O setor dos resíduos não escapou aos impactos da pandemia da Covid-19 que marcou drasticamente o ano de 2020 a todos os níveis. Os desafios para o futuro são vários e bastante desafiadores. Mesmo em tempo pandémico, os resultados foram cumpridos? Que respostas imediatas foram precisas serem dadas? Como se perspetiva o futuro? Estas foram algumas das questões que a Ambiente Magazine levantou a várias entidades do setor dos resíduos.
[blockquote style=”1″]O setor dos resíduos em Portugal e o futuro[/blockquote]
Para Rui Silva, administrador da Suldouro, o percurso que Portugal tem feito nos últimos 20 anos é notável, tendo permitido ao país estar “num nível bastante alinhado” com os restantes países Europeus. No entanto, ainda há muito a fazer para atingir as metas definidas pela União Europeia para 2030: “Está a ser definido o PERSU2030, a que se seguirá a definição das medidas e investimentos necessários para atingir essas mesmas metas”. Além disso, a informação e sensibilização da população é um fator essencial para que as metas ambientais sejam atingidas: “A comunicação e a informação, requer um esforço constante e perdurável no tempo para que seja eficaz”. E o que falta ao país? Para Rui Silva, falta uma “maior integração de todos os agentes” que intervêm no tratamento e valorização de resíduos, desde os decisores políticos, à regulação do setor, aos municípios, aos sistemas de tratamento e aos cidadãos, no sentido de serem definidas “estratégias de longo prazo”. Para o responsável, a “articulação proativa” destes intervenientes é fundamental: “Só desta forma será possível a definição de tarifas de tratamento justas e estáveis que permitam realizar os investimentos necessários”. E, nestas matérias, o responsável não tem dúvidas de que os líderes políticos têm um papel fundamental, essencialmente, na definição de “políticas equilibradas e equitativas”, não podendo apenas se guiar por diretivas Europeias, e “definir políticas de longo-prazo assentes em critérios técnicos e adaptadas à realidade do país e atendendo às suas desigualdades”.
O futuro é visto como desafiante: “As metas a que as empresas de tratamento e valorização de resíduos estão obrigadas são muito exigentes”, pelo que é necessário um “envolvimento de todas as partes”, em especial entre os “sistemas de tratamento”, os “municípios” e os “cidadãos”. Mas o compromisso existe: “Os sistemas de tratamento estão focados nos seus objetivos e com o positivismo que se impõe. Perspetiva-se um futuro exigente mas com um melhor ambiente”.
[blockquote style=”2″]Falta visão estratégica de natureza abrangente, integrada e transversal[/blockquote]
Do lado da ESGRA, Paulo Praça reconhece que “há muito trabalho feito e bem feito”, mas também existe uma “certa estagnação” em termos de resultados, destacando a necessidade de uma “mudança de paradigma” e “adoção de soluções mobilizadoras e claras”, dando como exemplo os países da União Europeia onde as “taxas de reciclagem são mais elevadas” e a “deposição em aterro mais baixa”. Desta forma, “não se compreende o verdadeiro tabu” que se criou sobre esta questão: “Não deve ser encarada como uma solução única mas parte da resposta ao problema nacional que temos com quase 60% de deposição de resíduos em aterro quando, em poucos anos, teremos de atingir uma meta de 10% da deposição total de resíduos em aterro”, alerta. Para Paulo Praça, falta “capacidade de ação” e de “mobilização da sociedade” sobre a importância da forma como se consome e se gere as necessidades e, em especial, como se tratam os resíduos. Além disso, falta “frontalidade para encarar com pragmatismo os problemas” que o setor enfrenta, reforça. Depois, há a necessidade de uma “visão estratégica de natureza abrangente, integrada e transversal” sobre a produção e gestão de resíduos: “Na verdade, para que se possam cumprir objetivos e atingir metas é preciso que seja interiorizada e concretizada a adoção de medidas de natureza transversal”. E o futuro? Paulo Praça olha-o com apreensão: “Mas continuo a acreditar que, em conjunto com todos os stakeholders do setor, haverá capacidade de atuação conjunta em prol de um futuro mais auspicioso e de maior confiança que naturalmente todos desejamos”.
[blockquote style=”2″]Não (se) pode desperdiçar os apoios comunitários em projetos que não sejam rentáveis[/blockquote]
Já a Lipor coloca “imensas dúvidas” no caminho que está a ser definido pelo Governo e pela Administração Central para o setor dos resíduos: “Preocupamo-nos imenso com a ́ incineração` e quase nada dizemos sobre os “aterros`. Basta olhar para a Holanda, Dinamarca e Alemanha ou Áustria, para ver como tudo é diferente”. Para Aires Pereira, há muita “teoria académica e conhecimento de gabinete” e “pouco conhecimento da realidade do país” e “diálogo com os atores principais”, quer sejam os cidadãos, as autarquias ou os sistemas de gestão de resíduos. A Portugal, falta ser “consequente na prática com tudo o que define em legislação” e, também, perceber que a “união de esforços” e “iniciativas” entre as autarquias e os sistemas de gestão de resíduos são fundamentais:” Quem é responsável por recolher e quem trata os resíduos terão de estar intimamente articulados”, atenta. Depois, é preciso “desburocratizar e sem artifícios”, que os Sistemas de Gestão de Resíduos possam “partilhar as suas centrais”, de modo a “otimizar-se a capacidade de valorização” do país. Também a falta de “planeamento” e de “controle” são pontos que devem ser tidos em conta: “O país, que é parco em recursos, não pode desperdiçar os apoios comunitários em projetos que não sejam rentáveis e nalguns casos até viáveis”, alerta. Já sobre a legislação, Aires Pereira chama a atenção para a “falta de diálogo” entre os vários “níveis de decisão” e, também, “premiar devidamente” as boas práticas e quem cumpre. Relativamente aos líderes políticos, o presidente da Lipor reconhece a falta de “conhecimento das especificidades do setor”, para tomarem as decisões certas e a sociedade, falta “protagonismo” e “maior intervenção cívica”, declara. Já o futuro, esse não será “risonho” e as razões são claras: “Crise pandémica, crise financeira e o próprio contexto do nosso país,como “periférico” e sem os recursos naturais que outros dispõem”. Do ponto de vista do responsável, os próximos cinco anos serão “duros” e, talvez, só “após o ano 2025” se comece de novo o “alinhamento com a Europa desenvolvida”.
[blockquote style=”2″]Setor dos resíduos tem a capacidade e a competência para liderar[/blockquote]
Marta Neves não tem dúvidas de que o futuro do setor na gestão dos resíduos é exigente, mas imprescindível: “As metas ambientais definidas pela União Europeia obrigam-nos como país, a iniciar novos fluxos, a aumentar significativamente a reciclagem seletiva, a reduzir a deposição em aterro, a aumentar a prevenção”. Tal só se consegue olhando para a economia circular como um “esforço de todos”, afirma. E continuar a olhar para as empresas de gestão de resíduos como os únicos responsáveis por metas ambientais não é solução: “Obviamente, temos um papel importante no caminho que temos que percorrer, com responsabilidades e obrigações para as quais nos devemos preparar, mas não devemos ser os únicos, devendo todo o ciclo ter objetivos claros, mensuráveis e avaliáveis, com consequências no caso de incumprimento”. Para a presidente da Comissão Executiva da Valorsul, há também uma “reflexão” que urge ser feita ao financiamento do setor, diversificando as suas fontes, sendo “preocupante a pressão que se verifica sobre a tarifa municipal” e que tenderá a “agravar-se” face às metas ambientais que estão em causa. A responsável acredita que o setor tem a “capacidade” e a “competência para liderar” em termos de inovação e melhores práticas, colocando Portugal como um exemplo. No entanto, para que tal aconteça, Marta Neves destaca a necessidade da política setorial e da regulação serem, “claras”, “mais previsíveis” e “ambiciosas”, criando “condições para que as empresas tenham a capacidade e os meios para liderar o movimento” de um país mais sustentável.
[blockquote style=”2″]Aposta na inovação, no desenvolvimento e na investigação permitirá às empresas estarem na linha da frente[/blockquote]
Quando se olha para os “novos desafios”, Ana Isabel Trigo Morais afirma que há muito por fazer, não parte do cidadão, como, também, do próprio setor de gestão de resíduos”. Para a CEO da SPV, o setor dos resíduos em Portugal tem de “aprender a trabalhar em parceria”, acreditando que só assim será possível “funcionar em pleno” e “traduzir os esforços conjuntos em resultados positivos”. Quando se “trabalha na economia em recuperação da Covid-19”, a responsável declara a necessidade de se continuar desenvolver “iniciativas e ações” que permitam a Portugal “otimizar processos de recolha seletiva e reciclagem”. Para tal, atenta, tem de existir uma” política clara, estudada e estruturada”, baseada em “incentivos à transformação verde” em todas as áreas de atividade. Além disso, Ana Isabel Trigo Morais sublinha a importância de se incentivar as empresas com a “mobilização de fundos europeus”, que alavanquem a sua “transição”, criando “oportunidades de capacitação das mesmas para questões como a inovação”, a “definição de novos modelos de negócio”, ou a “conceção e logística”. Assim, a aposta na “inovação”, no “desenvolvimento” e na “investigação” permitirá às empresas estarem na “linha da frente” em matéria de soluções na área da sustentabilidade, sustenta. Quanto aos políticos, cabe-lhes a “promoção” e o “envolvimento” de todos os stakeholders do setor num objetivo comum: “Desburocratizar e simplificar as políticas para que se cumpram os objetivos de sustentabilidade ambiental”. E isso implica uma “visão integrada” para os resíduos em Portugal, proporcionando “segurança jurídica e administrativa” para que possam “cumprir a sua missão de supervisão de forma eficiente e célere”. Quanto ao futuro, “entramos no ‘ano zero’ do Pacto Ecológico Europeu e o país tem de criar condições para uma reindustrialização verde assente na inovação, na transição digital e na neutralidade carbónica”, considera a responsável. Do ponto de vista da responsável, o setor dos resíduos poderá ter um “papel essencial” para alavancar “novos negócios” que serão indispensáveis para a retoma da economia nacional e europeia: “Face a um ano tão diferente como 2020, o mundo já não é o mesmo e a próxima década acarreta ainda mais desafios do que os anteriormente previstos”. Ana Isabel Trigo Morais lembra que os desafios já “não são novos” mas estão agora “ampliados” como consequência de um “ano duro e incerto” ao qual “continuamos a ter de nos adaptar”, não só para “garantir o cumprimento de metas de reciclagem mais exigentes” mas, também, para “encontrar abordagens mais disruptivas”.
[blockquote style=”2″]O novo quadro regulatório traz muitos desafios e novidades, mas vejo-o como um passo na direção certa[/blockquote]
Ricardo Neto nota que falta a Portugal “pragmatismo, menos burocracia e acima de tudo a criação de regras” que sejam implementáveis: “É contraproducente traçarem-se regras que acarretam controle excessivo se não se consegue ser colocado em prática esse controle, o que faz com que uns cumpram e outros não, colocando em causa a transparência que defendemos”. Entre diversos papéis, os líderes políticos tomam decisões que, para o responsável, devem ser suportados nas “realidades, culturas e infraestruturas existentes”, atendendo ao que de “melhor se faz no exterior” e garantindo o “menor custo para os consumidores e cidadãos”. Já a sociedade, deve “aderir e aceitar” que o planeta é único: “Todos temos o nosso papel, sendo o gesto de todos importante, independentemente da sua dimensão”. O presidente da Novo Verde olha para o futuro com muito otimismo: “O novo quadro regulatório traz muitos desafios e novidades, mas vejo-o como um passo na direção certa”.
[blockquote style=”2″]Só em concorrência procuramos a eficiência e a otimização de recursos[/blockquote]
Na área dos REEE e dos RPA, Portugal está num bom caminho, relativamente a outros países europeus. No entanto, Rosa Monforte nota que falta ao país “legisladores com maior conhecimento de terreno”, para poderem de uma forma consciente “traçar regras exequíveis e equitativas”, que tragam “transparência ao setor” e “benefícios aos consumidores e ao ambiente”. E a tentativa de “controle excessivo” por parte das autoridades traz muitas vezes “ineficiência e limitações” ao sistema, deixando de lado o que é facto premente controlar, como por exemplo, o “mercado paralelo e informal”. Apesar de “excessivamente burocratizado”, a diretora-geral da ERP Portugal reconhece que se têm feitos esforços no sentido de “modernizar” o setor e garantir uma “melhoria na qualidade dos serviços prestados por todos os intervenientes”, o que para tal, muito tem contribuído a concorrência entre entidades gestoras: “Só em concorrência procuramos a eficiência e a otimização de recursos”. Relativamente ao futuro, a responsável diz que será “dificil” mas, também, promissor: “Acreditamos que passo a passo chegaremos longe mas temos todos de seguir o mesmo caminho, com a mesma ambição”.
“Mais do que reciclar é preciso reduzir, recusar, reutilizar, recuperar e renovar”
Para Ana Matos, o grande problema na gestão de REEE prende-se com o “mercado paralelo” que dificulta a “obtenção de melhores resultados”, ou seja, “quando o consumidor deixa um equipamento elétrico”, em vez de o “entregar num ponto de recolha”, o “mais provável” é que esse resíduo seja “canalizado para o mercado paralelo” por intermédio dos designados “arrebanhadores” dado o valor associado, atenta. Para a responsável pela comunicação do Electrão, a prática destes agentes, que se “antecipam aos serviços de recolha municipalizados”, representa um “grande prejuízo” para o “ambiente”, para os “operadores especializados de tratamento” e para os “objetivos a que as entidades gestoras estão vinculadas nas suas licenças”. A responsável não tem dúvidas que há ainda um “longo caminho” a percorrer, sobretudo no “caso do fluxo específico” que constituem os “resíduos eléctricos usados”. E nestas matérias, o Electrão defende, por exemplo, que passe a ser “proibido” misturar equipamentos eléctricos usados com outros resíduos e que existam “sanções” e um “reforço de fiscalização”, tanto em relação a particulares, como a empresas. Também, atenta a responsável, deveria igualmente ser proibida a “colocação de equipamentos elétricos usados” ou “outro tipo de resíduos volumosos à porta, por parte do consumidor”, sem que se tivessem sido “previamente requeridos” os serviços de “recolha de monstros” ao respetivo município. Ana Matos considera ainda a importância de se “fiscalizar” e “sancionar” os intervenientes da cadeia de valor do mercado paralelo, mas, também, os “operadores de gestão de resíduos”, alguns dos quais “deliberadamente” promovem a “desclassificação de equipamentos elétricos a resíduos ferrosos e não ferrosos”, inviabilizando o “correto tratamento destes equipamentos”. A responsável não tem dúvidas de que os resultados dependem de todos: “Se cada um dos agentes desta abrangente cadeia de valor cumprir o seu papel com responsabilidade é possível perspectivar o futuro com otimismo”. Ainda assim, lembra a Ana Matos, a reciclagem já não responde ao modelo económico que se vive: “Precisamos de uma participação muito mais ativa de outros intervenientes do ciclo de vida dos produtos, quer para estender o respetivo período de vida útil durante a fase de consumo, quer para prevenir o consumo e, consequentemente, a produção de resíduos”. Desta forma, “mais do que reciclar” é preciso “reduzir, recusar, reutilizar, recuperar e renovar”, atenta.
[blockquote style=”2″]Não basta idealizar e expressar as intenções[/blockquote]
Em matérias de valorização de pneus usados, Portugal foi dos primeiros países da Europa a legislar nesse sentido, não existindo uma diretiva europeia específica para os pneus em fim de vida. Quem o diz é Climénia Silva que não tem dúvidas de que a Valorpneu e Portugal têm sido uma “referência” neste domínio. A diretora-geral da Valorpneu nota, contudo, que em termos gerais falta “planeamento, organização e uma gestão correta” dos recursos disponíveis e que em Portugal são escassos. Desta forma, a responsável afirma que os líderes políticos têm um “papel determinante” na definição de políticas e na disponibilização de mecanismos para as concretizar: “Não basta idealizar e expressar as intenções. É necessário que essas intenções saiam do papel”. Além disso, acrescenta a responsável, é também necessário “consciencializar, desenvolver enquadramento legal, criar políticas de financiamento e de incentivo fiscal, promover a inovação, reestruturar setores de atividade, incentivar novos modelos de negócio e impulsionar a circularidade da economia”. Já a sociedade tem que ser mais “consciente, participativa e atuante”, refere. Quanto ao futuro, Climénia Silva acredita que será de “maior rentabilização dos recursos”, voltado para a “utilização e partilha dos bens” em lugar da sua posse. E a sociedade será cada vez mais “preocupada” com a “natureza”, o “ambiente” e o “bem estar”, remata.
*Este artigo foi publicado na edição 86 da Ambiente Magazine.