A neutralidade carbónica em Portugal é possível e pode ser conseguida a custo zero, tornado-se, sobretudo, um contributo decisivo para o emprego, inovação e dinamização económica do país. Esta foi uma das conclusões do estudo “Net-Zero Portugal – Caminhos de Portugal para a descarbonização”, elaborado pela McKinsey & Company, em parceria com o BCSD (Business Council for Sustainable Development) de Portugal. Foi precisamente em torno do tema “A Jornada para a Neutralidade Carbónica até 2050” que o BCSD se debruçou em mais uma sessão das “Conversas sobre Sustentabilidade”.
Portugal tem, assim, condições para “descarbonizar cerca de 50% até 2030”, sendo que, para tal, necessita de “acelerar as tendências recentes de descarbonização (identificadas entre 2005 e 2019) em 20%”. Segundo o estudo, a descarbonização vai exigir de Portugal um investimento inicial, mas que, ao longo dos anos, trará poupanças significativas: “O investimento poderá ter um peso de cerca de 7% do PIB, a ser maioritariamente redirecionado de tecnologias com elevada pegada carbónica”. Depois, a alteração dos fluxos de capital no mundo poderá “criar oportunidades de crescimento até 10-15% do PIB português”.
A sessão contou também com Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente, que reconheceu o facto da grande maioria dos países estarem a testemunhar e a ser agentes ativos na transformação que está a decorrer a nível global: “Há não muito pouco tempo, estavam dependentes de combustíveis fósseis e, agora, estamos a testemunhar um número maior de países que se comprometem com a neutralidade carbónica e com o aumento da produção de energia renovável, sendo motivos que nos colocam numa perspetiva otimista”. Olhando para as conclusões de um outro estudo da McKinsey mas para a União Europeia, a secretária de Estado do Ambiente refere que as áreas prioritárias são as da energia, edifícios, transportes, indústria e agricultura: “É necessário investir na eletrificação, nos combustíveis de baixo carbono, na eficiência ou nas mudanças de uso do solo”. O estudo demonstra que é possível “alcançar objetivos muito importantes de uma maneira custo eficiente, tendo em conta o nível de disponibilidade da tecnologia existente”, sustenta. Segundo este estudo, a “neutralidade carbónica pode ser associada a uma neutralidade económica”, refere. No entanto, Inês Costa não deixou de alertar para a necessidade de “sermos mais eficazes no desenvolvimento de instrumentos de política pública com uma natureza mais sistémica” que, de certa forma, “conseguisse antecipar alguns efeitos de retorno, que muitas vezes existem quando há um foco numa determinada solução”. E há um risco de isso acontecer quando se fala em neutralidade carbónica e quando se opta por uma “abordagem setorial” para alcançar essa neutralidade: “De repente, a nossa visão pode correr o risco de afunilar e não sermos capazes de ver os efeitos que uma determinada ação com determinado foco pode causar noutros setores”. Assim, quando se fala neste tema, é cada vez mais necessário incluir as “preocupações de outros limites biofísicos”, que não sejam apenas as alterações climáticas ou a neutralidade carbónica mas sim daqueles que o planeta está dependente, como a biodiversidade, a qualidade do solo, da água ou do ar, “mais ainda quando já existe trabalho feito sobre este tema, nomeadamente, no que diz respeito à massa de recursos que é necessário movimentar para transformar o nosso sistema energético de fóssil por renovável”. A secretária de Estado considera os estudos muito claros: “Aquilo que existe, que é conhecido e que está disponível poderá não ser suficiente para que todos os países consigam fazer esta transição de maneira completa. Há um trade-off para avaliar neste contexto”.
Uma das análises realizadas a este estudo indica que a neutralidade carbónica pode ser alcançada do ponto de vista de uma neutralidade custo-benefício: “Mas é preciso saber como isso se alcança”, atenta. Embora seja uma análise “interessante”, Inês Costa não deixou passar em claro o facto de ser incompatível “alcançar este objetivo de uma maneira financeiramente neutra” com o “modelo de desenvolvimento atual. Estamos num modelo de crescimento muito mais virado para uma acumulação de riqueza do que necessariamente haver uma distribuição da taxa de esforço e da taxa de benefício”, declara. A título de exemplo, a classe média-baixa teria um “desagravar de esforço” e a classe alta ter um “aumento marginal”. No entanto, aquilo que distingue classe média-baixa e alta varia muito de região para região. “Estará a classe mais alta disposta a isso?”, questiona a secretária de Estado, deixando a pergunta no ar.
Portanto, é preciso, diz Inês Costa, “discutir abertamente” a necessidade urgente de se alterar o “modelo económico” no que toca à “redução das desigualdades” e ao “acesso às necessidade básicas”. Para se conseguir um “sistema natural, capaz de regenerar recursos para sustentar a sociedade e economia”, e para se conseguir “reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e salvaguardar os recursos naturais”, a secretária de Estado do Ambiente reitera a importância de estratégias que reduzam efetivamente o consumo de matérias-primas e de energia: “Mesmo que a energia seja verde e mesmo que as matérias-primas sejam bio, temos que ter a coragem de poder falar abertamente sobre isso. E não chegamos lá sem a mudança de comportamentos dos cidadãos e das empresas”. Para que haja “êxito” nesta transformação, “temos de colocar a as pessoas no centro desta transição, compreendendo as suas responsabilidades, mas também compreendendo a necessidade das pessoas serem as principais beneficiárias destas medidas e desta transformação que estamos conceber e a concretizar. E, acima de tudo, compreender que são (os cidadãos) os atores das mudanças e que vão permitir que essas mudanças aconteçam”.