“O Algarve vive uma crítica situação hídrica há anos: tem 84 hectómetros de volume útil, para consumo humano gasta 70 a 75 por ano e destes acresce os 25 da agricultura, ou seja, aproximadamente 100”. Esta é a realidade da região, segundo António Eusébio, Presidente da Águas do Algarve, que parece não ter dúvidas sobre a dimensão do problema que se vive na região: “Quando dizemos que temos de olhar para o futuro por causa das alterações climáticas, temos de trabalhar o presente e, em Portugal, já deveríamos ter políticas de resposta à altura e ter começado a trabalhar há mais tempo”, alerta.
Apesar deste cenário, o responsável, que falou recentemente numa mesa-redonda promovida pela APDA, no âmbito do 5.º Encontro CESDA sobre perdas de água, reconhece o bom trabalho que o país está agora a desempenhar: (Aliás), se não o tivéssemos feito, tínhamos um problema muito maior”. E para ser mais preciso, António Eusébio atenta na importância da Barragem de Odeleite e da Odelouca, reiterando: “O que seria do Algarve, neste momento, ao nível do seu desenvolvimento económico? Certamente que teríamos metade do turismo, porque não haveria a capacidade de abastecer todas as zonas e o consumo que temos”.
O presidente da Águas do Algarve é defensor de que, quando há soluções, essas têm de ser debatidas da melhor forma, dando como exemplo o ano passado: “O Algarve é muito assimétrico e costuma chover muito mais no Barlavento do que no Sotavento, este ano, choveu 600 milhões em Odeleite e só 15 milhões em Odelouca. Temos um déficit anual de 15 milhões do lado Barlavento”.
Apesar da situação crítica que a região algarvia tem enfrentado, António Eusébio assegura que não haverá qualquer problema de falta de água para este ano, algo que só é possível graças à “resiliência e robustez” que o sistema vai ganhando. A título de exemplo, destaca as “alternativas que têm sido construídas” ao longo do tempo, como a “grande reserva do Barlavento”, um investimento que foi antecipado no ano passado e que já está pronto: “Faz com que seja possível captar dos picos da Barragem de Odelouca e distribuir para os municípios do Barlavento”. Além disso, foi feito o “reforço de algumas captações”, que já tem um longo caminho e que permite “gerir com resiliência as dificuldades”, refere. No caso da Barragem da Bravura, que tem um “volume morto”, foi construída, no passado, uma “jangada de capacitação de volume morto”, acrescenta.
Sendo estas “medidas de urgência”, o presidente da Águas do Algarve não quis deixar de chamar a atenção para dois aspetos muito importantes, a começar desde logo pela comunicação que também é diferente do resto do país, sendo que o responsável enalteceu a preocupação que a APA – Agência Portuguesa do Ambiente tem tido, em articulação com a Águas de Portugal, Municípios e players do turismo: “Sendo uma região turística por natureza, não podemos falar em cortes de água ou em racionamento [no Algarve] e, quando se faz uma campanha, temos de ter cuidado com as palavras que se escolhem, pois tem de se articular a mensagem com os empresários de turismo”. O responsável é defensor de que a mensagem deve ser clara na campanha, alertando para o “bem precioso” que a água é, mas também para a sua escassez, para que os empresários fiquem sensibilizados.
Tão importante como a comunicação é a “articulação” entre entidades: “A APA, juntamente com a Águas do Algarve, tem levado um trabalho de salutar, como as reuniões constantes no ano passado para monitorizar o que estava a ser consumido, o que estava nas barragens e quais as medidas a implementar nos e pelos concelhos”. A título de exemplo, “em Lagos, registaram-se poupanças muito significativas”, refere, lamentando que o mesmo não se pode dizer de outros: “É um trabalho duro e difícil, mas que temos de o fazer, para que passem estes picos de verão sem que haja problemas”.
Olhando agora para o presente, António Eusébio relembra que abril foi dos meses mais quentes, onde o consumo “aumentou 25%” face a 2022. Já maio, apesar de ameno, também se registou um “aumento de 8,3%”, atenta o responsável, perspetivando um “cenário difícil”, caso não haja a chuva desejada: “Se a chuva não for a mesma que em 2022, o próximo ano (2024) vai trazer muitos dissabores”.
“Não há um plano, mas sim ações tomadas avulso”
A situação de Portimão, apesar de não ser muito diferente, apresenta dados mais positivos quanto à água não faturada: “18,9%, em 2021; 18,1%; em 2022”. Os dados, de acordo com Jorge Caetano, chefe da Direção de Operações e Sistemas de Informação da EMARP, não são resultado de “bom plano”, mas sim de medidas do imediato.
Recuando 50 anos, o responsável frisou que Portimão tem vivido um problema de escassez de água: “Não temos grandes reservas de água nem subterrâneas nem superficiais. Aliás, nos anos 80, tivemos de recorrer à utilização da barragem da Bravura (hoje, utilizada pelas Águas do Algarve) porque, de facto, a água não era suficiente para as necessidades”. Sempre com muita atenção na “água não faturada”, a cidade, naquela década, apostou na compra de água para produzir água potável: “Foram feitos esforços financeiros e houve preocupação de olhar para a questão da perda económica e, no final dos anos 80 e 90, tínhamos perdas na ordem dos 40%”, atenta. Para dar a volta à situação, recorda António Eusébio, implementou-se a remodelação de grande parte da rede de distribuição: “Na década de 90, fizemos uma grande substituição e conseguimos baixar para 25%”. E já no início deste século, “pensamos em fazer algo mais em termos de monitorização e de controlo”, através da instalação de sistemas de telegestão: “Começamos a colocar alguma medição para medir tudo aquilo que saía para a rede com o objetivo de fazer balanços e ir à procura do problema”, atenta.
A APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, através da sua Comissão Especializada de Sistemas de Distribuição de Água (CESDA), promoveu nos dias 6 e 7 de junho, em Santo Tirso o 5.º Encontro “Redução de Perdas de Água – Um Desafio ao Alcance de Todos”.
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