Faz precisamente 20 anos que surgiu em Portugal uma entidade responsável pela gestão de pneus usados. A Valorpneu, ao contrário de outras entidades gestoras como a Sociedade Ponto Verde (que foi criada por obrigatoriedade), nasceu para dar resposta a uma necessidade identificada ao nível nacional, como o abandono de pneus nas matas ou a queima a céu aberto por parte da sociedade que tratava dos pneus usados de forma não adequada.
Sob o mote “Valorpneu: Há 20 anos a Contribuir para um Futuro Sustentável”, vários especialistas juntaram-se numa mesa-redonda para falar do percurso desta entidade gestora ao longo das duas últimas décadas. A sessão decorreu esta quarta-feira, 23 de novembro, no âmbito das comemorações dos 20 anos da Valorpneu. A moderação do debate ficou ao cargo de Sofia Arnaud, diretora da Cunha Vaz & Associados.
Tudo surgiu de um entendimento, após reuniões preparatórias, entre várias Associações para que a Valorpneu fosse criada: “Na altura, foi reconhecido pelos responsáveis do Instituto de Resíduos que as Associações que estiveram na origem da criação da Valorpneu, fizeram-no com todo o empenho e, mais ainda, tratando-se de uma entidade que sem fins lucrativos”, começa por recordar Hélder Pedro, gerente da Valorpneu, destacando também o desafio inicial de “sermos confrontados com a situação de apresentar o caderno de encargos”, algo que “só foi possível com o apoio da equipa do Instituto Superior Técnico”, que auxiliou nesse sentido.
Neste período de 20 anos, Eduardo Santos, managing partner da 3 Drivers, destaca também o facto da Valorpneu ter conseguido desenvolver, logo à nascença, um modelo de gestão operacional: “Desde o início que conseguiu, de forma eficiente, cumprir os seus obetivos e metas”. Aliás, “o problema dos pneus que eram colocados na mata está hoje completamente resolvido”, afirma o responsável, constatando que o início da Valorpneu “encaixou que nem uma luva” para resolver um problema que era premente.
Este período de evolução estende-se também à inovação, com a 3 Drivers a ser um parceiro nesta área de competência: “Estamos envolvidos desde o primeiro Prémio Inov.ação Valorpneu, que serviu de plataforma para dar a conhecer muitos projetos que eram desenvolvidos ao nível da gestão dos pneus e da reciclagem”. Este foi um caminho de evolução que se justifica agora com o Next Lap, que visa capitalizar o envolvimento do conhecimento, no sentido de evoluir para modelos de negócio: “Destaco, nesses 20 anos, a tentativa da Valorpneu de dar consequência, ou seja, fazer algo que é uma investigação (produzir conhecimento), mas não desiste de levar esse conhecimento ao mercado”. A Valorpneu tem procurado “encontrar destinos para os pneus”, promovendo “soluções que deem corpo àquilo que é a economia circular”, sintetiza.
Também Carlos Marques, administrador da Fedima Tyres, avalia os 20 anos da Valorpneu com solidez: “A vitalidade está aqui e a tal empresa sem fins lucrativos (…) conseguiu pôr-se de pé e, hoje, é uma empresa que dá trabalho aos pontos de recolha, aos transportadores e a todos os valorizadores que estão integrados na Valorpneu”. Surgiu de uma necessidade, afirmando-se, aos dias de hoje, como uma “empresa estável e sustentável: ainda bem que demos início à Valorpneu”, destaca.
Alterações do UNILEX centram-se na promoção da economia circular
Também Ana Cristina Carrola, membro do Conselho Diretivo da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), reconhece a Valorpneu como um caso de sucesso: “É um exemplo de como é que esta responsabilidade alargada do produtor foi aplicada, seja a nível nacional, seja a nível internacional e comunitário, ou seja, conseguir incluir toda a cadeia de valor, imputar as respetivas responsabilidades, acompanhar essas responsabilidades e, ao mesmo tempo, imprimir uma necessidade contínua que temos vindo a verificar”.
Questionada sobre a gestão do Sistema Integrado de Gestão de Pneus Usados (SGPU) em Portugal, Ana Cristina Carrola explica que, internamente, cada fluxo de resíduo tem as suas especificidades: “O UNILEX tem um conjunto de critérios e regras que se aplicam à maioria dos fluxos de resíduos, incluindo os pneus”. Contudo, há especificidades que têm de ser atribuídas a cada um desses fluxos: “E é nestas especificidades que, muitas vezes, está o valor acrescentado”. Apesar das diferenças, a responsável reconhece que Portugal tem sido um exemplo de grande desempenho: “Queremos nas próximas licenças dar um passo em frente”. E nesta linha, Ana Cristina Carrola lembra que vão surgir grandes desafios, nomeadamente “potenciar a economia circular” e, ao mesmo tempo, dar passos em frente no sentido de “criar mais valor, criando menos impactos”. É precisamente na “promoção da economia circular” em todas as áreas dos resíduos que as novas alterações do UNILEX se vão centrar, especialmente no aumento significativo ao nível da responsabilidade alargada do produtor: “E não é só em matéria reciclagem como também na área da limpeza urbana: há fluxos que vão ter de abranger custos ao nível da limpeza urbana”, sustenta. As novas alterações preveem ainda a questão do “sistema de depósito e retorno”, bem como um “conjunto de regras para conceder a nova geração de licenças”, adianta. No fundo, haverá alterações que são transversais a todos os fluxos e que ditarão a conceção das novas licenças”, precisa.
No que se refere à Valorpneu, Ana Cristina Carrola acredita que o maior desafio prende-se com a ecoremodelação e as regras de ecodesign: “São aspetos essenciais para a economia circular: potenciar a prevenção, o prolongamento do nível de vida e o potencial de reparação, tudo isto potenciado ao nível das novas licenças e indexado à possibilidade do que fazer em cada um dos fluxos de resíduos”.
A nova mobilidade
Estando a Valorpneu intrinsecamente ligada à mobilidade, a questão que se coloca é: “Como é que a Entidade Gestora de pneus usados se pode encaixar na mobilidade do futuro?”. Na ótica de Hélder Pedro, a mobilidade é fundamental para as economias e para desenvolver as sociedades, sendo que os pneus ocupam um papel determinante nesta indústria. Sendo já reconhecido que a mobilidade no futuro terá que ser obrigatoriamente mais sustentável e eletrificada, também a Valorpneu tem acompanhado essa evolução: “Os quatro drivers da indústria automóvel prendem-se com a eletrificação, a conetividade, a condução autonomia e a mobilidade partilhada, sendo que o pneu continuará a ser um acessório fundamental no veículo”. Portanto, “estas novas formas de mobilidade vão continuar a colocar pneus no mercado, havendo pneus usados e gerados”, afirma o responsável, considerando que a Valorpneu “continuará a responder a esses desafios e fará parte da solução de contribuir para a economia circular, encontrando novas soluções para os pneus usados e materiais que resultam desses pneus”, remata.
As celebrações dos 20 anos da Valorpneu foram assinaladas ao longo de dois dias (22 e 23 de novembro), na freguesia de Vidago, em Chaves. No primeiro dia, foi promovido um programa de atividades que inclui a visita a pontos de interesse naquele município. Já o segundo dia, foi dedicado à Valorpneu, onde se falou da operação e dos acontecimentos que mais marcantes destas duas décadas.