Recuperar, valorizar e reutilizar a borra de café: este é o principal objetivo do projeto R2 – Reutilizar & Reconstruir. Através da recolha de resíduos das diversas formas de consumo do grão de café, é possível gerar pavimentos, revestimentos, louça e até mobiliário urbano.
À Ambiente Magazine, Nuno Magalhães, um dos mentores do projeto, explica que a ideia surgiu de um grupo de amigos que olha para o mundo atual sob duas perspetivas diferentes: do ponto de vista tecnológico funcional (“o que podemos fazer para simplificar a nova vida”) e do ponto de vista ecológico disfuncional (“o que não estamos a fazer para proteger o meio ambiente” e identificar as necessidades/oportunidades para gerar soluções).
Após a introdução das cápsulas de café no mercado, o consumo tem aumentado diariamente por ser de “mais fácil acesso”. Este aumento “está a gerar produção de novos resíduos”, sendo importante “dar uma nova função a cada um deles”, explica.
Atualmente, e com vista a diminuir o impacto ambiental provocado pelos resíduos como o alumínio e plástico, o foco passa somente pela “reciclagem de cápsulas de café”. No entanto, o elemento com maior percentagem numa cápsula “é o que têm tido menos atenção” devido à escassa utilização funcional do mesmo. Nuno alerta assim que “90% do peso do resíduo cápsula é borra e apenas 10% do resíduo gerado é atualmente reciclado”.
Quando questionado sobre as vantagens para o meio ambiente, o responsável explica que as borras de café têm sido apontadas, em alguns casos, como “potencialmente interessantes para a nutrição das plantas”. Existem ainda outros casos em que, com algumas “limitações, se efetua a sua utilização em solos”, quando os mesmos são “misturados como teórico fertilizante”. Ou seja, o teor de partículas finas existentes na borra e a sua capacidade de autocompactação, originam “limitações na sua utilização em solos e daí não se verificarem grandes projetos em campos de cultura”, explica.
Uma vez que grande parte dos componentes utilizados na produção de pavimentos, revestimentos e mobiliário resultam de minérios extraídos da natureza, sendo possível a sua substituição, em parte, por borra de café, o investigador garante que “estaremos duplamente a proteger o ambiente, não escavando para extrair o minério e dando utilidade prática ao resíduo borra de café”.
“O consumidor do café será seguramente um dos primeiros” intervenientes do projeto R2 “assim como os cafés e restaurantes”, uma vez que a reciclagem da borra depende destes canais. No entanto, o investigador sublinha que é preciso “consciencializar as empresas para a correta seleção dos diversos resíduos gerados pelo consumo de café”. O ganho que podem ter associado à mesma “é tão grande em termos de oportunidade quanto o consumo”, refere o investigador. Cada empresa pode utilizar a borra de café em substituição de uma matéria-prima de origem natural, gerando um produto diferenciado.
Através da borra de café, podem também ser produzidos “bancos de jardim” para uma cidade, “banheiras de um hotel” ou, até, “pavimentos de uma autarquia” quando recolhida pelos cafés e restaurantes dessa mesma autarquia, exemplifica Nuno.
O grupo de investigadores tem desenvolvido este projeto em instalações próprias. “Fizemos investimentos em materiais e ferramentas” que permitiram chegar até à fase de desenvolvimento atual. “Iniciamos os ensaios em pequena escala e com peças de pequena dimensão para conseguir moldar as pastas do compósito de borra de café”. Para o desenrolar deste projeto, são precisos vários ensaios, o que significa uma vasta quantidade de “borra de café em função dos produtos finais que pretendemos gerar”. Como forma de otimizar as fórmulas existentes, realizar mais ensaios de desenvolvimentos e construir elementos em escala real, bem como finalizar a universalidade da patente, a presença de “investidores” é importante para este projeto ganhar força. Embora o “apoio de familiares e alguns amigos” ou “alguns cafés próximos” que têm facultado estes resíduos, “temos consciência de que, sem apoios, será difícil continuar a promover esta ideia e a lançar produtos no mercado”.
Os desafios são vários e Nuno destaca o “cliente”. Atualmente, ainda existe uma “grande resistência à introdução de subprodutos em novos produtos”. É ainda difícil acreditar que um “vulgar resíduo pode ser trabalhado e transformar-se eficazmente em subproduto, gerando um novo produto”. Para além deste desafio, “gostávamos de poder ter apoio mais direto ao nosso projeto” e, se possível, “criar uma join-venture entre empresas ligadas ao mundo do café e empresas ligadas aos materiais de construção”. Num país em que já se fazem elementos de construção com cortiça, “porque não fazer também com borra de café ou quem sabe juntar ambos?”, questiona.
O foco de sensibilização passa pelas “empresas de recolha e as empresas que podem utilizar a borra de café como produto valorizado”. Não obstante, com a sensibilização que “estamos a fazer” e que poderá dar um impulso ao projeto, “pretendemos chegar a casa da população nacional e internacional” através de campanhas informativas sobre a “importância de dar uma utilização a todos os resíduos, contribuindo para um mundo melhor”.
O balanço é positivo. Para o futuro estes “criadores de uma inovação” desejavam ver a tecnologia utilizada em “grande escala e que as empresas intervenientes no processo Reutilizar & Reconstruir pudessem ganhar dinheiro com a sua utilização”, ao mesmo tempo que preservam o meio ambiente. “Precisamos de pensar diariamente na construção de um mundo melhor e, para isso, precisamos reutilizar”, sustenta.