No rumo à neutralidade climática, o setor energético deve ser aquele que melhor se deve posicionar, ao longo da década, para contribuir para a redução das emissões de gases com efeitos de estufa (GEE). Mas, quando se fala em descarbonização também o setor do edificado não é exceção, visto que é responsável pelo consumo de quase 30% da energia final, em Portugal. Quem o diz é António Cunha Pereira, CEO da Ecoinside, numa entrevista à Ambiente Magazine.
De acordo com o empresário, “os edifícios são responsáveis pelo consumo de cerca de 40% da energia total gasta na União Europeia”, pelo que a sua “reconversão” tem um “peso significativo na redução da pegada ecológica”, sendo esse um caminho que a Ecoinside quer e pretende seguir. Assim, a “reconversão de edifícios mais antigos e a construção de edifícios novos”, tendo como “mindset a implementação de tecnologias e equipamentos mais eficientes”, como a aposta no “isolamento” ou a “preferência pelas energias verdes” são para o responsável “medidas fundamentais para o decréscimo da emissão de GEE para a atmosfera das cidades em todo o mundo”.
Em Portugal, segundo o responsável, o edificado não corresponde àquilo que era desejável: “De 2014 até dezembro de 2020, apenas 22,4% das habitações portuguesas foram classificadas entre os níveis A+ e B (de uma escala de A+ – muito eficiente – a F – extremamente pouco eficiente) ao nível da sua eficiência energética”. E sendo “o certificado energético obrigatório, estes valores permitem-nos perceber o estado do edificado português”, diz. A isto, acresce que “77,6% das casas portuguesas são, por um lado, desconfortáveis, e por outro lado, consomem e desperdiçam muito mais energia do que seria desejável”. Assim, tornar estes edifícios mais “verdes”, para além de ter um “impacto muito positivo ao nível das emissões de GEE”, será da “maior importância” para combater a pobreza energética: “E isto consegue-se de várias formas, utilizando sistemas e tecnologias existentes e que já estão disponíveis no mercado”, refere. Para além da “eletrificação dos sistemas energéticos dos edifícios, substituindo o consumo de energia obtido a partir de fontes não renováveis, tais como o gás ou o gasóleo”, a solução passa, desde logo, pela “implementação de sistemas de isolamento eficazes”, que permitam “manter a temperatura da habitação mais estável”. Mas, há mais “medidas simples” que podem ser implementadas e, que a longo-prazo, permitem obter “mais conforto térmico”, traduzindo-se em “poupanças para as famílias”, refere. O “uso de janelas que vedem adequadamente a entrada de ar e reduzam a permuta de energia com o exterior” a “implementação de sistemas de aquecimento das casas que sejam eficientes e práticos”, tais como as “bombas de calor” que permitam “aquecer e arrefecer a casa apenas quando necessário” e, “de preferência, à distância, de modo a poder-se programar melhor o ambiente que se pretende ter em casa”, o “recurso preferencial a energias renováveis”, através da “instalação de painéis solares fotovoltaicos” ou a “alteração de lâmpadas por LED”, são alguns dos exemplos mencionados pelo CEO da Ecoinside.
[blockquote style=”2″]Desde 2005, Portugal fez cair as suas emissões GEE em 22%[/blockquote]
Se os edifícios são responsáveis pela emissão de uma “grande fatia de GEE para a atmosfera” e, ao nível europeu, fala-se em cerca de “36% das emissões anuais”, segundo os dados EURIMA (Associação Europeia dos Fabricantes de Lãs Minerais), António Cunha Pereira defende que, além das medidas já mencionadas e disponíveis no mercado, é fundamental um “mudança de mentalidade” que permita “fazer a diferença hoje para obter resultados globais já amanhã”.
Nesta mudança de paradigma, o setor energético será, sem dúvida, um enorme aliado para tornar os edifícios mais sustentáveis: “A aposta clara que o setor tem feito nas energias limpas, não só através do investimento no solar, na hídrica e na eólica, mas, também pelo encerramento de centrais térmicas a carvão por todo o território, são sinais claros que o futuro chegou e que o momento de atuar é agora”. E o facto dos “edifícios de todo o país poderem optar por esta forma de energia ou mesmo pela instalação das suas próprias centrais de autoconsumo”, tendo acesso a “apoios do Estado” é essencial para se diminuir a emissão de gases com efeitos estufa, reforça.
No entanto, atenta o CEO da Ecoinside, “mais do que gastar o tipo certo de energia, leia-se o mais limpo e renovável”, é crucial “apostar na eficiência energética do edificado”, ou seja, “de que modo podemos fazer com que os nossos edifícios gastem menos energia tornando-se mais eficientes energeticamente”. Segundo os estudos que têm vindo a ser lançados e o “impacto positivo” que a Covid-19 trouxe à “poluição atmosférica”, António Cunha Pereira considera que Portugal, está num “bom caminho para cumprir com as metas estabelecidas para 2030 e 2050”, constatando mesmo “a possibilidade de conseguir superar as expectativas ambiciosas traçadas para as próximas décadas”. Prova disso é que, desde 2005, lembra o responsável, Portugal fez “cair as suas emissões GEE em 22%” o que, “pondo em prática as medidas adicionais” previstas no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), o país poderá “reduzir, em 2030, 47% destas emissões, em relação a 2005, ultrapassando a meta de 30% traçada”.
[blockquote style=”2″]Repensar tecnologias mais amigas do ambiente em todas as novas construções[/blockquote]
Relativamente aos incentivos que existem para combater a pobreza energética, o CEO da Ecoinside não tem dúvidas da relevância dos mesmos: “É importante haver incentivos do Estado ou de fundos comunitários ou benefícios fiscais para que as pessoas possam fazer alterações nas suas residências e, dessa forma, combater a pobreza energética”. E as principais medidas a implementar são o “isolamento térmico das casas”, com “inclusão de isolamentos nas paredes e telhados” e “colocação de janelas com corte térmico”, bem como a “incorporação de sistemas de aquecimento eficientes” tais como as “bombas de calor”, sucinta.
Questionado sobre qual seria a poupança na fatura energética do Estado se todos os edifícios públicos fossem mais eficientes, António Cunha Pereira deu como exemplo, uma intervenção que a Ecoinside terminou no ano passado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP): “O objetivo era melhorar a classificação energética da infraestrutura e tornar o espaço mais confortável para alunos, professores e auxiliares”. Com a instalação de “quase 400 painéis solares” e a “alteração de mais de 3.300 lâmpadas para tecnologia LED” o edifício tornou-se “88% mais eficiente” e, foi possível reduzir a “fatura de eletricidade em 50 mil euros”, evidencia. Este é “um exemplo de um único edifício” e de “um caso muito particular”, mas que, segundo o responsável, “poderá ser demonstrativo de uma realidade alargada que poderemos transpor a todo o edificado público português”, visto que “ainda peca ao nível da eficiência energética”.
Quanto a perspetivas para o futuro, o CEO da Ecoinside espera que Portugal “aposte claramente e cada vez mais na transição e eficiência energética dos edifícios já existentes” e “repense e implemente tecnologias cada vez mais amigas do ambiente em todas as novas construções”. E se esse trabalho for bem feito, “verificaremos, certamente, um decréscimo acentuado das emissões de GEE das cidades”, contribuindo para um “futuro mais sustentável e risonho para as gerações futuras”, remata.