O caudal do rio Tejo está transformado num pequeno fio de água em várias zonas do seu trajeto, sendo a seca o principal motivo deste cenário que preocupa autarcas, ambientalistas e pescadores do Alto Alentejo e Ribatejo, avança a Lusa.
Além da seca, a retenção de águas em albufeiras, açudes e o “escrupuloso” cumprimento por parte das autoridades espanholas em relação aos limites acordados quanto aos caudais são outras das preocupações de quem vive entre Gavião (Portalegre) e Mação (Santarém).
Manuela Martins permanece há 56 anos junto às barracas dos pescadores, na zona do paredão da Barragem de Belver, em Ortiga, no concelho de Mação (Santarém) e, em declarações à agência Lusa, diz que o rio Tejo “está no fundo” porque “há três anos” que não chove.
O mesmo sentimento de tristeza de Manuela Martins, antiga vendedora de peixe do rio, é partilhado à Lusa pelo antigo pescador Camilo Vidal, que afirma que este período de seca está a ser difícil para os pescadores no ativo, uma vez que “não apanham peixe nenhum” para poderem sobreviver.
Ricardo Vermelho é um dos poucos pescadores ainda no ativo, está também ligado ao setor da restauração em Mação, e “aponta o dedo” a Espanha, sustentando que as autoridades do país vizinho retêm a água do rio nas suas barragens, situação que tem provocado um rio Tejo “sempre seco” naquela zona ribatejana.
“Há mais de um ano que o Tejo está sempre seco, sempre seco, de dia e de noite. Aí a 30 ou 40 metros de água, de manhã às sete horas mete um bocadito, às oito ou nove da noite mete mais um bocadito, o resto do dia sempre seco, de inverno, de verão, há mais de um ano está sempre seco”, relatou à Lusa.
Arlindo Marques, conhecido como o “guardião do Tejo” pela sua luta em defesa do rio, distinguido em 2018 pela Confederação das Associações de Defesa do Ambiente com o Prémio Nacional do Ambiente, diz à Lusa que a situação “não é normal”.
“Numa altura destas, acabou o inverno há meia dúzia de dias, e o rio já está assim, eu não prevejo nada de bom futuramente, e são mais seis ou sete meses sem chuva, a chover em outubro… Isto é uma questão para continuarmos a acompanhar, claro que não podemos fazer nada, mas a minha experiência de andar aqui com esta gente toda é que isto é um ano dramático”, alertou.
Em pleno leito seco do rio Tejo, o ambientalista relata ainda que recentemente passou a pé entre as duas margens e que a água tinha uma altura “acima dos tornozelos”. “É um fio (caudal). Eu tenho um barco de coluna curta, nunca podia por ali o barco, bate nas pedras, não dá. Só com uma canoa ou um ‘caiaquezinho’ e eu já ai passei com ele, tem uma barbatana por baixo que tive de tirar porque roça nas pedras”, acrescentou.
O também dirigente do Movimento pelo Tejo defende que os acordos entre Portugal e Espanha deveriam estipular um valor diário de caudal, em vez de ser apenas enviado um determinado volume de água na época de inverno.
“Eles (autoridades espanholas) têm x para mandarem de caudal, eles mandam na parte do inverno e está mandado o caudal, que devia ser diário, um pouquinho de cada vez, porque a barragem de Alcántara (Espanha) ainda tem 60% de água. Alcántara é tão grande, basta um centímetro de água para nos meter aqui um bom caudal durante uns dias, agora se não há água em Espanha eles também não vão mandar”, disse.
Para manter o caudal ecológico, Arlindo Consolado Marques espera que as autoridades portuguesas libertem alguma água armazenada nas albufeiras de Parcana, Belver e Fratel, para “evitar” que o rio seque nos próximos tempos.
O presidente da Câmara de Gavião (Portalegre), José Pio, mostra-se igualmente preocupado com a situação, principalmente com o cenário “dramático” em que se encontram os pescadores da região, numa altura em que a lampreia deveria “reinar” nas mesas dos restaurantes, mas por falta de água tem de ser adquirida noutras zonas do país e no estrangeiro.
“Eu penso que, sobretudo, temos de melhorar as convenções que temos com Espanha”, começou por referir à Lusa, defendendo ainda que os autarcas das zonas ribeirinhas devem unir-se em prol desta causa.
“Todos nós, autarcas das zonas ribeirinhas, devíamos começar a pensar de uma forma global e termos a capacidade de, em conjunto, fazermos aquilo que se impõe que é manifestarmo-nos junto do Governo português numa primeira instância e, de seguida, junto das entidades europeias para que o rio volte a ter a sua água normal”, defendeu.