Resistiram a grandes mudanças no ambiente da Terra como a que levou à extinção dos dinossauros. No entanto, as tartarugas marinhas estão hoje muito ameaçadas pela poluição, caça furtiva e por recentes alterações dos habitats. Assim, surgiu o projeto Cambeú, com parceria da Universidade de Aveiro (UA), para sua defesa em Angola, atuando nas praias onde vêm desovar, e para melhor conhecer a biologia destas espécies.
Muito há por saber sobre as tartarugas marinhas que desovam nas praias de Angola, nomeadamente, onde o fazem, e qual a relevância, no âmbito do trabalho das Unidades Regionais de Conservação, deste conjunto de indivíduos, assinala Mário Pereira. O professor do Departamento de Biologia da UA é um dos biólogos (com o colega Ulisses Azeiteiro) que coordena cientificamente o trabalho.
Têm sido avistadas as tartarugas olivácea (Lepidochelys olivacea), de couro (Dermochelys coriacea) e verde (Chelonia mydas). Algumas praias de desova conhecidas situam-se em Cabinda, Luanda, Benguela e Namibe. Em Benguela, mais concretamente, no Lobito, perante a ameaça constante que paira sobre as tartarugas adultas de Dermochelys coriacea e Lepidochelys olivacea, os ninhos e as pequenas tartarugas que acabavam de surgir dos ovos enterrados na areia, Luz e Jean-Marie Le Corre, decidiram meter mãos à obra. Em 2016, resgataram um ninho, representando 56 tartarugas que chegaram ao mar.
Deste então, criada a parceria de instituições e com ajuda dos biólogos e de uma equipa de voluntários, os resultados têm sido cada vez mais expressivos, chegando aos 12 ninhos que eclodiram em 2018/2019, representando mais de 1100 tartarugas, e aos 106 ninhos em 2019/2020, ou seja, com a possível libertação, até ao final da temporada, de mais de 10000 tartaruguinhas da espécie mais frequente, a olivácea. Assinale-se, entretanto, que a intervenção dos investigadores trouxe indicações preciosas aos trabalhos no terreno sobre as técnicas a usar para garantir mais eficácia na eclosão dos ovos.
Trabalho com a sociedade
Para além do projeto de conservação, o Cambeú Project, parceria entre o Instituto Jean Piaget Benguela, SOBA Catumbela, SINPROF e a UA, significa ainda trabalho de educação ambiental e de sensibilização da população para a necessidade de proteger as tartarugas marinhas. Luz Le Corre sublinha a importância de envolver a população e os agentes económicos locais, de modo a reverter o benefício económico da captura e caça furtiva para práticas sustentáveis.
Uma estimativa quanto à taxa de sobrevivência das crias que alcançam o oceano aponta para uma em cada mil, afirma Mário Pereira, sendo que as ameaças naturais e as antropogénicas contribuem para esse reduzido número. Sabe-se que as tartarugas marinhas têm tendência para desovar nos locais onde eclodiram, mas apenas mais de uma década depois. Como tal, qualquer interrupção do trabalho realizado antes de chegar à idade de reprodução poderá inviabilizar os esforços associados à conservação daquelas espécies chave, sublinha ainda o professor da UA.
A acrescentar a estas ameaças, há ainda os efeitos das alterações climáticas, refere Ulisses Azeiteiro. O aumento da temperatura dos ninhos, acrescenta Rita Anastácio, investigadora do projeto e doutorada pela UA, pode provocar um aumento do número de fêmeas em cada ninho ou, nos casos mais graves, levar à inviabilização dos ninhos. Estudos em curso pretendem ajudar a fazer alguma luz também, nesta vertente.