Os executivos do setor da energia e recursos naturais estão convencidos de que vão conseguir atingir as emissões líquidas zero a longo prazo. Contudo, devido à instabilidade do mercado energético em 2022, o ritmo da descarbonização pode diminuir a curto prazo. A conclusão é de um estudo anual da Bain & Company “State of the Transition 2023: Global Energy and Natural Resource Executive Perspectives“, que resulta de um inquérito a mais de 600 executivos globais da indústria sobre o progresso da transição energética, a forma como as suas empresas estão a gerir estas mudanças e quais as barreiras que anteveem no caminho.
“As políticas continuam a não estar adaptadas aos inúmeros desafios da descarbonização, permanecendo datadas e desatualizadas – e acabando por retardar a evolução deste processo. E se é certo que os clientes querem essa descarbonização, ainda não estão dispostos a pagar por ela. Afinal, a perceção vigente é a de que o retorno do investimento é ainda baixo. Isto cria desafios evidente ao nível da sua adoção e implementação”, declara Eduardo Ferreira de Lemos, Associate Partner da Bain & Company em Lisboa.
Apesar dos desafios, os inquiridos prevêem que, em média, o mundo pode atingir as emissões líquidas zero até 2057. Para isso acontecer, segundo a Agência Internacional de Energia, terão de aumentar o investimento em energia limpa de 1 bilião de dólares para 4 biliões (milhões de milhões) em 2030.
Outra das conclusões deste relatório é que as empresas esperam alocar cerca de “um quarto do seu capital em novos negócios de crescimento até 2023”, muitos deles centrados em “tecnologias de baixo carbono”, mas com a garantia de que os rendimentos são adequados a esses investimentos. Quatro em cada cinco executivos apontam-nos como o principal obstáculo à descarbonização, algo que se deve à relutância dos clientes em pagar por serviços de baixo carbono. Portanto, “esperam que as políticas governamentais e o apoio regulatório ajudem a preencher essa lacuna”, indica o estudo.
Os principais desafios enfrentados pelas novas empresas de baixo carbono no setor são a política governamental e a obtenção de licenças. Segundo o inquérito, quase o dobro dos executivos europeus da indústria de petróleo e gás citaram a incerteza política como a razão por trás da demora nas decisões de investimento face ao ano anterior (61% contra os 36% em 2022). Segundo o relatório, os executivos das empresas de serviços públicos da América do Norte e da Europa estão preocupados com a “obtenção de permissões”, enquanto os executivos da Ásia-Pacífico veem a “tecnologia” como o maior obstáculo.
“As empresas estão a transformar-se internamente, adaptando-se aos desafios da transição energética”
As energias renováveis, a inteligência artificial (IA) e outras tecnologias digitais, além do armazenamento de energia, são as tecnologias mais críticas para o setor até 2030: “Os gestores do Médio Oriente estão muito otimistas em relação ao hidrogénio e à captura de carbono, mas a maioria dos gestores das outras regiões antecipa que estas tecnologias não se serão importantes antes de 2030″.
Em matéria de talento tecnológico, cerca de 60% dos executivos consideram que as tecnologias digitais e a inteligência artificial vão transformar os seus negócios até 2030. No entanto, cerca de uma em cada três empresas diz que está a ter problemas para encontrar engenheiros e uma em cada quatro não consegue encontrar trabalhadores de primeira linha, especialmente na região norte-americana. No Médio Oriente, 42% das empresas têm dificuldade em encontrar trabalhadores de primeira linha.
O relatório anual da Bain & Company demonstra que as empresas estão a transformar-se internamente, adaptando-se aos desafios da transição energética, acolhendo novos acionistas, aportando capital, know-how e capacidades para novas empresas. Também estão a adaptar os seus modelos de alocação de capital entre as operações existentes e as iniciativas de transição energética. A isto soma-se que estão a reforçar as suas cadeias de abastecimento para garantir a continuidade do fornecimento com energia fotovoltaica e baterias, entre outros exemplos, num contexto de escassez e agitação geopolítica.
De acordo Eduardo Ferreira de Lemos, “as empresas ainda se estão a tentar organizar internamente, num processo que inclui a necessidade de alocar capital, adaptar modelos de negócio e criar advocacy junto das principais partes interessadas”. Por outro lado, “no caso da Europa, a evidente dificuldade em atrair talento para estas áreas, nomeadamente ao nível das engenharias e dos especialistas técnicos (5%), do Digital e das TI (-15%) e da mão-de obra de primeira linha (-2%), acaba por funcionar como mais um entrave à transição energética”, acrescenta.