Numa parte da Urgeiriça, no Mondego Sul e no Castelejo, em Formiga, Vale de Videira, Vales e Póvoa de Cervães está agora em curso o que há mais de década e meia se faz pelo resto da região Centro: tratar antigas áreas mineiras de urânio abandonadas de escombreiras e resíduos a céu aberto e águas contaminadas a escorrer pelos solos. E o que ainda está por fazer demorará mais outros cinco anos, indica esta segunda-feira o Público.
No calendário de trabalhos para a intervenção ambiental nas velhas explorações de urânio, tarefa concessionada pelo Estado à EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro em 2001, já passou 76% do tempo previsto, foram tratadas 56% das minas e gastos 49 milhões de euros, de acordo com os dados fornecidos pela empresa. A Urgeiriça é a maior área industrial, obrigando a várias fases de trabalhos, parte deles ainda a decorrer, e servindo de estaleiro aos outros trabalhos. Faltam agora 20 das 61 minas consideradas um perigo ambiental. São mais pequenas “e com impactes ambientais bastante reduzidos. As minas consideradas como prioritárias já foram alvo de intervenção”, afirma a administração da EDM por escrito ao Público. O que ainda está por fazer, acrescenta, será concluído até 2022.
Os relatórios anuais do Laboratório de Protecção e Segurança Radiológica (LPSR), entidade responsável pela vigilância das três fontes de risco radioactivo no país criadas pela acção humana (central de Almaraz, reactor nuclear de investigação de Sacavém e minas de urânio) e que tem garantido que os níveis de radioactividade em Portugal se encontram dentro dos parâmetros normais para a vida humana, mostram que a bacia do Mondego, com a sua barragem da Aguieira, continua a ser um ponto sensível de vigilância. As análises evidenciam também que, com os trabalhos da chamada “remediação ambiental” desde 2001, tem diminuído a contaminação provocada pelas antigas minas de urânio e instalações industriais de tratamento químico do minério da antiga Empresa Nacional de Urânio, que se concentraram na bacia.
Problemas que perduram
O director-adjunto do Laboratório de Protecção e Segurança Radiológica, João Garcia Alves, traça ao Público o retrato mais recente deste pesado legado ambiental deixado pelo próprio Estado: “Há sinais de descargas de águas de antigas minas de urânio na rede hidrográfica da bacia do Mondego, que localmente são importantes, mas sem afectar de forma mensurável a qualidade radiológica da água da albufeira da barragem da Aguieira”; “sítios mineiros de dimensão apreciável que aguardam intervenção como o Castelejo, Quinta do Bispo e Mondego Sul”; e “águas contaminadas de minas que continuam a requerer tratamento para evitar descarga de radionuclidos nos cursos de água”.
Questionado sobre os trabalhos de remediação ambiental que considera mais urgentes, aponta as zonas que “podem afectar recursos hídricos importantes, designadamente abastecimento de água para consumo humano e para irrigação”. E acrescenta: “Seria desejável progredir mais nos trabalhos na bacia do Mondego, o que certamente será feito, mas necessita de mais tempo.”
Entre os últimos trabalhos de remediação mais significativos, cita os que envolveram a recobertura de resíduos mineiros contaminados, como na Urgeiriça e Cunha-Baixa, “de que resultou o decréscimo de contaminação de ribeiras afluentes do rio Mondego”. E, destaca, “há menos zonas com escombros de minas de urânio a descoberto, como por exemplo na região do Sabugal (várias minas), da Guarda, da Urgeiriça (Canas de Senhorim) e da Cunha Baixa (Mangualde)”.
Nos relatórios anuais redigidos pelo LPSR, para dar cumprimento aos compromissos de Portugal no âmbito da União Europeia e do tratado Euratom, a bacia do Mondego é um problema que perdura.
No último relatório, divulgado no ano passado e relativo a 2014, destacava-se que “é uma zona vulnerável à contaminação ambiental pelos escombros mineiros radioactivos e pelas descargas de águas de minas”. Os resultados foram particularmente sensíveis na Ribeira da Pantanha, na Ribeira do Castelo e na Ribeira do Boco, com “contaminação radioactiva”.
Nesse ano de 2014, as descargas das três ribeiras “causaram um aumento mensurável da radioactividade na água, na matéria em suspensão e nos sedimentos do leito no troço médio do rio Mondego”. A jusante das ribeiras, a barragem da Aguieira não sentiu todavia os efeitos, devido à “grande diluição no caudal do rio”. As concentrações aí detectadas estavam “muito abaixo dos limites fixados para a água destinada ao consumo humano”, que foi considerada potável.
O referido aumento de radioactividade foi “inferior ao observado no passado, antes dos trabalhos de remediação ambiental”, mas a persistência de ocorrências aponta para a necessidade de realizar os trabalhos ainda em falta em vários locais. Eram apontados os casos das minas de Castelejo, Quinta do Bispo, Mondego Sul, Boco e Canto do Lagar.
“Os materiais radioactivos presentes nas escombreiras destas minas são fontes persistentes de contaminação ambiental”, segundo as análises de 2014 e das anteriores. E em alguns sítios mineiros, como o Forte Velho e o Reboleiro, as respectivas escombreiras têm “teores de elementos radioactivos particularmente elevados”. A advertência era clara: “As doses de radiação ambiental ali medidas recomendam o seu confinamento para assegurar a protecção radiológica da população e do ambiente”.
As análises encontraram contaminação de solos e águas, como a área de influência da mina da Quinta do Bispo, onde “são apascentados rebanhos de ovinos”. O consumo desta carne não representava, porém, um risco radiológico para os consumidores. “Mesmo um consumidor mais intensivo de carne destes rebanhos não receberá uma dose de radiação que se aproxime do limite” para a população.
Para que os níveis de radioactividade ambiental nas velhas zonas mineiras continuem a baixar, o relatório defendia o controlo e tratamento das águas de mina contaminadas, bem como “a remediação ambiental de vários sítios mineiros ainda não intervencionados”. E isso implica manter a monitorização radiológica de solos, águas e produtos hortícolas “até a remediação dos sítios contaminados e a redução das doses de radiação a valores inferiores aos limites legais de protecção radiológica estar concluída e confirmada”.
A EDM garante que “o modelo de remediação ambiental implementado é considerado internacionalmente uma referência tanto ao nível das soluções técnicas como de decisão e gestão”, tendo recebido visitas de representantes da França, Brasil, Roménia e Eslováquia.
Quanto ao que um trabalho de remediação faz de facto, a EDM responde que “todos os impactes relevantes são eliminados e assegura-se a monitorização contínua (nos casos mais sensíveis através de comunicações online) das soluções realizadas”.
Uma zona contaminada é uma zona onde a concentração de partículas radioactivas naturais foi aumentada devido à exploração de minério, por exemplo, com a acumulação de areias e cascalhos. O Laboratório de Protecção e Segurança Radiológica faz parte do Campus Tecnológico e Nuclear do Instituto Superior Técnico, que integrou em 2012 o Instituto Tecnológico e Nuclear. Desde 2007 que o LPSR desenvolve um programa regular de monitorização radiológica ambiental das antigas regiões de urânio.