“Parece estranho pensar no futuro quando atravessamos um período que pouco nos dá em termos de esperança: uma pandemia que nos demonstrou como o sistema económico empurrado por cadeias de valor globais não é assim tão resiliente; uma guerra em território europeu com a sombra do nucelar a pairar; e o sempre presente colapso do sistema natural”. Este é o cenário traçado por Inês Costa, secretária de Estado do Ambiente, que abriu a sessão “Conferências de Março” promovida pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos). Sob o lema “penSAR o Futuro” o evento está a decorrer durante esta quinta-feira, 8 de março, no Pavilhão do Conhecimento, no Parque das Nações, em Lisboa.
Mesmo num cenário marcado pela insegurança, Inês Costa acredita que “pensar o futuro é mesmo urgente”, sendo que, abordar os desafios implica, necessariamente, começar pela natureza humana: “Não o que fomos ou que podíamos ter sido, mas o que queremos ser e, é nesse espírito que acredito que a conferência de hoje pode ser um primeiro passo nesse sentido”.
O facto dos discursos continuarem muito centrados no que ainda “corre mal” em matéria de ciclo urbano de água, soando a algo como “nada tivesse sido feito e que ainda estamos nos anos 90” é algo que a dirigente lamenta: “A verdade é que já estamos longe desse cenário”. Prova disso são os 560 milhões de euros de fundos europeus, no âmbito do POSEUR, que serviram para financiar 940 operações com vista a reforçar o abastecimento, diminuir as perdas e tratar efluentes:“Investimentos que permitiriam construir, remodelar mais de 3.300 quilómetros de redes de drenagem, 317 ETAR’s, melhorar o serviço de abastecimento e de saneamento a mais de 4,6 milhões de portugueses”. Estes números são claros sobre o “muito bom trabalho que tem sido feito nos últimos anos”, afinca a dirigente, constatando que, apesar dos indicadores do PENSAAR 2020 serem “desencorajadores”, a verdade é que se registam “saltos qualitativos e quantitativos gigantes”.
Ainda centrada no futuro, Inês Costa dá conta que os investimentos em abastecimento e saneamento passaram dos 875 milhões de euros do atual quadro, para mais de mil milhões de euros no próximo quadro comunitário de apoio: “Temos 14 vezes mais fundos para apoiar a reutilização de águas residuais”.
Independente das “críticas” ou dos “elogios”, a secretária de Estado do Ambiente reforça a necessidade de se quebrar – “de uma vez por todas” – a “sina” do país a duas velocidades: “Não é só em matéria física ou infraestrutural, mas também em matéria humana, organização e capacitação”. Na prática, significa “pensar em mecanismos, equipas e, mesmo numa, task force que vá ao encontro destes sistemas mais frágeis (…) não é só questões contabilísticas, mas sim de cadastro, de manutenção, de digitalização ou de comunicação”. A isto acresce a importância de se “converter o plano estratégico macro (PENSAARP) em planos estratégicos do sistemas local”, sobretudo em Baixa: “Os territórios são muitos diversos (…) e, apesar de o PENSARRP dar caixas de ferramentas, não é o PENSARRP, nem o Governo que por si só vai resolver as perdas de águas, as perdas reais ou as descargas”. As “rédeas” desse trabalho fazem-se no “território” como o apoio das entidades e numa visão “conjunta, de planeamento e de ação”, sustenta. Por fim, “integrar medidas em medidas que antecipam o impacto das alterações climáticas e da escassez hídrica” é algo que Inês Costa sublinha como prioridade, sendo que o Governo já está a trabalhar nesse sentido.
Aproveitando o momento, Inês Costa quis reafirmar algo que se tem tornado muito evidente nestes últimos anos: “Ainda tomamos os serviços de ambiente como algo adquirido quando deveria ser algo muito mais valorizado; e ainda aceitamos com demasiada facilidade pressionar estes serviços para lá do razoável para que determinadas opções de atividade económica sejam possíveis”. Contudo, “levados ao limite” esse serviços vão ser “depreciados” não só em termos financeiros, mas também do seu valor intrínseco: “Precisamos de exemplos lideranças fortes que assumem de uma vez por todas a verdadeira transversalidade que tanto se atribui aos temas ambientais, mas que depois não se reflete nas decisões que são tomadas”.
Voltando ao início, Inês Costa reforça que todos estes desafios englobam “valores humanos de bem-estar social” pelo que “não podemos olhar para os serviços essenciais de ambiente como uma máquina que é gerida por modelos de Excel e por critérios mínimos e, esperar resultados fantásticos”. Se “demos um passo gigantesco em 30 anos, precisamos de dar um outro em 10 anos”, remata.