Por: Filipa Pantaleão, diretora técnica da EGF – Environment Global Facilities.
No contexto da gestão de resíduos em Portugal, Emídio Pinheiro – Presidente da EGF, destacou que os planos sempre foram bem intencionados, mas a questão crucial é torná-los consequentes. Aqui, examinaremos o ponto de partida de Portugal em relação à média europeia e abordaremos os desafios enfrentados, como a insuficiência de financiamento para os municípios na implementação do plano, a carga excessiva sobre a tarifa municipal e o persistente problema dos resíduos não recicláveis. Vamos explorar os caminhos a serem seguidos para alcançar um setor de resíduos verdadeiramente consequente.
Ponto de Partida: O Desafio da Média Europeia
Portugal tem enfrentado desafios significativos na gestão de resíduos urbanos, especialmente em comparação à média europeia. Embora os planos tenham sido estabelecidos com boas intenções e princípios importantes, é crucial avaliar se esses planos são verdadeiramente consequentes em termos de implementação e resultados tangíveis. É necessário analisar a lacuna existente entre a situação atual de Portugal e os padrões europeus, a fim de identificar as áreas que requerem uma abordagem mais efetiva. O que está a falhar?
Referenciamos o relatório publicado pela APA e Pordata no Dia do Ambiente do presente ano, no qual é exposto que “em 2021, metade dos resíduos urbanos foram depositados em aterros, o dobro da média europeia (23%), colocando Portugal entre os países com maior proporção de resíduos urbanos depositados em aterros. No entanto, os pontos de partida de Portugal e da UE27 eram muito diferentes: em 1995, 90% dos resíduos urbanos em Portugal ia para aterro, ao passo que na UE27 esse valor era de 65%. No global, as trajetórias de Portugal e da UE têm sido aproximadamente paralelas e não de convergência.” Assim, percebemos que estamos a melhorar, mas não a uma velocidade superior mesmo com uma elevada alocação de fundos Europeus nas últimas décadas.
Insuficiência de Financiamento e Carga Excessiva sobre os Municípios
Um dos principais desafios enfrentados pelos Municípios Portugueses é a insuficiência de financiamento para cumprir o PERSU 2020 e que se vai agravar no PERSU 2030. A carga excessiva sobre a tarifa municipal tem sido um obstáculo significativo, podendo, novamente, dificultar a progressão do plano. É essencial encontrar soluções que garantam um equilíbrio financeiro adequado, de modo que os Municípios possam cumprir suas responsabilidades na gestão de resíduos sem sobrecarregar os cidadãos, nomeadamente no âmbito da Responsabilidade Alargada do Produtor.
As tarifas cobradas pelos municípios aos cidadãos não cobrem, tipicamente, os reais custos de recolher, triar e valorizar, de acordo com as melhores práticas, os resíduos urbanos. Além disso, em Portugal, salvo algumas raras exceções, as famílias e os comércios pagam uma taxa de resíduos associada ao consumo de água.
O peso do custo de um serviço normalmente moraliza o respetivo consumo. Por exemplo, sabemos que se deixarmos a torneira a correr, estamos a pagar esse desperdício de recursos. Ora, no caso dos resíduos, não temos conseguido aplicar um modelo de cobrança dos resíduos que moralize essa produção e contribua para uma menor produção de resíduos, ou pelo menos, contribua para uma separação dos recicláveis. Além disso, com este modelo, todos pagam o mesmo – quer produzam muitos resíduos ou poucos, quer separem ou não os seus resíduos.
O Mega Problema dos Resíduos
Outro desafio premente é o persistente problema do aumento da produção dos resíduos. Idealmente, os resíduos deveriam estar numa progressão decrescente, mas a realidade é que ainda enfrentamos esta questão complexa de aumentos anuais, mesmo aquando do COVID. É necessário implementar abordagens inovadoras para minimizar a produção de resíduos, ao mesmo tempo em que se investe em tecnologias avançadas e maduras de tratamento e valorização desses materiais, como por exemplo valorização energética e material. Somente dessa forma poderemos alcançar uma gestão de resíduos verdadeiramente de excelência.
Para enfrentar esses desafios e avançar em direção a um setor de resíduos consequente, é fundamental adotar as seguintes abordagens:
- Fortalecimento do Financiamento
É necessário procurar fontes de financiamento adequadas e sustentáveis para garantir a implementação efetiva do plano de gestão de resíduos. Isso envolve a alocação de recursos adequados para os municípios, evitando a sobrecarga sobre a tarifa municipal, taxando os produtores dos resíduos e com alocação adequada de fundos europeus ou nacionais disponíveis.
- Promoção da Economia Circular
É essencial adotar uma abordagem de economia circular, na qual se minimize a produção de resíduos e se promova a reciclagem, a reutilização e a valorização dos materiais. Devem ser incentivados, visando alcançar altas taxas de reciclagem e reduzir a dependência de aterros sanitários.
Para atingir esses objetivos, é necessário estimular a implementação de políticas e programas que promovam a separação adequada dos resíduos, a fim de facilitar a reciclagem e o reaproveitamento dos materiais.
Além disso, é importante promover a economia circular em setores específicos, como a indústria, a construção civil e o setor agrícola. Para isso, podem ser estabelecidos incentivos económicos para que se adotem práticas sustentáveis, como a utilização de materiais reciclados, a implementação de processos de produção mais eficientes e a redução do desperdício. Ao adotar essas medidas, o PERSU 2030 visa promover uma transição para uma economia mais circular e sustentável, reduzindo o impacto ambiental dos resíduos e estimulando o desenvolvimento económico e social de forma mais consciente e responsável.
- Colaboração e Parcerias
A cooperação entre os diferentes atores envolvidos na gestão de resíduos é crucial. Os municípios, as entidades governativas, as empresas do setor e a sociedade civil devem trabalhar juntos em parceria, partilhando conhecimento, recursos, infraestruturas e experiências/boas práticas, visando alcançar metas comuns.
Em conclusão, para tornar o setor de resíduos capaz, é necessário superar os desafios enfrentados por Portugal, como a insuficiência de financiamento e o persistente problema de aumento da produção dos resíduos.
É essencial que os planos sejam acompanhados de ações efetivas, garantindo que as boas intenções sejam transformadas em resultados tangíveis para o bem do ambiente e da sociedade como um todo.
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