A exposição à poluição do ar, ao tabagismo passivo, aos raios ultravioletas, ao amianto, a alguns produtos químicos e a outros poluentes estão na origem de mais de 10% dos casos de doenças oncológicas. Além disto, segundo uma análise divulgada pela Agência Europeia do Ambiente, a exposição a estes fatores está também na origem de 18% de mortes por doenças cardiovasculares. Isto são números preocupantes quando se olha para o facto de, em 2022, mais de 16 mil pessoas terem morrido devido às alterações climatéricas.
O Tribunal de Justiça da União Europeia deu razão à Comissão Europeia e alertou que pelo menos três zonas em Portugal (Lisboa, Porto e Braga) excederam o limite das concentrações de dióxido de azoto entre 2010 e 2020. As emissões em Portugal têm reduzido desde 2017, mas falta ainda implementar medidas que melhorem a qualidade do ar nas cidades.
E como é que isto impacta a saúde e qual pode ser a influência deste setor? A Ambiente Magazine conversou com Luís Campos, médico internista e presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente.
Quais são as maiores ameaças ambientais para a saúde humana?
A superpopulação, as alterações climáticas, a degradação ambiental e a perda da biodiversidade. Demorámos 200 mil anos para atingir os primeiros mil milhões de pessoas e apenas 220 anos para chegarmos aos oito mil milhões, o que aconteceu em 15 de novembro de 2022 e, desde 1970, excedemos a capacidade de regeneração do planeta.
As alterações climáticas estão a evoluir segundo os cenários mais pessimistas: a Terra já sofreu um aumento de temperatura de 1,2º C e, se as políticas atuais não se modificarem, estima-se que a temperatura do planeta sofrerá um aumento de 3º C até 2100. 2023 será o ano mais quente alguma vez registado, no Canadá também já ardeu uma extensão de florestas equivalente a 17 milhões de campos de futebol, na Líbia morreram 11.300 pessoas pelas inundações e cerca de 55 milhões de pessoas já são afetadas pela seca. Cerca de 75% da superfície terrestre livre de gelo já foi significativamente alterada e os microplásticos estão presentes em 75% do peixe que comemos. Em média, 150 espécies são extintas por dia e existem um milhão de espécies em risco de extinção.
Que impacto estão a ter estas alterações na saúde humana?
As alterações climáticas e a degradação ambiental vão ser uma das mais importantes determinantes da saúde das populações nas próximas décadas e, impactarão particularmente as populações mais vulneráveis, que em muitos caos já são penalizadas pelas suas condições socioeconómicas. Um relatório da OMS afirma que um quarto da carga global de doenças se deve a fatores ambientais modificáveis. As doenças mais influenciadas pelo ambiente são as doenças cardio e cerebrovasculares, a diarreia, as infeções respiratórias, a asma, a doença pulmonar obstrutiva crónica e o cancro. Estima-se que mais de cinco milhões de mortes possam ser atribuídas a temperaturas extremas. As doenças relacionadas com a qualidade da água e as consequências da sua escassez, assim como a falta de alimentos, estão a crescer. A degradação do meio ambiente e dos ecossistemas está a acentuar os movimentos migratórios, os conflitos e as doenças mentais. A ocorrência cada vez mais frequente de ciclones, inundações, secas e incêndios é a origem de muitas vítimas. A ecologia das doenças transmitidas por vetores também está a mudar e é provável que se inverta a tendência de redução da prevalência destas doenças. Atualmente, estas doenças, nas quais se inclui a Malária, o Dengue, a infeção por Zika e por West Nile Virus e a Chinkungunya já são responsáveis pela morte de cerca de 800 mil pessoas anualmente, a nível global. O risco de pandemias provocadas por zoonoses (doenças que são transmitidas pelos animais), que são responsáveis por quase 100% das pandemias, vai ser cada vez maior, pela desflorestação progressiva e pelo comércio ilegal de animais selvagens.
E em particular qual o impacto da poluição atmosférica?
Globalmente, 9 em cada 10 pessoas respiram ar que contém altos níveis de poluentes que excedem os limites das diretrizes da OMS. Nas últimas duas décadas, as mortes causadas por formas modernas de poluição aumentaram 66% e a poluição continua a causar mais de 9 milhões de mortes por ano em todo o mundo. Mais de 90% das mortes relacionadas com a poluição ocorrem em países de baixo e médio rendimento. Os estudos de prevalência estimam que 29% das mortes de cancro do pulmão, 17% das mortes por infeção respiratória baixa, 24% por AVC, 25% por Doença isquémica cardíaca e 43% das mortes por DPOC possam ter a poluição como fator causal. O mecanismo fisiopatológico é multisistémico e está ligado à aceleração do processo aterogénico, fenómenos inflamatórios, trombóticos, epigenómicos e relacionados com o stress oxidativo, entre outros. Em 2020, 2.600 pessoas morreram de forma prematura em Portugal devido à exposição prolongada a partículas finas, que conseguem entrar para a corrente sanguínea. Apesar de estarmos longe dos valores de outros países, existe uma grande variabilidade geográfica no impacto da poluição.
Como reduzir este impacto?
Devemos ter o Ambiente em Todas as Políticas, transplantando o conceito da Saúde em Todas as Políticas, que nasceu na Finlândia, no meio dos anos 2000, e foi adotado pela OMS para enfatizar a responsabilidade das políticas públicas dos vários sectores da governação na modificação dos principais determinantes da saúde e da equidade. Mas, além das políticas públicas, todos temos de estar implicados nesta luta, a nível de cada organização, de cada serviço e dos comportamentos individuais. Existem ações chamadas de mitigação, cujo objetivo é reduzir a emissão de gases com efeito de estufa e a degradação ambiental, tais como acabar com a utilização de combustíveis fósseis, eficiência energética, transportes sustentáveis, entre outras. Há ações de adaptação às alterações climáticas, como a gestão de desastres e a atualização das infraestruturas. Outras ainda são, ao mesmo tempo, de mitigação e adaptação, tais como a otimização da utilização da água e parar a desflorestação.
Apesar de o sistema de saúde ser essencial para responder à transição epidemiológica em curso e ao maior risco de eventos inesperados, é também responsável por 4,4% da emissão dos GEE, a nível global. Em Portugal, essa percentagem é de cerca de 4,8%.
A que se deve essa pegada ecológica do setor da saúde e como a reduzir?
Mais de 70% das emissões são derivadas principalmente da cadeia de suprimentos de saúde por meio da produção, do transporte e do descarte de bens e serviços, como produtos farmacêuticos e outros produtos químicos, alimentos e produtos agrícolas, dispositivos médicos, equipamentos e instrumentos hospitalares. Cerca de 20% deve-se ao consumo energético e de água, e cerca de 15% aos transportes.
São os profissionais de saúde que nos seus serviços estão em melhores condições de identificar os processos que geram mais emissões de GEE, mais desperdício e mais poluição.
Existem muitas oportunidades de melhorar a sustentabilidade no setor da saúde, a começar pela eficiência energética, os sistemas de aquecimento e arrefecimento, a utilização da água, os transportes, mas também na área clínica existem muitas práticas que têm que mudar. Citamos como exemplos a utilização de gases anestésicos com efeito de estufa, que representam cerca de 5% das amissões no sector da saúde, quando existem alternativas, o consumo de inaladores com GEE, a reutilização de dispositivos ditos “de uso único” que pode diminuir para metade o impacto no aquecimento global ou a reciclagem do Blue Wrap, utilizado nos blocos operatórios para embrulhar as caixas cirúrgicas, que é um material estéril, mas que a lei obriga a ir para o lixo contaminado.
A revisão de algumas leis obsoletas, que são um obstáculo à implementação de boas praticas e sustentabilidade ambiental no setor da saúde, como a lei dos resíduos ou a proibição de reutilização de dispositivos médicos, é uma urgência.
Qual a responsabilidade dos profissionais e saúde nesta luta?
Nós, profissionais de saúde, temos a obrigação ética de nos envolvermos na luta contra as alterações climáticas e a degradação ambiental. Foi esta a motivação que nos levou à criação, em outubro de 2022, do Conselho Português para Saúde e Ambiente (CPSA), em conjunto com o Prof. João Queiroz e Melo e o José Vítor Malheiros. Os nossos objetivos são dar uma voz comum às organizações de saúde para intervirem conjuntamente nas questões relacionadas com a saúde e ambiente; contribuir para a redução da pegada ecológica do setor da saúde; identificar, publicar e implementar boas práticas de sustentabilidade ambiental a nível dos vários setores de atividade; promover a sensibilização dos cidadãos e dos profissionais de saúde e a sua formação; apoiar a capacitação dos serviços de saúde para responder à transição epidemiológica induzida pelas alterações climáticas e pela degradação ambiental e a eventos inesperados de saúde pública e incentivar a investigação nestas áreas.
O CPSA já teve a adesão de 67 das mais importantes organizações ligadas à saúde, incluindo 13 associações, seis ordens profissionais, sete instituições académicas, 20 sociedades científicas, três grupos privados de saúde, duas associações de doentes, e outras, como o Instituto Nacional Ricardo Jorge, o Instituto de Medicina Tropical, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Montepio Rainha D. Leonor, o grupo AGEAS, os SUCH e a Valormed.
A nossa visão é que as próximas gerações tenham direito um ambiente limpo, saudável e sustentável. Estamos abertos à adesão de mais organizações ou pessoas que se queiram juntar a nós neste propósito.