A gestão de resíduos em Portugal enfrenta grandes desafios. Não nos iludamos: temos um atraso estrutural de 20 anos em relação à média Europeia e de 30 anos se nos compararmos com os países do pelotão da frente em termos de desempenho ambiental (Dinamarca, Bélgica, Alemanha, …). Países em que alguns fluxos de resíduos têm invejosas taxas de reciclagem acima dos 90% e que nos últimos anos já trabalham para outro objetivo: concretizar a economia circular e dissociar o aumento da produção de resíduos do crescimento económico. Objetivo ambicioso, que o PERSU 2030 também se propõe alcançar mas sem indicar qualquer caminho concreto de como lá conseguimos chegar.
Nos idos anos 90 do século passado tive a oportunidade de visitar algumas cidades na Alemanha e Bélgica, as quais à data já tinham sistemas PAYT implementados. Uns mais simples, em que os quantitativos dos resíduos eram calculados com base em estimativas de volume de sacos plásticos recolhidos, outros mais complexos, com o uso de software GPS ou de códigos de barras em que os dados da recolha eram processados automaticamente enquanto os veículos camarários faziam o seu percurso. Em alguns casos a conjugação de recolha seletiva porta-a-porta com vários ecocentros distribuídos pela cidade para os cidadãos entregarem fluxos específicos como equipamentos eletrónicos, lâmpadas fluorescentes, rolhas de cortiça, monos, entre outros. Em 2022 contam-se pelos dedos de uma mão os municípios que em Portugal já iniciaram a implementação de sistemas PAYT. O aterro como destino principal não se limita ao sector dos RSU’s. Também no sector dos resíduos industriais demasiados resíduos perigosos têm como destino final a deposição em aterro. Em 2002, um colega belga explicava-me a Decisão 2003/33/CE e os critérios restritivos de admissão de resíduos perigosos em aterro e como os limites máximos de 6% de COT e de 10% de perda à ignição iriam limitar significativamente a deposição em aterro de muitas tipologias de resíduos perigosos, os quais teriam de ter outro tipo de tratamento. Consequentemente, Portugal à semelhança dos países do Centro e Norte da Europa iria num futuro próximo desviar de aterro resíduos perigosos de base orgânica, tais como os oriundos da indústria química e farmacêutica, os resíduos de reação, os bolos de filtração, etc. Infelizmente o meu colega estava errado. A legislação Comunitária foi transposta para o direito nacional, mas a concretização na prática é que não. 20 anos depois da publicação da Decisão 2003/33/CE, a generalidade dos resíduos perigosos de base orgânica continua a ter como destino final a deposição em aterro, embora camuflado por tratamento prévio de estabilização, que na verdade nada faz quanto à eliminação da perigosidade dos componentes orgânicos.
Aqui chegados, é tempo de mudar. A gestão sustentável de resíduos como fator chave de uma economia circular deve ser uma prioridade nacional. Exagero? Não. Somos um país pobre. Depositar resíduos em aterro é perder oportunidades de evolução tecnológica, de investimento, de criação de empregos. O atraso é muito e, portanto, só se a gestão de resíduos for uma prioridade é que o poderemos ultrapassar num curto espaço de tempo.
O XXIII Governo da República Portuguesa tem condições únicas, como nenhum outro Governo teve nas duas últimas décadas. Uma maioria absoluta no Parlamento, uma maioria na Associação Nacional de Municípios, fundos comunitários incluindo a famosa bazuca do Plano de Recuperação e Resiliência, cidadãos e empresas sensibilizados para a temática ambiental e para a urgência e a necessidade de mudar comportamentos.
Neste contexto, é possível acelerar e muito a mudança. Haja vontade política. Haja vontade de todos nós.
Este artigo foi publicado na edição 93 da Ambiente Magazine.