Transição energética sustentável exige novas políticas e mudança de paradigmas
Os resultados preliminares da investigação “Estratégia Energética para salvar os rios”, promovida pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT NOVA) para a Rede Douro Vivo, realçaram que a “transição energética para um modelo mais sustentável” necessita de um “pacote de medidas e políticas com objetivos claros”. João Joanaz, investigador e docente da FCT Nova, considera que essas mesmas medidas devem ter o seu foco na “eficiência energética”, nas “energias renováveis descentralizadas de baixo impacto” e no “elo energia-água”. Em torno destes conceitos foi promovido um debate entre especialistas da matéria.
“Estratégia Energética para salvar os rios”
Nas palavras de Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS), os resultados do estudo são “contribuições muito úteis”, acreditando que “devem ser ouvidas pelo Governo e pelas instituições” responsáveis pelo setor da energia e da água. Sobre esta última, lembra que, na Península Ibérica, só em 2000 é que as barragens dos dois países tiveram um “percurso normal” do volume total das águas. “Desde então, nunca mais aconteceu”. A situação de “escassez de água” em muitas regiões leva Filipe Duarte Santos a afirmar que “ninguém sabe quanto tempo durará” assim como “ninguém tem essa capacidade de prevenção”. Neste cenário, o professor acredita que é “fundamental” utilizar o conceito de economia circular, isto é, “reutilizar as águas residuais e urbanas”. Comparando com o caso espanhol, onde se aplica uma “legislação prática” em que “17% da água tem origem em águas residuais”, Portugal está “atrasado” nesta matéria e tem uma “legislação muito restritiva”. Não há dúvidas para o orador que a questão da água é “um problema crescente e não se vai conseguir prever”, sendo necessário “mudar a nossa cultura e o modelo” evitando situações de crise. Na energia, Filipe Duarte Santos afirma que o setor dos transportes ocupa uma posição “muito complicada” no que toca às respostas de ação climática. Apesar de as emissões globais de gases com efeitos de estufa terem diminuído 24% entre 1990 e 2018 na União Europeia, em Portugal “aumentaram. Neste momento estão acima do valor”, alerta o presidente do CNADS.
“Falta uma lei de educação ambiental”
A posição defendida por Alexandra Aragão, docente do Curso de Especialização em Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente (CEDOUA) na Faculdade de Coimbra, é de que é preciso “ir mais além da eficiência energética” e “não apenas a renovação de instrumentos”. Para além dos instrumentos de incentivo, a oradora considera que falta uma “lei de educação ambiental”. O Brasil é um exemplo mas há outros cuja legislação prova que “os comportamentos podem ser incentivados”. Alexandra Aragão abordou a “atribuição do rótulo ecológico” nos estabelecimentos hoteleiros e em unidades de alojamento que preveem “sistemas de alerta” para incentivar comportamentos amigos do ambiente. “São pequenos avisos como sistemas automáticos de sensores de passagem que permitem ligar/desligar as luzes”. A mudança de estilo de vida é, assim, um “dever” que, embora seja difícil de “fiscalizar”, existem “outras vias” para adoção destes comportamentos que “vão trazer vantagens para o futuro”.
No entanto, no panorama atual, Alexandra Aragão diz que é com as futuras gerações que “temos de trabalhar”, alertando para a dificuldade que é mudar comportamentos que já estão enraizados. O facto de já se notar a presença de jovens em demonstrações públicas leva a docente a afirmar que aqueles têm mostrado “preocupação com o clima” e que “estão disponíveis para fazer mudanças radicais” neste contexto. É muito claro que o “nosso futuro é a nossa escolha”, sublinha.
Na vertente “água”, Alexandra Aragão considera um “mito” o facto de a energia renovável ser a energia produzida em barragens e sistemas hidroelétricos, um “pensamento” que a investigadora considera que tem conduzido a um “excesso de construção deste tipo de obstáculos nos nossos rios”. Para além da “armazenagem de água” e da “produção de energia elétrica que estão ligados aos rios livres” com conetividade hidrológica desde a “nascente até à foz”, a docente considera que “este é o pressuposto em que assenta todo o trabalho” e, antes de se pensar em construir barragens, “temos de perceber se realmente é necessário”. Pensar na prevenção do consumo da água e nos deveres do consumidor é a melhor “estratégia”, apostando nos instrumentos de incentivo que são os mais utilizados na legislação.
Também no setor dos resíduos, a prevenção é o caminho a seguir. “É fácil de monitorizar o cumprimento dos deveres”, embora a “fiscalização não seja possível de forma sistemática”, sublinha a docente da Faculdade de Coimbra.
“A informação técnica não é percetível para os cidadãos”
Por seu turno, Susana Neto, presidente da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos (APRH), é muito clara ao afirmar que o maior “potencial” quer na água, quer na energia, está na “poupança”. Na visão da responsável, existe uma tendência “falaciosa” de criminalizar os cidadãos finais, apesar destes serem responsáveis pelo consumo (energia e água). Isso “não isenta” o produtor do serviço de ser também responsável na poupança, assim como o Governo de “implementar uma política pública e coerente”, ressaltando que “são níveis diferentes de responsabilização”. Para Susana Neto, nestes dois setores, é necessário ter uma “politização” com o Governo a assumir responsabilidades que “não podem ser alienadas para outras áreas da sociedade”. Exemplo disso são as “escolhas” e a “priorização de recursos”, através de “planos de incentivos” e “política fiscal”.
A educação e aprendizagem são “alertas” que Susana Neto considera “fulcrais” neste processo, devendo estar em “cima da mesa” a discussão sobre as mudanças de comportamento entre operadores, prestadores de serviços e consumidores, existindo uma “falta de envolvência” entre as pessoas. A dirigente assegura que, do lado das políticas públicas, existe uma carência na educação, na informação e na envolvência. Os planos que são elaborados estão de “forma ilegível” e a “informação técnica” não é percetível para os cidadãos. A politização passa assim por “transformar a informação técnica em informação útil e capacitadora”, de modo a que o cidadão possa “monitorizar aquilo que o Governo faz”. Importa ainda referir que a responsabilidade do Governo “é muito limitada. Têm ciclos muito curtos e não estão preocupados para além do seu ciclo governativo”, afirma a responsável, considerando que o papel da sociedade passa assim por “prolongar esse ciclo para longo prazo”.
Quem parece concordar com a mesma visão é Ricardo Pereira, da DECO, que destaca como muito importante a “literacia energética” que o consumidor não tem. O responsável afirma que, após vários estudos, é imperativo “atacar” esta barreira que afeta a “falta de conhecimento”, ou seja, o consumidor não consegue tomar uma decisão. O responsável dá como exemplo a “expectativa que é colocada nos aparelhos renováveis” e que o consumidor “não consegue gerir de forma eficiente”. Uma outra barreira tem que ver com a “falta de capacidade de investimento”, alertando para a “ausência da banca” nestes debates e em “apoiar o consumidor na busca das soluções mais eficientes”. O grande foco da DECO na próxima década passa assim por levar o consumidor a “consumir menos de forma mais racional”.
“É imperioso começar a poupar água”
“Não há boa gestão da energia sem boa gestão da água”, sublinha Jaime Braga. O assessor da direção da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) considera que o desafio da poupança de água nos sistemas urbanos “não está a ter a devida resposta”, com o sistema público a “não conseguir dar a volta aos seus próprios problemas”. Por isso, é “imperioso começar a poupar água”. No que toca às indústrias, aquelas que “não são consumidoras intensivas de água” devem “orientar os seus processos para a maior poupança de água” de modo a que “não tenham descargas”, provocando apenas “resíduos líquidos”, precisa Jaime Braga. Já sobre a energia, Portugal “está com péssimas performances no consumo de energia primária”. O que leva o responsável a ser tão preciso é o facto de haver um “desequilíbrio de renováveis” e as “não interligações” que estão a provocar “gastos absurdos de combustíveis”. Na vertente dos transportes é “insustentável” subsidiar os segundos carros, considerando-o uma “ofensa” em termos sociais.