Para os lados de Pombal, no distrito de Leiria, voava uma borboleta nunca antes vista por ali. Não se sabia o seu nome nem de onde vinha. Foi depois levada para um laboratório, onde um grupo de cientistas tentou decifrar a sua identidade. Agora, refere hoje o Público, sabe-se que essa borboleta pode ser a Borkhausenia crimnodes e que pode ter vindo do hemisfério Sul. Dentro destas incertezas, sabe-se mesmo que essa nova borboleta já se instalou no Centro de Portugal, relata-se num artigo científico na revista Nota Lepidopterologica.
Corria o ano de 2012, quando Jorge Rosete, um dos autores deste trabalho, se deparou com um exemplar de uma borboleta fêmea desconhecida – “no interior do prédio onde habito, nas zonas adjacentes às garagens”. Jorge Rosete considera-se um “lepidopterólogo amador com interesse pela ecologia e pela conservação dos invertebrados”. Nos seus tempos livres, vai para campo e dedica-se à monitorização e inventariação dos lepidópteros, ordem de insectos onde estão incluídas borboletas. “O objectivo é continuar a acrescentar conhecimento acerca da fauna de lepidópteros em Portugal”, diz-nos.
A borboleta que encontrou era pequena, tinha nove a 13 milímetros com as asas abertas e uma “coloração discreta”, em tonalidades castanhas escuras. Estas borboletas são nocturnas e alimentam-se de fungos, madeira em decomposição e detritos vegetais, como folhas mortas. Captou nove destas borboletas na zona envolvente à sua casa, algumas com “armadilhagem luminosa”, um método para atrair borboletas nocturnas. Entre Julho de 2012 e Julho de 2016, Jorge Rosete encontrou nove exemplares em cinco localidades no Centro de Portugal: Louriçal, Casais do Porto, Carriço, Ansião e Paúl da Madriz.
Mais tarde, Martin Corley, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto, que estuda desde 1989 em Portugal a ordem Lepidoptera, tentou ajudar Jorge Rosete a desvendar que borboleta seria esta. Mas apenas concluiu que era da família Oecophoridae (família de insectos da ordem Lepidoptera). Como iria então resolver-se este mistério?
Foi-se para laboratório. Em 2013, Martin Corley dissecou o primeiro exemplar, uma fêmea. No ano seguinte, fez o mesmo com uma borboleta macho e notou que eram da mesma espécie. E que essa espécie era desconhecida em Portugal e na Europa. Portanto, colocou-se a hipótese de estas borboletas terem voado de outro continente para a Europa.
Pensou-se na região portuguesa onde se tinham encontrado as borboletas e considerou-se: o Centro de Portugal é dominado por plantações de eucaliptos. Assim, procurou-se uma região no mundo que tivesse borboletas da família Oecophoridae e que tivesse muitas plantações de eucaliptos. Concluiu-se, inicialmente, que seria a Austrália. Através de fotografias dos órgãos genitais das borboletas, ainda se pensou que se tratasse do género Oncomerista e a espécie ochrophaea. Contudo, depois de um macho ter sido encontrado em 2013, também no Centro de Portugal, excluiu-se essa hipótese, assim como o facto de estas borboletas terem vindo da Austrália.
Como poderia então encontrar-se a solução? O melhor seria mesmo fazerem-se testes de ADN aos exemplares das borboletas. Em 2016, comparou-se o seu ADN com o de três exemplares encontrados em África do Sul. Assim se deu um grande passo, que teria sido em vão sem a ajuda de Alexander Lvovsky, da Academia de Ciências da Rússia e um dos autores do artigo. Foi este cientista que sugeriu que se fizesse uma comparação com os exemplares sul-africanos, permitindo que se chegasse à espécie Borkhausenia intumescens, muito conhecida na África do Sul.
Mas a história não termina aqui. Alexander Lvovsky sugeriu ainda que se pesquisassem espécies de borboletas em colecções de museus. Veio a descobrir-se que a Borkhausenia intumescens, descrita em 1921, já tinha sido previamente descrita como Borkhausenia crimnodes em 1912, na Argentina. E é este último nome que prevalece.
“A Borkhausenia intumescens tinha sido descrita no Paraná, na província de Entre Rios, na Argentina. Paraná fica perto do rio Paraná, a cerca de 250 quilómetros de Buenos Aires”, lê-se no artigo científico. Ou seja, a nova espécie de borboleta em Portugal é a Borkhausenia crimnodes.
“Dada a escassez de dados relativamente a esta espécie a nível mundial, não é possível perceber a sua origem em detalhe”, diz-nos Sónia Ferreira, entomóloga no CIBIO-InBIO e também autora do trabalho. Mas tem-se uma certeza sobre esta espécie: já se estabeleceu no Centro de Portugal. Como terá cá chegado? Como está na Beira Interior, o local mais próximo para a sua chegada é o porto da Figueira da Foz. “É já conhecido que as duas fábricas de papel da região importam madeira da América do Sul, através do porto da Figueira da Foz”, refere o artigo. Ou será que não veio nem da África do Sul nem da Argentina, levanta ainda a equipa essa hipótese, num comunicado da editora da revista Nota Lepidopterologica.
Apesar de todas as incertezas, para Sónia Ferreira este estudo foi “surpreendente” por verificar no território português a “presença de uma espécie do hemisfério Sul”. Além disso, é mais um contributo para o “conhecimento da fauna de lepidópteros em Portugal”. “Este trabalho é distinto, pois não refere a presença de uma espécie nativa, mas sim de uma espécie exótica.”
Sónia Ferreira salienta ainda que esta espécie de borboleta não tem um carácter invasor no país, uma vez que se encontra em pequenos números. Para a entomóloga, este é mais um passo no trabalho que Martin Corley tem feito na inventariação dos lepidópteros em Portugal e na sua caracterização genética.