios, tem um papel fundamental, na medida em que a “organização energética coletiva e orientada para e pelos cidadãos é chave na aceitação pública de projetos de energia renovável”, pois conduz a “benefícios diretos ao nível da autonomia energética e da redução da conta de eletricidade e contribui ainda para a flexibilidade do sistema elétrico, através de uma gestão da procura e do armazenamento energéticos”. Acresce que a organização em comunidades de energia permite ainda “contornar a falta de espaço para a instalação de painéis solares”, vista como um “obstáculo à expansão do solar distribuído”, pois os membros podem beneficiar da energia produzida não só nos seus telhados como nos de vizinhos onde exista espaço. Esta forma de cooperação cria assim “valor socioeconómico local”, ajudando a “fomentar atitudes positivas em relação à transição energética, contribuindo para atrair o investimento de que necessita. O solar comunitário e cooperativo é assim uma peça chave na implantação do solar distribuído”, entende a Associação.
[blockquote style=”1″]”… produção de energia distribuída em regime de autoconsumo é uma peça chave”[/blockquote]
Apesar de a energia solar fotovoltaica ser ainda residual na eletricidade consumida em Portugal (3,5%), a sua capacidade instalada tem subido muito nos últimos anos: “só em 2021, foram instalados cerca de 700 MW, atingindo um total de cerca de 1.770 MW instalados no país, ou seja, mais 40% de capacidade em relação a 2020”. Entretanto, através dos leilões solares promovidos pelo Governo desde 2019 para grandes centrais solares, já está assegurada a mais que “duplicação” desta capacidade, lê-se no mesmo comunicado.
Apesar deste crescimento, a ZERO demonstra preocupação com a perspetiva desse crescimento ser “assimétrico” em Portugal nos próximos anos: “A capacidade atribuída nos leilões, que corresponde à fatia do crescimento do solar, é em solar centralizado, sendo que o solar descentralizado em pequenas unidades de produção está a perder terreno”. Segundo a Associação, nos últimos três anos (2019, 2020 e 2021), a “nova capacidade instalada em solar centralizado rondou os 70%”, com o “solar descentralizado a registar apenas 30%”.
Para a ZERO, esta situação era expectável, pois Portugal tem, desde 2019, um “enquadramento jurídico específico” para a atribuição de potência em grandes centrais solares através dos leilões, e, por outro lado, o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) aponta para uma capacidade de solar descentralizado em Portugal em 2030 de 2.000 MW e de centralizado de 7.000 MW. Ainda assim, a ZERO vê estes números com “apreensão: significa que o potencial de aproveitamento de produção de energia nos telhados das casas e edifícios de habitação e serviços está a ser desperdiçado, quer a título individual, quer empresarial, quer comunitário”.
Tendo em conta alguns estudos, a ZERO refere que o “potencial do solar descentralizado em telhados no consumo final de eletricidade em toda a Europa é muito elevado, cerca de 24% em termos técnicos e 16% a apresentar viabilidade económica”. No caso de Portugal, devido às suas “condições favoráveis em termos de horas de sol e de conjuntura de mercado”, estes números são muito mais expressivos: “no país há potencial para abastecer com viabilidade técnica e económica cerca de 50% do seu consumo de eletricidade com base em solar-fotovoltaico instalado em telhados; em toda a Europa, só Chipre tem um potencial superior”.
Apesar do crescimento da capacidade solar-fotovoltaica instalada ser um fator positivo, incluindo a do solar centralizado, a ZERO atenta na importância de se manter um “equilíbrio apropriado entre solar centralizado e distribuído”, de forma ser aproveitado o “enorme potencial que as coberturas de edifícios no país têm, com todas as vantagens associadas”.
Face às barreiras ao solar descentralizado que existem em Portugal, a ZERO propõe, no mesmo comunicado, um conjunto de medidas práticas que ajudariam a estimular o crescimento deste regime de produção energética: “O registo de autoconsumo coletivo deve ser tão simplificado como o registo de sistemas de autoconsumo individual até 30 kWp”; “A Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) deve disponibilizar formulários e guias simples e intuitivos sobre todos os passos que qualquer cidadão precisa de dar para promover o autoconsumo coletivo no seu prédio ou bairro”; “As tarifas de acesso às redes não devem constituir um entrave ao benefício económico de sistemas de autoconsumo coletivo nos telhados das habitações”; “O Fundo Ambiental deve apenas financiar sistemas de autoconsumo coletivo em prédios de habitação, para fomentar esta boa prática de aproveitamento de coberturas”.
É posição da ZERO que a transição energética no setor da eletricidade será tanto mais rápida quanto mais descentralizada, participativa e cooperativa for. “O controlo e propriedade comunitários das estruturas de energia são a única forma de democratizar um setor que continua a padecer de demasiada centralização”, sustenta a Associação, concluindo que, num mundo repleto de “instabilidade geopolítica e com os preços da energia a subirem, a produção de energia distribuída em regime de autoconsumo é uma peça chave na mitigação quer da insegurança energética, quer dos efeitos da escalada nos preços junto das famílias e empresas”.