“Smart City” é já um conceito que faz parte do léxico de muitas cidades portuguesas. O tema já não é novo e há cada vez mais projetos, iniciativas e ações que têm estado no topo das prioridades dos municípios. A que ritmo estamos? Esta questão serviu de mote para especialistas e decisores políticos nos darem um ponto de situação sobre o estado em que se encontram as cidades de Portugal nesta temática.
“Portugal tem condições ideais para ser um exportador de soluções de Smart Cities”, começa por dizer Miguel Eiras Antunes, Public Sector, Infrastructure and Transport, Central Europe & Portugal Leader da Deloitte, mas Paulo Fão, Executive Board Member da Capgemini Portugal, alerta que “existe alguma dificuldade para enquadrar os diversos programas europeus de investimento”.
Todavia, não faltam, atualmente, iniciativas neste sentido, sendo que Câmara Municipais têm dinamizado grupos de trabalho e identificado zonas de intervenção climática e de reabilitação urbana. Para melhorar isto, “é preciso, agora, integrar estas iniciativas, estabelecendo uma estratégia concertada e escalável, tanto a nível local, como a nível nacional”, explica o responsável da Deloitte, que exemplifica o bom posicionamento de algumas cidades como Valongo, vencedora do European Green Leaf Award 2022, e Porto, que ganhou o título de Grand Cidade Europeia do Futuro 2023.
Entenda-se que as Smart Cities são cidades “onde o foco está na otimização de todas as administrações, sejam elas públicas ou privadas, em temas que envolvem a planificação urbana, a sustentabilidade, a inclusão e o meio ambiente”. Isto acontece, essencialmente, através do uso da tecnologia, uma ferramenta “fundamental para a mudança de paradigma”.
as tendências mais abrangidas pelas cidades incluem cibersegurança, mobilidade inteligente, com veículos autónomos e mobility sharing, expansão das redes 5G, análise de Big Data, para otimização de serviços, e ainda edifícios tecnologicamente avançados, que permitem economizar recursos e criar ambientes mais seguros e confortáveis
Neste momento, as tendências mais abrangidas pelas cidades incluem cibersegurança, mobilidade inteligente, com veículos autónomos e mobility sharing, expansão das redes 5G, análise de Big Data, para otimização de serviços, e ainda edifícios tecnologicamente avançados, que permitem economizar recursos e criar ambientes mais seguros e confortáveis. Por exemplo, um dos prédios mais sustentáveis do mundo pertence à Deloitte e localiza-se em Amsterdão, nos Países Baixos – o Edge, que “produz mais eletricidade do que consome, graças a uma série de painéis solares – e ao armazenamento de energia térmica no subsolo. O seu sistema de iluminação LED é 80% mais eficiente do que a iluminação convencional. A água da chuva é recolhida do telhado e das varandas e utilizada para descarregar as sanitas do edifício e regar os jardins. O edifício contém cerca de 28.000 sensores que detetam movimento, luz, temperatura, humidade e até níveis de dióxido de carbono”, explicita Miguel Eiras Antunes.
Mas também o responsável da Capgemini Portugal aponta outros bons casos internacionais, como em Copenhaga, na Dinamarca, onde se implementou um sistema com base em energia renovável para suportar os edifícios públicos. Ainda em Amesterdão, no que à mobilidade diz respeito, “foram substituídos veículos movidos a combustível fóssil por elétricos ou à base de hidrogénio”, e em Dijon, na França, “a adoção de uma nova plataforma digital de inteligência artificial permitiu obter ganhos ao nível da mobilidade, da segurança e reduzir o consumo de energia”.
Já em Portugal, “o facto de não existir um programa nacional de adoção do conceito” de Smart City é um entrave, até porque “a rigidez do processo de contratação pública implica que as autarquias, por vezes, não beneficiem da melhor opção de aquisição de equipamentos, sistemas e serviços”
Já em Portugal, “o facto de não existir um programa nacional de adoção do conceito” de Smart City é um entrave, até porque “a rigidez do processo de contratação pública implica que as autarquias, por vezes, não beneficiem da melhor opção de aquisição de equipamentos, sistemas e serviços”, evidencia Paulo Fão. Também o acesso ao financiamento é imprescindível, além de saber como o aplicar, para “viabilizar iniciativas locais que permitem potenciar e acelerar a transição para uma cidade mais verde”, esclarece Miguel Eiras Antunes, da Deloitte, acrescentando ainda que “a digitalização destes serviços, a integração de aplicações tecnológicas, assim como a segurança e privacidade cada vez mais rigorosa de dados são desafios que irão marcar a próxima década”.
Posto isto, sim, será “obrigatório”, a longo prazo, que uma cidade se torne smart, pelo simples facto de que “os cidadãos vão querer estar nas cidades onde têm melhores condições”, mas também porque os governos assim o vão exigir. O representante da Deloitte chama a atenção para o facto de que qualquer cidade “tornar-se uma smart city no futuro significa um aumento significativo dos benefícios a longo prazo em termos de eficiência, qualidade de vida e sustentabilidade. As cidades que não acompanham a evolução tecnológica podem enfrentar desafios na competitividade, inovação e na prestação de serviços ao cidadão”.
Por sua vez, Paulo Fão mostra-se “otimista quanto à adoção do conceito por parte das cidades portuguesas”, tal como Miguel Eiras Antunes que reforça a necessidade de investimento contínuo para aumentar o potencial de Portugal nesta matéria e assim pautar um bom caminho.
Afinal, o que é ser Smart City?
No entender de Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, uma “smart city” é uma cidade que garante “elevada eficiência dos serviços”, com foco nas “necessidades dos cidadãos”, apostando numa “plataforma tecnológica ágil e ajustável a novos desafios”. E na base deste sistema está uma “infraestrutura tecnológica que alia elevada capacidade de comunicação, sensorização, agregação e análise de dados”, enquanto “potencia um ecossistema de experimentação e inovação aberta promovendo a participação ativa dos cidadãos”, defende.
“Efetivamente, desde 2013 que a estratégia política do Município coloca o foco na transformação digital, experimentação e inovação, e desenvolvimento de políticas sustentadas por dados e pela cocriação de serviços”
No caso do Porto, o responsável não tem dúvidas do sólido caminho que a cidade tem percorrido na qualidade de “cidade inteligente”, recorrendo à “tecnologia para apoiar a tomada de decisão e criar condições para a melhoria da qualidade de vida de munícipes e visitantes”. Aliás, o Porto é reconhecido pela sua “resiliência e superação” que, ao longo dos tempos, tem permitido tirar partido das oportunidades para se afirmar: “Efetivamente, desde 2013 que a estratégia política do Município coloca o foco na transformação digital, experimentação e inovação, e desenvolvimento de políticas sustentadas por dados e pela cocriação de serviços”.
“é com base nesta visão que a cidade implementa uma verdadeira política de gestão inteligente, tendo para isso criado o Centro de Gestão Integrada, a funcionar desde 2015
Assim, explicita o responsável, a Porto Digital, no papel de “instrumento do Município para a inovação e transição digital”, disponibiliza e gere a infraestrutura tecnológica (no caso do Porto, as redes de fibra ótica e Wi-Fi são definidos pela autarquia como ativos críticos nestas políticas), a par das “ferramentas de apoio ao desenvolvimento de processos e ações de inovação”. Entre estas camadas, está a “plataforma urbana que uniformiza o acesso aos dados de relevo da cidade passíveis de apoiar a geração de soluções para a melhoria da qualidade de vida de todos”, refere, considerando que “é com base nesta visão que a cidade implementa uma verdadeira política de gestão inteligente, tendo para isso criado o Centro de Gestão Integrada, a funcionar desde 2015, procurando maximizar a cooperação entre serviços e abordando sempre a operação da cidade numa logica totalmente transversal”.
Além dos serviços de apoio à operação da cidade, suportada pela infraestrutura, destaca-se a capacidade da cidade para fornecer serviços com impacto direto no quotidiano dos munícipes. Exemplo disso são “o serviço Wi-Fi gratuito em toda a cidade e na rede da STCP, empresa de transportes coletivos, ou ainda o Cartão Porto., que agrega, numa única plataforma, todos os serviços que a cidade disponibiliza”, acrescenta.
Com o intuito de garantir o forte envolvimento dos cidadãos, Filipe Araújo refere que o Porto Innovation Hub (PIH), iniciativa do Município gerida pela Porto Digital, promove a inovação enquanto agente de transformação da cidade: “Em 2020, o trabalho desenvolvido foi distinguido com “The Smart City Innovator Award” (categoria “Future Cities”), dado o impacto na criação de tecnologias inovadoras e o contributo para atingir um desenvolvimento sustentável e integrado”.
Como reconhecimento do percurso enquanto cidade inteligente, o Porto integra também a iniciativa da Comissão Europeia Intelligent Cities Challenge (ICC), na qualidade de cidade-mentora: “Esta participação tem ajudado na consolidação da estratégia municipal para a infraestrutura tecnológica e na implementação de soluções urbanas inteligentes”, afirma.
No que diz respeito a desafios, seja no território ou noutras realidades e contextos urbanos, o vice-presidente do Munício assegura que “o Porto se esforça por identificar oportunidades e evoluir colocando a tecnologia ao serviço do cidadão, no verdadeiro espírito das cidades inteligentes: cidades capazes de transformar o potencial da tecnologia e da inovação em serviços de elevado impacto”.
A que ritmo está Torres Vedras?
Desde a criação da Rede de Smart Cities, Torres Vedras tem adotado o modelo “smart” nas políticas e estratégias de modernização da sua cidade. Através da implementação de diversos projetos em áreas como a Mobilidade, o Empreendedorismo, a Água, os Resíduos e a Sustentabilidade, tem sido possível criar um ecossistema inovador na gestão autárquica: “Prosseguimos no ritmo de tornar a cidade menos poluente, com melhor mobilidade, com mais informação e consequentemente com melhor qualidade de vida”, avança Laura Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras.
“A utilização de dados em tempo real permite o melhor planeamento e a redução dos custos. Exemplo disso é o sistema Inteligente de Controlo de Tráfego implementado pelo município, que consiste na instalação de 47 equipamentos em pontos estratégicos da cidade
Apesar do Munício fazer parte de várias redes europeias, permitindo-lhe estar mais próximo das novas tecnologias através da partilha de projetos, a autarca chama a atenção para a necessidade de haver estratégias de desenvolvimento focadas nas tecnologias, iniciando a transformação digital que se exige atualmente: “A utilização de dados em tempo real permite o melhor planeamento e a redução dos custos. Exemplo disso é o sistema Inteligente de Controlo de Tráfego implementado pelo município, que consiste na instalação de 47 equipamentos em pontos estratégicos da cidade, monitorizando indicadores de velocidade, peões e bicicletas, iniciativa que integra o Plano de Ação de Mobilidade Urbana Sustentável, tornando a cidade mais segura e menos poluente”.
No que se refere a desafios, Laura Rodrigues destaca a capacidade financeira e de capacitação, dado que, em muitos casos, representam maior investimento na implementação: “A capacitação é fundamental para que seja possível acompanhar a evolução tecnológica que temos assistido”. Por isso, “criar acordos com a academia é importante para projetos de Investigação e Desenvolvimento”, mas a sua implementação está comprometida a incentivos que possam existir: “Desta forma, as estratégias não se implementam com a rapidez desejada”.
“A capacitação é fundamental para que seja possível acompanhar a evolução tecnológica que temos assistido”
Ainda assim, o destaque é para um projeto pioneiro que está a ser criado em parceria com Oeste CIM e com a NOVA IMS: “A plataforma Smart Region que irá permitir um maior conhecimento da região, bem como o enquadramento de cada município que a integra”. Desta forma, “ficam disponíveis dados que permitem uma construção partilhada no futuro dos territórios, evidenciando a base identitária e ao mesmo tempo fortalecendo a relação entre municípios”, refere.
Quando questionada sobre o futuro da cidade de Torres Vedras, a presidente do Município acredita que o investimento em sistemas de informação em tempo real vai transformar a forma como se vive e se desloca, sendo fundamental avaliar e comunicar à população como se pode ser mais eficiente: “O caso da utilização de transporte individual em detrimento do transporte coletivo irá, gradualmente, ser alterado com novas rotinas, e a utilização dos transportes públicos será mais significativa”. Em suma, “as ferramentas “smart” permitem não só melhorar o planeamento autárquico como o modo de vida dos cidadãos”, remata.
Por Cristiana Macedo. Este artigo foi publicado na edição 102 da Ambiente Magazine.