Vizinhos juntam-se para tornar comunidades de energia uma realidade em Telheiras
Criado em novembro de 2021 por oito vizinhos, o Grupo de Trabalho “Comunidade de Energia de Telheiras” surgiu no âmbito das dinâmicas da Parceria Local de Telheiras. Trata-se de uma rede informal de agentes, associações e grupos do bairro de Telheiras, em Lisboa, que opera desde 2013, sendo que, a partir de 2018, começou a dedicar-se à melhoria do desempenho ambiental através do grupo “Telheiras Sustentável”. Em 2020, a Parceria Local lançou o processo “Ideias em Rede” – uma recolha de ideias para conhecer os projetos que os “telheirenses” gostariam de ver realizados. Entre as várias propostas analisadas, das quais resultaram vários outros grupos de trabalho ativos no bairro, surgiu o mote “Vamos produzir a nossa energia em Telheiras e partilhá-la entre vizinhos!” que levou à criação do Grupo de Trabalho “Comunidade de Energia de Telheiras”.
Em entrevista à Ambiente Magazine, Miguel Macias Sequeira, investigador em energia e clima na FCT-NOVA e voluntário na Parceria Local de Telheiras, começa por explicar que a iniciativa “Comunidade de Energia de Telheiras” foi inspirada noutras semelhantes um pouco por toda a União Europeia, sendo que há três linhas que norteiam este Grupo de Trabalho. A primeira assenta na “promoção da comunicação e sensibilização sobre energia sustentável, alterações climáticas e pobreza energética” entre os residentes do bairro. A outra linha passa por “fornecer aconselhamento e apoio sobre eficiência energética, renovação de edifícios e energia renovável à escala local”. E, por fim, a terceira centra-se no “desenvolvimento de um projeto piloto para a primeira comunidade de energia renovável” em Telheiras, refere.
Relativamente às mais-valias que as “Comunidades de Energia de Telheiras” podem resultar, o responsável assegura que, de forma geral, procura-se “apoiar e aconselhar os moradores, condomínios, comércio local e associações” no desenvolvimento dos seus próprios projetos na área da energia: “Este aconselhamento de proximidade, promovido por uma Parceria Local reconhecida no bairro e sem fins lucrativos, permitirá aumentar a literacia energética, informar sobre medidas e regulamentação, facilitar contactos com fornecedores, agências e empresas e auxiliar na implementação de projetos e na submissão de candidaturas aos apoios financeiros existentes”. As mais-valias expectáveis são, precisamente, a “melhoria do desempenho energético dos edifícios de Telheiras”, aumentando o “conforto térmico e reduzindo os custos energéticos”, destaca. Acresce que o projeto piloto para a criação de uma comunidade de energia renovável em Telheiras procurará “envolver ativamente” a população e agentes locais na sua dinamização: “Para além dos conhecidos benefícios ambientes, esta também pode ser uma oportunidade de fomentar o espírito de comunidade e a coesão social no bairro”. Por fim, o desenvolvimento de comunidades de energia pelos cidadãos permite “baixar os custos da energia e manter os benefícios económicos da atividade de geração de eletricidade” dentro do território, afinca.
Neste momento, o projeto encontra-se ainda numa fase muito inicial, com a criação do grupo de trabalho e definição dos seus objetivos e linhas de ação. Também, iniciou-se o contacto com outras entidades locais, regionais e nacionais que estão a trabalhar nestes tópicos, na perspetiva de aprendizagem e partilha de experiências. Com o objetivo de dar a conhecer à comunidade o trabalho do grupo, sensibilizar para estes temas e fazer um apelo à participação ativa, foi promovido um webinar, no passado dia 17 de fevereiro, cujo mote assentou em “Comunidades de energia renovável: porquê? Como? E em Telheiras”. Dinamizada pela Parceria Local de Telheiras e pela Coopérnico, a sessão procurou dar o “arranque” neste processo e demonstrou o “crescente interesse que existe por estes temas”, com uma audiência de cerca de “50 pessoas presencialmente e 60 pessoas online”, refere o investigador.
[blockquote style=”2″]Disseminar as comunidades de energia em Portugal[/blockquote]
Ao nível de dinâmicas, Miguel Macias Sequeira adianta que grupo “Comunidade de Energia de Telheiras” já começou a analisar em detalhe potenciais locais para a instalação de projetos piloto de produção comunitária de energia renovável e a falar com as várias partes interessadas. Adicionalmente, este grupo espera articular as atividades com outras iniciativas já planeadas para o bairro, como por exemplo, o projeto “ReCoopera: Espaço comunitário para aprender, reparar, partilhar e doar”, que prevê a dinamização de um encontro mensal dedicado à economia circular e que incluirá também um espaço de apoio sobre energia. Também, o Centro de Recursos partilhados da Parceria Local de Telheiras, que se prevê “incluir equipamentos de medição dos consumos energéticos”, e os “festivais de bairro organizados anualmente representam oportunidades de implementar ações do grupo de trabalho”, acrescenta.
No entender do investigador, a criação de um grupo de trabalho, baseado em voluntários da comunidade com conhecimento ou interesse na área da energia, é importante para se começar a dinamizar a transição energética no bairro de Telheiras: “Neste tema, como em muitos outros, para haver algum tipo de transformação à escala local é fundamental haver um grupo de pessoas motivadas para ´puxar a carroça´”. A inserção deste grupo central nas dinâmicas mais abrangentes da Parceria Local de Telheiras assegura também uma “maior legitimidade” das ações e um “maior envolvimento” da comunidade em todas as fases do projeto: “É de destacar que o processo “Ideias em Rede” da Parceria Local de Telheiras, de onde surgiu este grupo de trabalho, decorreu em grande parte durante as restrições impostas pela pandemia Covid-19, onde foi necessário transferir parte das atividades para modos online, o que demonstrou a capacidade de resiliência da comunidade face a uma situação inédita”, destaca. Também, através das reuniões iniciais ficou clara a necessidade que há em reunir dados sobre Telheiras na vertente da energia: “Ou seja, perceber quais os edifícios com necessidades de renovação mais prementes, onde situações de pobreza energética podem ser uma realidade, e fazer também um levantamento das coberturas no bairro com potencial para gerar eletricidade através de painéis fotovoltaicos”. Para cumprir o objetivo de “envolver a comunidade na transição energética”, este grupo reconhece a necessidade de se percorrer um “caminho extenso”: “desde informar, sensibilizar, capacitar, agir, até, por fim, implementar”.
Após cumpridas as três linhas de ação, aquilo que se espera é que o projeto seja um contributo para a transição para um “sistema energético mais sustentável, justo e inclusivo à escala do bairro de Telheiras”. Adicionalmente, “desejamos partilhar as experiências de Telheiras com outros bairros, de forma a potenciar a aprendizagem mútua e disseminar as comunidades de energia em Portugal”, remata.
[blockquote style=”2″]Uma verdadeira estratégia holística para o território[/blockquote]
Avaliando aquela que tem sido a atuação de Portugal no que à transição energética diz respeito, Miguel Macias Sequeira acredita que o país integra um “quadro legislativo sólido” com foco na descarbonização da economia até 2050, incluindo o Roteiro para a Neutralidade Carbónica e a recém-aprovada Lei de Bases do Clima. E, quando comprado com outros países europeus, o país tem feito “progressos consistentes” na transição energética: “Tal é fruto, em parte, das circunstâncias particulares do país, como a ausência de extração de combustíveis fósseis e a “abundância de fontes renováveis”. Ainda assim, o nível de ambição para 2030 e 2050 é muito grande, obrigando a “mudanças estruturais” na forma como se produz, se transporta e se consome energia. Em particular, através de uma “aposta fundamental e transversal na melhoria da eficiência energética e da aceleração da integração de energias renováveis a várias escalas”, precisa.
O facto de a transição energética em Portugal estar focada, maioritariamente, na produção de energia renovável em regime centralizado, o investigador reconhece a urgência de uma “maior aposta na eficiência energética” e, em particular, na “renovação profunda do edificado” que permita reduzir as suas necessidades energéticas. De forma complementar à implementação de centrais solares e eólicas, o investigador atenta na importância de se incentivar a “produção de energia renovável descentralizada”: “Para acelerar a transição energética, maximizando os benefícios sociais, ambientais e económicos e minimizando os prejuízos, é necessária uma verdadeira estratégia holística para o território”.
Relativamente às comunidades de energia, Miguel Macias Sequeira considera que, em Portugal, ainda se encontram num estado muito embrionário: “Têm perdurado várias incertezas e barreiras regulatórias e técnicas à sua materialização, sendo que apenas agora começam a surgir os primeiros projetos”. Existe também uma “falta de literacia energética tremenda” em Portugal, que se manifesta nos “atores locais” que poderiam alavancar as comunidades de energia: “Ainda está por lançar um programa de apoio financeiro às comunidades de energia que se espera vir a dinamizar este mercado”. Para o investigador, a “clarificação dos aspetos regulatórios”, bem como o “exemplo dos primeiros projetos”, serão fundamentais para a possível “disseminação das comunidades de energia” e para a “definição dos seus modelos de operação”.
O investigador não parece ter dúvidas sobre o contributo significativo das comunidades de energia para os objetivos de descarbonização do país: “Em Lisboa, o potencial técnico de geração de eletricidade através de sistemas fotovoltaicos corresponde a 95% do consumo de eletricidade no município”, exemplifica. Algo que já parece ser evidente é o facto da expansão das energias renováveis em regime centralizado, embora fundamental para a transição energética, acarreta impactos ambientais e sociais que não podem ser ignorado: “Deve-se priorizar, sempre que possível, a produção descentralizada através, por exemplo, de comunidades de energia, que permitem reduzir as perdas nas redes, aproveitar infraestruturas já construídas em áreas artificializadas e, consequentemente, diminuir a necessidade de conversão de áreas naturais e agrícolas em centrais elétricas”. Desta forma, “os impactos ambientais são minimizados e os impactos sociais podem ser positivos na ótica de democratização do sistema energético e empoderamento das comunidades”, refere, sustentando que, “quando implementadas de forma inclusiva, tentando incluir todos os membros de uma comunidade e todas as comunidades, podem também contribuir para o “combate à pobreza energética, oferecendo eletricidade a preços mais baixos e mantendo os benefícios económicos dentro do território”.