Zero aponta incoerências e omissões no Orçamento do Estado para 2019 a nível ambiental
A Associação Zero efetuou uma análise detalhada da componente mais relacionada com as políticas ambientais da proposta do Orçamento do Estado para 2019, que será apresentada aos grupos parlamentares, de modo a poderem ser consideradas sugestões de alteração na discussão na especialidade que permitam melhorar o documento.
O principal alerta da Zero relaciona-se com a enorme incoerência no que respeita às políticas na área da energia e clima face ao objetivo afirmado pelo governo de querer atingir a neutralidade carbónica em 2050, fazendo por exemplo coexistir medidas que favorecem, e bem, o transporte público, com medidas que penalizam as renováveis mas excluem a eletricidade produzida por combustíveis fósseis no caso da cogeração, ou que não aumentam suficientemente o adicionamento do preço do carbono e reduzem o uso de biocombustíveis, refere em comunicado, divulgado no seu site.
Por outro lado, diz, o OE 2019 apresenta ainda um conjunto de omissões, ao nível das políticas de resíduos, dos recursos hídricos e mesmo da mobilidade ou da eficiência energética, menosprezando, pela sua ausência, várias medidas, já anteriormente sugeridas pela Zero, que poderiam revelar-se eficazes no sentido da promoção da Economia Circular.
Aspetos Positivos
O Governo decidiu introduzir na proposta de OE 2019 um fator de correção no cálculo do Imposto sobre Veículos (pago na aquisição do veículo) e do Imposto Único de Circulação (pago anualmente), em consequência da adoção de um novo sistema de medição das emissões de CO2(o WLTP), mais realista das condições de condução para homologação do veículo. A UE estima que essa diferença será entre 10% a 15%, enquanto um estudo recente da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E), da qual a Zero faz parte, reúne evidências de que essa diferença se situa nos 23%. Para evitar o aumento de preço e impostos sobre os veículos, a proposta de OE 2019 introduz um desconto, através de uma medida transitória, que oscila entre os 5% e os 24% para o ISV, e os 5% e os 21% para o IUC. A Zero considera positivo o facto de o desconto decrescer à medida que o carro for mais poluente, mas considera-o demasiado elevado e até desnecessário, o que é mais tarde relevado como aspeto negativo.
Outro elemento positivo é o agravamento dos impostos das empresas ou empresários pelos encargos com as frotas de automóveis, exceto no caso de veículos elétricos onde se mantem a isenção de tributação autónoma e nos híbridos plug-in (agora com metade dos benefícios em relação ao ano passado). “Trata-se de um claro desincentivo a frotas mais poluentes num segmento que tem muito peso na mobilidade rodoviária individual”, explicam os ambientalistas.
Na proposta de OE 2019, e à semelhança dos anos anteriores, a Zero considera positivo haver agravamento no valor de 500€+IVA para todos os veículos ligeiros de passageiros a gasóleo que emitam 0,001g/km ou mais de partículas (valor mais exigente que no passado). No caso dos ligeiros comerciais, o agravamento é de 250€+IVA.
Positiva é ainda a manutenção dos incentivos à aquisição de veículos de baixas emissões, através de verbas do Fundo Ambiental, que não sofrem alterações no OE 2019, não se apresentando porém o número de veículos abrangidos. Este incentivo abrange não só os automóveis (incentivo até 2250 euros), mas também motociclos de duas rodas e ciclomotores elétricos. No entanto, a associação considera que o número de veículos abrangido não será provavelmente suficiente, como aconteceu em 2018, devendo ser maior em 2019 para atingir um impacto mais significativo na descarbonização da frota.
Destaque ainda para o prosseguimento, através do Fundo Ambiental, do programa de incentivo à mobilidade elétrica, apoiando a introdução de 600 veículos elétricos exclusivamente para organismos da Administração Pública, incluindo a administração local. E à aquisição de material circulante para a CP – Comboios de Portugal, E.P.E. (CP, E.P.E.), em desenvolvimento do projeto de renovação da sua frota (sendo 5 milhões de euros provenientes do Fundo Ambiental).
Outros aspetos positivos salientados pela Zero são o Programa de apoio à redução tarifária nos transportes públicos – 83 milhões de euros do Fundo Ambiental provenientes do adicionamento sobre as emissões de CO2; os incentivos orçamentais no ano de 2020 aos serviços e organismos da Administração Pública central e local que, durante o ano de 2019, apresentem maiores reduções de consumo energético, medida que deve no entanto ser melhor clarificada; mais 100 milhões de euros do PDR2020 em medidas de apoio à floresta, designadamente para ações de florestação, reflorestação e de reforço da resiliência da floresta em caso de incêndio; e o IVA reduzido nas prestações de serviços de limpeza e de intervenção cultural nos povoamentos e habitats, realizadas no âmbito da agricultura, da gestão da floresta e da prevenção de incêndios, abrangendo assim também a conservação da natureza. Destaque ainda para o facto de as entidades de gestão florestal passaremm a ter um regime fiscal verdadeiramente aliciante. E para a contribuição sobre os sacos de plásticos leves que passa a ser de 0,12 € por cada saco de plástico (apesar de incompleta porque deveria passar a incluir todos os sacos, independentemente da sua composição e gramagem).
Aspetos Negativos
A mesma nota indica que a proposta de Orçamento do Estado para 2019 tem um conjunto de iniciativas contra o objetivo de descarbonização da economia que dão um sinal completamente oposto às anunciadas políticas de energia e clima, tendo consequências diretas infelizes nos investimentos necessários à utilização massiva de fontes renováveis:
– A retirada da isenção da contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) à produção de eletricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis abrangidos por regimes de remuneração garantida, enquanto que os centros electroprodutores de cogeração com uma potência elétrica instalada inferior a 20 MW recorrendo a combustíveis fósseis continuarão isentos;
– A autorização legislativa para permitir a redução do IVA na componente fixa dos fornecimentos de eletricidade e de gás natural correspondente, respetivamente, a uma potência contratada que não ultrapasse 3,45 kVA e a consumos em baixa pressão que não ultrapassem os 10 000 m3 anuais, para além de ter um peso extremamente limitado nos custos da eletricidade, não faz a diferenciação desejável de promover custos menores a quem está em situação de pobreza energética. Seria mais relevante reduzir mais a tarifa social e controlar a sua atribuição de acordo com critérios muito mais exigentes e claros;
– Durante o ano de 2019, produtos como o carvão que é utilizado na produção de eletricidade são tributados com uma taxa correspondente a 25% da taxa de imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos e com uma taxa correspondente a 25% do adicionamento sobre as emissões de CO2 previstas, tal como já previa o Orçamento em 2018. Porém, o preço resultante a ser considerado relativamente ao adicionamento sobre as emissões de CO2 é manifestamente baixo – €5/tCO2 e representará uma pequena penalização face ao custo das licenças de emissão que as empresas têm de pagar;
– A proposta do governo de redução da incorporação de biocombustíveis para consumo final no setor dos transportes de 7,5% para 7%, para além de ser um passo atrás no caminho para uma economia descarbonizada por conduzir a um aumento do consumo anual de mais de 30 milhões de litros de gasóleo fóssil com um correspondente aumento de emissões de 80 mil toneladas de CO2, traz um benefício completamente irrelevante para os consumidores e empresas, uma vez que só vai reduzir o custo dos combustíveis em cerca de 0,1 cêntimos de euro por litro. No âmbito da promoção da economia circular e recurso a energias renováveis, poderia haver um aumento em 2019, no caso do gasóleo, de 7,5% para 9% de incorporação de biocombustíveis, considerando apenas os biocombustíveis produzidos a partir de resíduos como os óleos alimentares usados (OAU). De acordo com as regras da legislação comunitária, este aumento de 1,5% do teor energético pode ser providenciado por um aumento de incorporação de 0,75% de OAU (que é contabilizado duplamente) significando um aumento do custo de apenas 0,2 cêntimos de euro por litro. Uma medida destas daria uma utilização aos OAU, criaria dezenas de empregos com a sua recolha e desenvolveria a indústria nacional de biocombustíveis a partir de resíduos;
– Tendo em conta os sucessivos escândalos da indústria sobre a manipulação de emissões, a Zero considera que a introdução de um fator de correção (particularmente elevado para os veículos com menores emissões) para não agravar a componente ambiental dos impostos e procurar manter uma neutralidade fiscal entre os dois testes de avaliação de emissões (anterior (NECD) e futuro (WLTP)) é efetivamente um favorecimento à indústria automóvel e aos veículos de combustão cujas emissões de CO2são efetivamente bem maiores;
– O governo cria ainda uma comissão de acompanhamento que irá monitorizar a aplicação da componente ambiental do ISV baseada nas emissões de CO2tendo por base o WLTP, em colaboração com as associações do sector automóvel, comissão essa que deveria também incluir as organizações não-governamentais de ambiente.
Ainda, no que respeita a outras áreas, a associação aponta a interconexão de dados entre diversas entidades fica incompleta, porque se poderia ir mais longe e interconectar os dados da APA, com a IGAMAOT, a DGAE e a AT, designadamente no que respeita ao controle da responsabilidade alargada do produtor e aos movimentos de resíduos. E ainda a transferência de receitas próprias do Fundo Ambiental, até ao limite de dois milhões de euros, para o ICNF, I.P., para efeitos de compensação dos serviços de ecossistemas em Portugal, é exemplo de mais um voluntarismo estéril na conservação da natureza, sem qualquer planeamento ou estratégia de longo prazo, para algo que deveria ter um documento para discussão pública.
As Omissões
Há um conjunto de opções que seriam estruturalmente relevantes e que a proposta de Orçamento do Estado não contempla e de que são exemplos:
– Aumento da Taxa de Gestão de Resíduos (TRG) para níveis que desincentivem de igual modo a incineração e o aterro.
– Aumento da Taxa de Recursos Hídricos (TRH) para a hidroelétrica e a agricultura.
– Taxa sobre todos os sacos e não apenas sobre os sacos de plástico leves.
– IVA reduzido para serviços de reparação.
– Taxa sobre produtos descartáveis.
– Taxa para moderar o uso de produtos fitofarmacêuticos em Portugal (com um consumo anual de perto de 10 milhões de toneladas).
– Taxa reduzida de IVA para equipamentos de utilização de energia renovável para aquecimento de água ou produção de eletricidade.
– Dedução de IRS para despesas na melhoria da eficiência energética.
– Dedução de IRS para despesas de aquisição de bicicletas.