Resíduos perigosos: Como está Portugal?
Anualmente, Portugal produz cerca de um milhão de toneladas de resíduos urbanos perigosos, uma parte dos quais tem origem nas nossas casas. A partir de 2025, as regras para descartar resíduos perigosos domésticos vão mudar. É sobre estas mudanças e de como o nosso país se encontra no âmbito da recolha destes resíduos que nos vamos debruçar neste trabalho.
Afinal, como é que Portugal assegura a recolha seletiva de resíduos perigosos?
De acordo com Inês Gomes, representante da Associação Smart Waste Portugal, o país assegura a recolha seletiva de resíduos perigosos através de vários sistemas, como os dos fluxos específicos de resíduos, que permitem separar e encaminhar fluxos como baterias, óleos usados, equipamentos elétricos e eletrónicos lâmpadas fluorescentes, entre outros, e pelo qual a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) é responsável pela supervisão. Contudo, existem “outros resíduos domésticos perigosos que são hoje encaminhados juntamente com outros resíduos urbanos”, por “desconhecimento da população ou por falta de soluções dedicadas”, atenta.
São diversas as unidades de gestão de resíduos perigosos que existem em Portugal, como os Centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos (CIRVER), que estão sujeitos a legislação específica; os Operadores de tratamento de resíduos perigosos licenciados através do Regime Geral de Gestão de Resíduos, como no caso do tratamento físico-químico e da refinação de óleos; ou os Operadores de tratamento de resíduos perigosos licenciados através do regime de incineração e coincineração de resíduos. No caso dos CIRVER, Inês Gomes explica que são unidades integradas que usam as “melhores tecnologias e viabilizam soluções específicas para cada tipo de resíduos”, de forma a otimizar as condições de tratamento e a minimizar os custos. Estas soluções têm como destino o “aterro de resíduos perigosos ou a valorização energética em fornos de cimenteira”, o que poderá ser considerado como um “exemplo de sustentabilidade para o setor”, tratando-se igualmente de uma “solução pela qual optam diversos países europeus”, clarifica.
Apesar da gestão de resíduos perigosos ser um campo em constante evolução, a representante da Associação chama a atenção para a necessidade de se apostar numa “comunicação informada” sobre este tema, uma vez que ainda existe, talvez por desconhecimento, uma prática sistemática de “desclassificação de perigosidade” de alguns resíduos, o que poderá “acarretar consequências severas, não só para o ambiente, mas também para a saúde humana”.
Quando comparado com outros países, Portugal tem feito progressos significativos nos últimos anos na recolha e reciclagem de resíduos perigosos: “Mas, tal como muitos outros países, ainda enfrenta desafios para garantir a gestão segura e eficaz”. Aliás, a recolha e reciclagem de resíduos perigosos ainda apresenta alguns obstáculos e desafios como “a falta de conhecimento por parte do cidadão, que, por vezes, poderá não estar ciente dos perigos associados a determinados tipos de resíduos, ou da forma correta de os manusear e descartar”, exemplifica. Tal desinformação poderá levar à “criação de riscos ambientais e de saúde significativos”. Por outro lado, o “acesso limitado a instalações de recolha e descarte deste fluxo de resíduos” ou o “custo associado ao manuseio dos mesmos”, dificultando a correta e adequada deposição de resíduos para pequenas empresas são outros dos entraves. A este nível, soma-se também a “responsabilização direta do profissional que manuseia o resíduo, o que acontece, por exemplo, na Certificação Energética, e que não penaliza quem exerce atos com dolo e/ou negligência”, atenta.
O que vai mudar em 2025?
Inês Gomes dá nota que, até 1 de janeiro de 2025, as entidades responsáveis pelo sistema municipal de gestão de resíduos urbanos terão de disponibilizar uma rede de recolha seletiva para os resíduos urbanos perigosos, entre outras obrigações. Neste âmbito, serão estabelecidos pela APA “requisitos ou diretrizes de recolha seletiva específicos para os resíduos urbanos perigosos”, em particular para os “biorresíduos perigosos e para os resíduos de embalagens” que contenham “substâncias perigosas”, após auscultação dos setores com responsabilidades na matéria.
Tal como indica a responsável, quando ocorre uma alteração na regulação, são criados “requisitos para as empresas de gestão de resíduos e cidadãos seguirem”, sendo que, neste caso, o novo regulamento determina que o fluxo designado como “resíduos perigosos” tenha de ser recolhido separadamente. Tal fará com que “sejam descartados com segurança e responsabilidade”, enquanto “melhoramos a qualidade da restante fração de resíduos para valorização”, acrescenta.
Através da recolha seletiva de resíduos que assegura um destino final adequado para estes resíduos, pode-se também “desviar os mesmos da deposição em aterro, promover a reciclagem e valorização”, bem como “recuperar materiais” que ainda possuam valor económico, afirma. Por outro lado, esta mudança nos regulamentos também pode “contribuir para o aumento da consciencialização pública sobre a importância do descarte adequado de resíduos perigosos”, permitindo uma melhoria das taxas de recolha, precisa.
Esta mudança pode ser um incentivo para que se aumente a reciclagem e valorização, mas existem mais soluções que possam alavancar ainda mais os resultados desejados como “o desenvolvimento e implementação de planos de gestão de resíduos perigosos, que ajudem a garantir que estes são corretamente manuseados, armazenados, transportados e descartados, nos quais estejam identificados perigos e riscos inerentes, o estabelecimento de procedimentos para a gestão segura e eficiente dos mesmos”, exemplifica. Podem também ser “estabelecidos critérios de Responsabilidade Alargada do Produtor”,e que exigem que “os produtores de certos produtos perigosos assumam a responsabilidade pela gestão desses produtos ao longo de seu ciclo de vida”, acrescenta.
A aposta na Investigação e Desenvolvimento de tecnologias inovadoras é também uma solução defendida por Inês Gomes, algo que pode permitir, por exemplo, a recuperação de materiais valiosos contidos nestes produtos ou a conversão em produtos menos prejudiciais.
Tão importante é a “literacia do setor e o jornalismo informado” que poderão também atuar como “voz da mudança”, pois podem “expor questões que precisam ser abordadas e mobilizar a opinião pública em torno de temas importantes”. Ainda assim, para se ser efetivo, é fundamental que se “forneça aos cidadãos o conhecimento necessário para tomar decisões informadas e agir em conformidade”, atenta, acrescentando que “podem e devem ser trabalhadas campanhas ou programas de educação e consciencialização sobre a temática, que informem os cidadãos, empresas e profissionais de gestão de resíduos sobre a importância desta correta gestão e sobre locais onde estes podem ser depositados”.
VALORMED quer um sistema de Responsabilidade Alargada do Produtor para os resíduos corto‐perfurantes
A VALORMED, Sociedade Gestora de Resíduos de Embalagens e Medicamentos, enquanto responsável pela gestão dos resíduos de embalagens vazias e medicamentos fora de uso ou de origem doméstica através do SIRGREM (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens e Medicamentos), assegura a recolha de uma “quantidade muito significativa de resíduos” anualmente que, sendo “indevidamente depositados nos contentores, não fazem parte do âmbito de gestão da licença que nos está atribuída pelo Estado Português”, explica Luís Figueiredo. Em 2022, de um total 1 278 de toneladas de resíduos recolhidos e tratados, o diretor-geral da VALORMED dá nota que foram separadas 8,7 toneladas de outros resíduos, que não embalagens e medicamentos fora de uso e de prazo: “Destas, 4,5 toneladas corresponderam a resíduos do grupo IV, como “agulhas, seringas com agulhas e outro material cortoperfurante contendo vestígios de natureza biológica (p.e., sangue), que segregamos e encaminhamos para operadores adequados para procederem ao seu tratamento, suportando todos os custos desta operação”.
Segundo o responsável, em Portugal, são produzidos diariamente, pelos doentes nos seus domicílios, uma “grande quantidade de resíduos associados ao uso de equipamentos e dispositivos corto-perfurantes para controlo das suas doenças crónicas ou administração de medicamentos injetáveis prescritos”, como por exemplo, no caso da diabetes: “Estes doentes não têm forma de eliminar de uma forma segura os diversos materiais de origem doméstica que utilizam no tratamento e auto-controlo da sua doença, achando que será mais seguro depositá-los num contentor da VALORMED ao invés de o fazerem no lixo comum”, refere.
Aos “cidadãos mais esclarecidos”, Luís Figueiredo reconhece que lhes “custará muito” deitar esses tipos de resíduos no lixo comum, mas, por outro lado, “as farmácias não os recolhem (nem lhes cabe tal responsabilidade)”, assim como “os hospitais ou outras unidades e centros de saúde locais o fazem”, pois trata-se de um “tratamento com custos significativos que não podem nem têm de suportar”. Contudo, “a VALORMED não pode aceitar a manutenção desta situação que, como foi referido, utiliza recursos financeiros da sociedade que deveriam ser direcionados para outros fins”, clarifica o responsável.
À excepção de França, onde existe um “sistema de recolha e tratamento de materiais corto-perfurantes gerido pela Dastri”, em cujo modelo se baseou Portugal para implementar um sistema idêntico em Portugal, Luís Figueiredo refere que não conhece outros países onde esta recolha específica de âmbito nacional seja feita. O diretor-geral da VALORMED não deixa de chamar a atenção para quando estes resíduos são depositados no lixo doméstico comum e vão parar aos sistemas intermunicipais: “O lamento destes só pode ser enorme, pois, e de acordo com a informação obtida, a sua mistura com os restantes resíduos retiram a qualidade aos que recolhem, os quais, em vez de serem encaminhados para processos de reciclagem (e não o são porque contêm vestígios de natureza biológica, não aceites pelos retomadores), acabam por ser depositados nos aterros”.
Esta é uma situação que constitui um “enorme risco” não apenas para os “trabalhadores dos setores dos resíduos”, mas também para os “profissionais dos serviços de saúde” e, também para a população, dado que muitas vezes provoca picadas ou cortes acidentais.: “Já por diversas vezes fomos confrontados com este tipo de acidentes durante o processo de separação e classificação dos resíduos recebidos pela VALORMED que, felizmente, não trouxeram consequências, mas obviamente causaram grande apreensão e preocupação”.
Em relação às regras que estão previstas mudar em 2025, o diretor-geral da VALORMED levanta a pergunta: “Vamos aguardar [até lá] para que alguma coisa seja feita? Penso que será um enorme erro, até porque há entidades, como a VALORMED, que estão disponíveis para avançar desde já para dar solução a algumas fileiras de resíduos classificados como perigosos”.
Já manifestada a vontade e o empenho por parte da VALORMED e os seus sócios em dar resposta ao grave problema associado aos materiais corto-perfurantes de origem doméstica, Luís Figueiredo refere que já foi entregue à Secretaria de Estado de Ambiente e Energia uma “proposta de caderno de encargos” para a criação de um sistema de Responsabilidade Alargada do Produtor para estes produtos: “Até à data, muito poucas notícias recebemos do desenvolvimento deste assunto”.
O diretor-geral da VALORMED apela para que seja “avaliado com urgência o Caderno de Encargos” apresentado, passando-se à sua discussão técnica: “A disponibilidade dos promotores da proposta é total, pelo que falta apenas que seja dado o passo e sinal desejado para se implementar este sistema e, assim, ultrapassar os efeitos deste grave problema de saúde pública”.
Com vista a dar resposta à necessidade de existir uma solução à escala nacional que resolva a situação exposta, o responsável refere que a APIFARMA (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica) promoveu a “elaboração de um caderno de encargos, que propõe a criação de um sistema integrado para a gestão de resíduos corto‐perfurantes provenientes da atividade de prestação de cuidados de saúde em regime de autotratamento”, que tenha a VALORMED como sociedade gestora: “Temos um conhecimento privilegiado do setor dos resíduos dos medicamentos, adquirido ao longo dos anos, o que permite implementar sem dificuldade um sistema de gestão de resíduos corto-perfurantes como o que foi proposto”.
*Este artigo foi incluído na edição 99 da Ambiente Magazine