Uma equipa internacional de investigadores, entre os quais quatro biólogas da Universidade de Aveiro (UA), deu um grande passo na exploração do mar profundo ao filmar um dos últimos ambientes verdadeiramente remotos e inacessíveis da Terra, bem abaixo da camada de gelo permanente no Oceano Ártico, a 82,5°N. Esta é a primeira vez que fontes hidrotermais, também conhecidas como vulcões submarinos, foram investigadas com sucesso tão a Norte.
O projeto HACON, no campo hidrotermal Aurora, 82,5°N, tem vindo a colher rochas, fluidos, sedimentos e fauna para estudos geológicos, geoquímicos, micropaleontológicos, microbianos, de meiofauna e macrofauna para compreender o funcionamento do oceano Ártico profundo.
Esta investigação, segundo um comunicado divulgado pela UA, fornece uma linha de base de informações antes do início previsto da atividade comercial no Ártico, como consequência do recuo da cobertura de gelo. “A análise das amostras permitirá avaliar se a fauna evoluiu de forma isolada no Oceano Ártico ou se está ligada a outras bacias oceânicas”, refere a UA. Além disso, “os dados obtidos darão uma imagem sobre quando se formou a vida na Terra, e despertarão também um grande interesse na exploração do espaço e na procura de vida extraterrestre no nosso sistema solar”, acrescenta a instituição.
A expedição HACON 2021 foi a primeira a explorar e amostrar em detalhe e com sucesso um ambiente tão único sob o gelo marinho polar permanente, abrindo o caminho para a futura exploração internacional da remota crista de Gakkel.
“Esta expedição mostrou que é possível explorar grandes profundidades de baixo de gelo, e abre as portas para futuras missões utilizando veículos subaquáticos”, aponta Ana Hilário, bióloga marinha e coordenadora da equipa do Centro de Estudo do Ambiente e do Mar (CESAM) da UA. De acordo com a investigadora, “em termos científicos esperamos resolver uma série de questões que foram identificadas há já vários anos, mas que por questões técnicas e/ou tecnológicas não tem sido possível responder”. Por exemplo, “umas das grandes questões ecológicas em torno das fontes hidrotermais é se a fauna associada a estes sistemas no oceano Ártico é única, ou se pelo contrário é semelhante à que existe mais a sul, na crista meso-Atlântica, ou até à de regiões do Oceano Pacífico”. Para além da resposta a estas questões, “os nossos dados vão fornecer conhecimento de base sobre esta região, que talvez seja das menos impactadas por atividades humanas, algo que que provavelmente vai mudar devido à diminuição da cobertura de gelo”, acrescenta.
Na equipa do CESAM, para além de Ana Hilário, estiveram também no Ártico as investigadoras Sofia Ramalho e Lissette Victorero e a aluna de mestrado Carolina Costa.
Uma enorme expedição internacional
De 28 de setembro a 21 de outubro, a expedição HACON 2021, liderada pelo CAGE/UiT (The Arctic University of Norway) e pelo NIVA (Norwegian Institute for Water Research), reuniu uma equipa diversificada e multinacional de 28 cientistas, engenheiros e especialistas de comunicação, a bordo do navio quebra-gelo RV Kronprins Haakon para explorar as fontes hidrotermais, no campo hidrotermal Aurora, na crista de Gakkel, a 4000m de profundidade – um dos campos hidrotermais mais inacessíveis do planeta. Estas fontes são chamadas fumarolas negras por causa do líquido escuro superaquecido (acima de 300°C) e “semelhante a fumo” que é emitido por estruturas semelhantes a chaminés.
O campo da fonte hidrotermal Aurora foi detetado pela primeira vez há 20 anos, quando material de rocha hidrotermal foi dragado do fundo oceânico. O campo hidrotermal Aurora permaneceu inexplorado até 2014, quando a primeira confirmação visual de fumarolas negras ativas foi obtida durante um cruzeiro alemão liderado pela professora Antje Boetius (AWI). A equipa do projeto HACON revisitou este local em 2019, fornecendo imagens adicionais de alta resolução das fontes hidrotermais obtidas com uma máquina capaz de captar imagens e vídeo. Na altura, a equipa não conseguiu amostrar diretamente o local com um ROV (Veículo Operado Remoto) devido aos desafios técnicos de trabalhar sob uma camada de gelo espesso e flutuante.
Apesar da camada de gelo marinho espessa e altamente concentrada, o cruzeiro foi um sucesso em termos de observação e amostragem das fontes hidrotermais. Um dos principais equipamentos usados foi um novo ROV, apropriadamente denominado “Aurora”, fornecido pela REV Ocean. Esta foi a primeira vez que este ROV foi usado. O grande esforço de equipa exigindo uma coordenação estreita do capitão e dos oficiais do navio, da equipa científica, dos pilotos do ROV e da tripulação resultou no primeiro mapeamento e levantamento visual detalhado e do campo hidrotermal Aurora, tendo sido colhidas mais de 100 amostras visuais, geológicas, geoquímicas e biológicas.
As amostras colhidas a partir de fluidos de alta temperatura, das rochas das chaminés, dos sedimentos e da fauna serão agora analisadas em laboratórios dos institutos parceiros para um melhor conhecimento da composição e funcionamento destas fontes hidrotermais. As equipes já expressaram grande confiança em novas descobertas e pretendem apresentar uma sucessão de artigos em revistas acadêmicas revisadas por pares nos próximos anos.
Quarenta anos depois da descoberta de fontes hidrotérmicas no oceano profundo, a expedição HACON21 possibilitou pela primeira vez a aquisição de material visual e de amostras físicas de fontes hidrotermais no Oceano Ártico e sob gelo. Estes dados ajudam a completar uma das peças que faltam no puzzle biogeográfico global das fontes. A excelente atmosfera colaborativa a bordo facilitou a partilha de amostras entre os grupos. Estas atividades fortaleceram as parcerias existentes, bem como estabeleceram novas entre muitas das equipas de diferentes instituições internacionais.
Segundo o mesmo comunicado da UA, um objetivo futuro é “utilizar os resultados obtidos para trabalhar em conjunto” os desafios e soluções relacionados com Ecossistemas Marinhos Vulneráveis e Áreas Marinhas Protegidas. Assim, este novo conhecimento será fornecido a iniciativas intergovernamentais, como a Conferência da ONU sobre a Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica Marinha em áreas além da jurisdição nacional, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e a Década das Nações Unidas para a Ciência Oceânica, e em particular o programa Challenger 150, coordenado em Portugal pelo CESAM da Universidade de Aveiro.