Tornar o bairro histórico de Alfama, em Lisboa, mais sustentável, resistente ao clima e inclusivo, foi o grande objetivo do SUSHI – Bairros Históricos Sustentáveis, que se iniciou em setembro de 2018 e decorreu até dezembro de 2020. O projeto europeu SUSHI – Bairros Históricos Sustentáveis centrou-se em desenvolver uma “abordagem holística” para enfrentar os desafios mais comuns em bairros históricos de seis cidades de cinco países mediterrânicos da UE [Lisboa (PT), Valletta (MT), Savona (IT), Ptuj (SI), Nicósia (CY) e Sassari (IT)].
Em entrevista à Ambiente Magazine, João Pedro Gouveia, investigador do CENSE (Center for Environmental and Sustainability Research) da NOVA School of Science and Technology, entidade que, em Portugal, coordenou o projeto, começa por dizer que todos os parceiros desenvolveram uma “abordagem comum” suportada no “envolvimento dos agentes locais” para “transformar os seus bairros históricos, tornando-os mais sustentáveis, resilientes ao clima e inclusivos”, através de soluções inovadoras e que promovam mudanças sociais: “Este projeto colocou o desenvolvimento sustentável no centro da transformação dos bairros históricos, adotando abordagens integradas e não apenas responder a desafios isolados de forma fragmentada”. Além disso, o SUSHI demonstrou claramente como uma “abordagem colaborativa” para tomar ações integradas “pode oferecer inovação que potencie a sustentabilidade”, assim como a “mitigação e resiliência às alterações climáticas”, afirma.
A abordagem desenvolvida para Alfama, explica o investigador, permitiu “iniciar o processo de como tornar o bairro histórico mais resiliente”, no sentido de “florescer economicamente com base em negócios locais e tradicionais lado a lado com novas startups, mais socialmente inclusivo”, mantendo e respeitando o “senso tradicional de comunidade” ao receber atividades de turismo sustentável: “O trabalho pretendeu desenhar um processo colaborativo de transformação para um bairro mais sustentável e pelo caminho definindo as bases para o desenvolvimento de um living lab, explorando diferentes componentes para avaliar o potencial de Alfama para ser um bairro de energia positiva, testar atividades de transformação de espaços públicos, e criação de um toolkit online com o objetivo de catalisar a inovação e a adaptação ao clima, preservando e readaptando o património natural e social do bairro”.
A transformação dos bairros históricos das cidades, tal como explica João Pedro Gouveia, teve por base um “processo participativo” envolvendo as “diferentes partes interessadas” e a “população local” para garantir a sua eficácia a longo prazo: “No período que decorreu o projeto foram promovidos vários workshops e eventos para identificação dos problemas dos bairros, construção de uma visão de futuro para o bairro; estabelecimento dos valores que guiam a mudança, definição de potenciais soluções transformadoras e desenvolvimento do caminho para a sua implementação com análises técnicas, identificação de regulamentos existentes, stakeholders envolvidos e mecanismos de financiamento potencialmente aplicáveis”.
[blockquote style=”2″]Alfama Sustentável e Saudável para Todos[/blockquote]
Em Portugal, este projeto focou-se apenas em Alfama como “zona estratégica” da cidade de Lisboa e um dos “mais antigos bairros” da capital. De acordo com João Pedro Gouveia, o facto dos problemas em cidades ou bairros históricos serem “amplificados” e as “soluções transformativas sempre mais complicadas de avaliar e implementar” devido a todas as restrições inerentes, são motivo de uma “boa base de trabalho” para “identificar limitações e pontos de aprendizagem”, assim como “alavancar potencial replicação” noutros locais em Portugal e na Europa com características semelhantes. A “falta de espaços públicos resilientes ao clima”, os “problemas de poluição do ar e ruído”, as “ruas congestionadas com uso excessivo de carros privados”, a “perda do espirito de comunidade”, a “gentrificação e dependência do turismo”, a “baixa presença de áreas verdes”, as “características climáticas que aumentam os desafios de adaptação às alterações climática” e as “importantes limitações regulamentares e de investimento para implementação de eficiência energética e uso de fontes de energia renováveis em edifícios”, são os principais desafios que o investigador destacou como os “mais comuns” nos bairros históricos do mediterrâneo.
No SUSHI em Alfama, um dos pontos transformativos identificados como importantes, precisa João Pedro Gouveia, foi a “avaliação integrada do potencial de Alfama” para ser um “Bairro de Energia Positiva” (Positive Energy District) promovendo a melhoria do conforto térmico nas habitações, redução de pobreza energética e maior integração de energias renováveis: “Este conceito é visto como a chave para a transformação do sistema energético das cidades rumo à neutralidade carbónica.”
A isto acresce o facto da NOVA School of Science and Technology ter juntando diferentes tipos de parceiros e agentes locais da rede de parceiros do EIT Climate KIC para delinear processos de transformação colaborativos. O trabalho do SUSHI para Alfama permitiu assim conceber um “processo de co-design abrangente e estruturado” para um plano de transformação de bairro organizado em três fases principais: “da Visão a um plano, onde foram identificados os problemas do bairro, avaliação de potenciais soluções e estabelecidas prioridades de ação”; “do plano à Ação, onde foram avaliadas em detalhe as opções transformativas com potencial aplicação de projetos piloto tara testar soluções”; e “a Implementação que inclui a definição de parcerias estratégias, identificação de futuras fontes de financiamento e uma estrutura de comunicação”.
Olhando a balanços, João Pedro Gouveia não tem dúvidas de que o SUSHI permitiu às entidades participantes das cidades envolvidas que “explorassem medidas mais ousadas” para uma “transformação local abrangente” por meio de “modelos potencialmente replicáveis num processo de aprendizagem conjunto”. A visão definida para Alfama conjuntamente com os stakeholders – “Alfama Sustentável e Saudável para Todos” – é dirigida a três grupos de cidadãos de Alfama: “residentes idosos, futuros residentes e turistas”. E está ainda enraizada em “áreas de interesse local”, nomeadamente, “habitação e edifícios, mobilidade e acessibilidades, espaços públicos, soluções baseadas na natureza e desenvolvimento económico local”, declara.
[blockquote style=”2″]AlfAMA Living Lab[/blockquote]
O trabalho desenvolvido foi sempre baseado numa “abordagem sistémica e integrada”, em conjunto com a “participação dos stakeholders KTI (Knowledge Triangle Innovation)” e tendo como “linha condutora” os “valores” também definidos em conjunto para o bairro como “inclusão, autenticidade, resiliência, criatividade e empoderamento dos cidadãos”. Segundo o investigador, ao longo dos dois anos do projeto, foram envolvidos na atividades do projeto mais de “200 stakeholders” (locais, regionais e nacionais) de diferentes níveis de agências. E todas as atividades dos primeiros anos culminaram então com a seleção de duas áreas-alvo para Alfama: “a transformação dos espaços públicos do bairro e a implementação do conceito de Bairro Energia Positiva (PED) em Alfama”. O objetivo foi “realizar um diagnóstico do bairro pertencente a essas áreas específicas, conduzindo a um processo de ideação para desenvolver ideias inovadoras capazes de se transformar em projeto, após análise de modelos de negócio e governança e que poderia criar oportunidades no bairro”, explica. Este trabalho e as atividades relacionadas desenvolveram-se sob o conceito do “AlfAMA Living Lab” dando os “passos iniciais” para a criação de um espaço onde seja possível “replicar e desenvolver processos de transferência de conhecimento, que ajudem a acelerar métodos semelhantes noutros bairros históricos, tanto em Lisboa, como no estrangeiro”, refere, acrescentando que a aposta da equipa centrou-se na “capacitação para a implementação”, com atenção especial aos “esquemas financeiros e de investimento”.
Como resultados mais tangíveis, João Pedro Gouveia destaca a “análise detalhada do potencial de renovação dos edifícios residenciais”, onde foram avaliados “diferentes cenários de renovação” com “medidas alternativas para janelas, telhados e paredes calculando o impacto esperado na redução das necessidades de energia para arrefecimento e aquecimento de espaços” assim como os “custos de investimento necessários”; e a “avaliação para todos os edifícios do bairro do potencial para integração de energia solar fotovoltaica” avaliando para diferentes tipos de tecnologias (telhados e fachadas) a “produção de energia elétrica associada” e os “custos de investimento associados”. Ambas as análises em torno da eficiência energética dos edifícios e integração de solar fotovoltaico permitiram “desenvolver uma caracterização e mapeamento detalhado” para o bairro de Alfama ao nível da subsecção estatística.
Ao longo de jornada, a equipa percebeu a necessidade de “superar a abordagem em silos” e o “pensamento individualizado em diferentes departamentos das entidades locais”, reforça João Pedro Gouveia, precisando que, no final, tornou-se evidente que “a comunidade deve ser colocada no centro da transformação urbana”, como “participante ativa do processo” e como “principal beneficiária da mudança esperada”.
E o futuro?
O futuro passa por dar continuidade ao trabalho já desenvolvido dentro do conceito do laboratório vivo em Alfama (Alfama Living Lab) no âmbito do projeto europeu HUB IN – Hubs of Innovation and Entrepreneurship for the Transformation of Historic Urban Areas, que visa fomentar a inovação e o empreendedorismo em Áreas Históricas Urbanas (AHU), preservando a identidade única destes locais e dos seus valores naturais, culturais e sociais. Iniciado em setembro 2021, o projeto é coordenado pela Lisboa E-NOVA, e conta com a FCT NOVA e a Câmara Municipal de Lisboa como parceiros. Irá ser foco das atividades a zona histórica urbana da Colina do Castelo onde se integra Alfama e a Mouraria.
Cofinanciado pelo EIT Climate KIC, o projeto contou com sete parceiros: Agência de Energia do Chipre (CEA) foi responsável pelo trabalho em Nicósia, no Chipre; CMCC em Sassari, em Itália; e-Zavod para Ptuj na Eslovénia; FCT-NOVA e Lisboa E-Nova para o bairro de Alfama, em Lisboa, Portugal; IRE Liguria para Savona, Itália; e Paragon Europe para Valetta, em Malta.