O Relatório do Estado do Ordenamento do Território de 2024, elaborado pela Direção-Geral do Território, e cuja discussão pública terminou na passada sexta-feira, dia 3 de janeiro, trata-se de um instrumento essencial para avaliar a implementação do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), avaliando diferentes áreas, entre elas o solo.
Nos últimos dias, a publicação do Decreto-Lei nº 117/2024 que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, permitindo a construção em solos rústicos mediante deliberação municipal, tem recebido uma forte contestação de diversos especialistas, de vários setores da sociedade civil e também de organizações não-governamentais como a ZERO.
De acordo com o Relatório, o solo é um recurso natural não renovável essencial para os ecossistemas, sendo crucial preservar a sua integridade. A impermeabilização do solo, associada à urbanização, é um dos principais fatores de degradação, comprometendo funções como produção de alimentos, regulação do ciclo da água, captura de carbono e suporte à biodiversidade. Em 2018, mais de 90% do solo no continente permanecia não impermeabilizado, mas em municípios metropolitanos como Porto, Lisboa e Amadora, essa proporção era inferior a 60%, com o Porto a apresentar o menor valor (43%). A classificação de solo como rústico nos Planos Diretores Municipais (PDM) e sua proteção por regimes como a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e a Reserva Ecológica Nacional (REN) visam preservar áreas aptas para usos agrícolas, florestais e conservação da biodiversidade.
Os dados revelados mostram que para muitos municípios, nomeadamente aqueles onde as necessidades de habitação são mais prementes, o Decreto-Lei tem pouca aplicabilidade e, portanto, é dispensável. Em 2023, municípios como Lisboa, Amadora e Porto apresentavam áreas nulas de solo rústico, enquanto em Oeiras e São João da Madeira esse tipo de solo representava menos de 25% do território. Entre 2015 e 2023, 74% dos municípios mantiveram a área de solo rústico inalterada, mas, ao contrário do que se pretende com a nova legislação, 49 municípios expandiram as suas áreas de solo rústico. A área total de solo rústico no território continental aumentou em 17.303 hectares, representando um acréscimo de 0,2%.
Áreas de Reserva Ecológica Nacional onde legislação permitirá construção são absolutamente críticas
A ZERO considera inaceitáveis as tipologias de áreas de Reserva Ecológica Nacional que ficaram fora do regime de exceção mencionado na alínea 3 a) do Artigo 72-B do Decreto-Lei nº 117/2024 que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e onde se poderá vir a construir habitação ou ter lugar outros usos complementares.
“Há em todo o país vastas áreas com estas características que motivaram a sua inclusão na Reserva Ecológica Nacional, cuja preservação é indispensável, e que não tem qualquer sentido serem destruídas/impermeabilizadas”, diz a associação.
Para a ZERO, é necessária uma análise integrada do Relatório, identificando os efeitos antagónicos das políticas adotadas e uma descrição clara de quais políticas que contribuem efetivamente para as metas do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT). O relatório “peca também pela falta de reflexão crítica sobre políticas públicas, nomeadamente avaliando o impacto de instrumentos como os programas SIMPLEX no ambiente e no ordenamento do território, incluindo a progressiva artificialização dos solos. Instrumentos importantes, como a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional, não são avaliados em termos de sua capacidade de cumprir suas funções fundamentais”.
A ZERO destaca que o REOT deve evoluir para se tornar um instrumento de avaliação mais robusto e alinhado com a consolidação de uma nova cultura territorial. “Será importante no futuro monitorizar e interpretar os resultados da fiscalização e da implementação de planos em diversos níveis territoriais, com destaque para a atuação do Inspeção Geral do Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), avaliando planos de monitorização, recursos alocados e resultados obtidos, incluindo denúncias de violações ao ordenamento. É também relevante interpretar como os Instrumentos de Gestão Territorial enfrentam desafios territoriais e identificar oportunidades, ameaças e incompatibilidades entre medidas”.
O relatório deve igualmente avaliar a adequação dos indicadores escolhidos para monitorizar o confronto entre políticas centrais e dinâmicas territoriais, em particular examinando como os maiores investimentos públicos e políticas centrais se alinham com as metas do PNPOT e a eficácia dos IGT. Por último, segundo a ZERO, é fundamental que o relatório insista na prioridade à transparência, acesso à informação e participação cívica no ordenamento do território.