O setor dos resíduos não escapou aos impactos da pandemia da Covid-19 que marcou drasticamente o ano de 2020 a todos os níveis. Os desafios para o futuro são vários e bastante desafiadores. Mesmo em tempo pandémico, os resultados foram cumpridos? Que respostas imediatas foram precisas serem dadas? Como se perspetiva o futuro? Estas foram algumas das questões que a Ambiente Magazine levantou a várias entidades do setor dos resíduos.
Constituída em 1965, a Suldouro tem como acionista maioritário a EGF (Empresa Geral do Fomento), que detém 60% do capital social, estando os restantes 40% repartidos pelos municípios de Vila Nova de Gaia (25%) e de Santa Maria da Feira (15%). Segundo os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), a concessionária de tratamento e valorização dos resíduos urbanos desenvolve a sua atividade numa área geográfica de 384 km2 e serve 440 mil habitantes.
Apesar de 2020 ter sido um “ano atípico”, Rui Silva, administrador da Suldouro, revela que foi um “ano positivo” no sentido em que a “quantidade recolhida dos resíduos recicláveis” aumentou: “Este crescimento resulta de investimentos que têm vindo a ser concretizados cofinanciados pelo POSEUR (Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos) na aquisição de novas viaturas, contentores de recolha porta-a-porta e campanhas de sensibilização”. Ainda assim, “não é possível” determinar se as “metas ou objetivos” foram realmente cumpridos, assim como o “impacto económico que se materializará” no “aumento dos custos” e na “perda de receitas” da Suldouro, refere.
Questionado sobre como é que se responde a uma pandemia, o engenheiro Rui Silva começa por evidenciar que a Suldouro assegurou a “continuidade” e a “atividade de recolha” e o “tratamento de resíduos” ativando o seu plano de contingência para pandemias e cumprindo, na sua área concessionada, as “orientações” e as “recomendações” emitidas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em conjunto com a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e em articulação com a Direção-Geral de Saúde (DGS). Das orientações e recomendações, o administrador destacou a “garantia de funcionamento dos aterros sanitários; aumento da frequência de higienização das viaturas de recolha; desfasamento de turnos; quarentena dos resíduos recicláveis, recolhidos seletivamente, num período de armazenagem de 72 horas, prévio ao seu processamento, na unidade de triagem ou em área que reúna condições mínimas necessárias ao seu armazenamento”. Para o responsável, todas as medidas se revelaram essenciais no controlo dos fatores de risco de contaminação” pela Covid-19, associados à gestão de resíduos. Rui Silva evidencia que assegurar o “serviço essencial prestado à população” num contexto de pandemia, a “continuidade do cumprimento do plano de investimento” e a “ampliação da recolha de seletiva porta a porta” foram os “grandes desafios” de 2020.
[blockquote style=”2″]A solução não pode ser outra senão gerir todos os resíduos, independentemente da tipologia[/blockquote]
Fundada em 2009, a ESGRA (Associação para a Gestão de Resíduos Urbanos) tem como missão a “promoção dos interesses dos seus associados” no âmbito da “gestão e tratamento de resíduos”, bem como o seu “desenvolvimento estratégico” e no “domínio da investigação de recursos” que “preservem e potenciem o país como um território de desenvolvimento socioeconómico e ambiental”. Desde a sua criação que a ESGRA tem procurado firmar o seu papel como stakeholder com “relevância e credibilidade” ao nível da sua participação na reflexão de vários instrumentos de política pública.
Paulo Praça, presidente da ESGRA, olha para 2020 como um ano “extremamente difícil” para o país e para o mundo e especialmente “desafiante para os setores de atividade que prestam serviços de interesse público” como é o caso da “gestão de resíduos urbanos”. No entanto, ao nível das “exigências” para combater a crise sanitária, que obrigaram o setor a “adotar um conjunto de medidas”, de modo a assegurar que os “resíduos continuassem a ser geridos não só em condições de segurança para a população mas para todos os trabalhadores”, o balanço foi bastante positivo. O setor dos resíduos manteve a “regularidade e segurança” da prestação deste serviço público e, num contexto particularmente “exigente, inesperado e de contornos” nunca antes vividos, revelou-se “extremamente resiliente e organizado”. 2020 foi também marcado por um “conjunto de dificuldades acrescidas,” para além das que resultaram da crise sanitária, atenta o responsável, dando como exemplo a “paragem de algumas instalações”, a “deposição direta em aterro de resíduos” ou o “aumento substancial de custos”. Paulo Praça alerta que tais dificuldades resultaram, essencialmente, da “ausência de um quadro regulamentar claro”, algo que também se refletiu em “constrangimentos muito complexos” e em “interpretações variáveis” sobre o que em “diferentes momentos se considerava “estar ou não incluído em diferentes tipologias de resíduos urbanos”. Estes “constrangimentos” e “interpretações” já existiam no pré-crise e agravaram-se: “A verdade é que a partir do momento em que são colocadas nas áreas de referência de cada sistema, a solução não pode ser outra senão gerir todos os resíduos, independentemente da tipologia”. Além disso, o quadro regulamentar peca pela “falta de estabilidade”: “O setor está muito preocupado com o rumo da situação, nomeadamente com o aumento anunciado da Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) e que se veio a concretizar, o que, para nós, é incompreensível nesta fase, bem como a forma como foi gerido todo este processo, desconhecendo-se o racional dos valores propostos”. Sendo reconhecido que, em Portugal, os “valores atuais não são elevados” e que a “TGR precisava de ser revista”, o responsável considera que, “por si só, o seu aumento apenas agrava a situação dos municípios” e, por conseguinte, dos “cidadãos”. Além disso, o aumento acontece no “pior contexto possível”, onde os municípios estão “assoberbados na resposta social à crise”, sem que se tenha “introduzido outros instrumentos ou medidas que constituam verdadeiras alternativas” ao estado atual da situação de “deposição muito elevada em aterro”, refere. Desde a criação da TGR que “pouco ou nada das receitas arrecadadas ao setor de gestão de resíduos reverteram em investimento no sistema de gestão de resíduos urbanos”, pelo que “menos se compreende que uma medida justificada” por razões ambientais apenas incida na “tributação de receita para o Estado”, atenta. Outra questão que o setor vinha a alertar nos últimos dois anos prendia-se com a “necessidade” de uma “ponderação” e “adoção” de medidas adequadas sobre a “remuneração” ao setor pela “produção de energia a partir dos resíduos”, uma vez que em “2020 terminaria o regime de remuneração bonificada”, sendo que o “impacto desta receita no sistema elétrico era mínimo para o setor elétrico nacional”, mas “muito importante” para a “sustentabilidade do setor dos resíduos urbanos”. Sobre esta matéria, Paulo Praça lembra que o Governo optou por uma “medida que não só ameaça a sustentabilidade dos sistemas de gestão de resíduos que mais contribuem para o cumprimento das metas do país”, como optou por uma “medida que não tem natureza estrutural” e “cria desigualdades entre as entidades do sistema” através do “recurso de verbas do Fundo Ambiental, desvirtuando os seus próprios fins”.
No combate a uma pandemia de “contornos e dimensões” totalmente “inesperadas e sem precedentes”, Paulo Praça diz que não há propriamente uma “fórmula” mas o setor dos resíduos tem demonstrado “capacidade de resposta” e “organização capaz de assegurar a prestação do serviço” à comunidade sem “grandes alterações ou flutuações e com normalidade”. No caso da ESGRA, a associação procurou acompanhar as necessidades dos associados, de modo a procurar, através de todos os meios, “agilizar respostas em tempo útil” e “facilitar também o trabalho das entidades públicas competentes” com quem têm procurado “estabelecer parcerias de trabalho” de forma “construtiva” e “muito empenhada”.
[blockquote style=”2″]O setor dos resíduos nunca parou[/blockquote]
A Lipor, enquanto Associação de Municípios, agrega Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde, “uma região com mais de um milhão de habitantes que geram anualmente cerca de 530 mil toneladas de resíduos urbanos”. De forma a gerir as “quantidades de resíduos”, a Lipor dispõe de um Centro de Triagem, uma Central de Valorização Orgânica, uma Central de Valorização Energética e plataformas onde pré-prepara materiais para reciclagem, para valorização orgânica e para objetos de grandes dimensões para destruição ou tratamento.
Aires Pereira, presidente da Lipor, avalia 2020 como um “ano muito atípico”, dando nota das dificuldades que a pandemia provocou para a laboração das Centrais. Além disso, a pandemia exigiu a ativação dos “Planos de Contingência” para evitar contágios em “operários e técnicos”, resultando no “aumento” dos “custos operacionais em equipamentos de proteção individual” ou em “horas extraordinárias” para os trabalhadores: “Ao contrário do que seria expectável, produziram-se mais resíduos e houve que diminuir ao horário de turnos para se promoverem desinfeções e limpezas mais frequentes dos locais de trabalho. Tivemos que assegurar a manutenção de todas as áreas aos fins-de-semana”. Aires Pereira quis deixar bem claro que o setor dos resíduos “nunca parou” e esteve também na “linha da frente” na luta contra a pandemia, garantindo a “salubridade das cidades e vilas”, recolhendo e tratando todos os resíduos produzidos.
Em “ano atípico”, a Lipor atingiu e superou as metas que lhe tinham sido fixadas nas retomas com origem em recolhas seletivas (58,34 kg por habitantes por ano) e na preparação para reutilização e reciclagem (39,4%), bem como na deposição em aterro (1,47%).
Para além da duplicação do valor da TGR, Aires Pereira destaca outros desafios “desagradáveis e totalmente evitáveis”, como foi o caso da “obrigatoriedade de liquidação” da CESE (Contribuição Extraordinária do Setor Energético) e a “diminuição progressiva” da Tarifa de Venda de Eletricidade à Rede Elétrica, que “parte de um valor bonificado em 2021” e que ficará em 2025 no “valor de mercado”, ou seja, a metade do valor atual (80€/Mwh em 2020 e 40€/Mwh em 2025)”. Ainda assim, o ano 2020 também teve desafios positivos: “A intensa cooperação da Lipor com as Câmaras Municipais associadas permitiu crescer nos nossos valores de reciclagem, de valorização orgânica e na produção de materiais”, destaca
[blockquote style=”2″]É importante que 2021 seja um virar de página em termos de política setorial[/blockquote]
Com mais de 25 anos de história no tratamento de resíduos, a Valorsul é responsável pelo tratamento e valorização de cerca de 20% de todo o lixo doméstico produzido em Portugal, vindo de 19 municípios das regiões de Lisboa e Oeste. A empresa assegura também a “recolha seletiva” de perto de “4700 ecopontos”, sendo vários os “produtos que resultam do tratamento de resíduos”, entre eles os “corretivos orgânicos” e a “energia”.
Para Marta Neves, presidente da Comissão Executiva da Valorsul, não só 2020 foi um ano desafiante a todos os níveis assim como 2021 o está a ser: “Tivemos que readaptar processos de trabalho, responder à necessidade de continuar a prestar um serviço essencial apesar de uma ameaça permanente”. Manter os trabalhadores e as famílias protegidos e em segurança foi um dos focos da Valorsul: “Mantivemos um rigoroso plano de contingência com um enorme foco na comunicação interna e na aplicação de medidas de prevenção”. Para a responsável, o esforço de toda a equipa foi merecedor de vários elogios: “Foi muito bom ver o reconhecimento que foram tendo nas redes sociais ou em mensagens nos ecopontos”. Marta Neves reconhece que o principal desafio centrou-se em ter a “capacidade” de não serem “completamente absorvidos” pela pandemia e, assim, continuar a “desenvolver a atividade em pleno”, nomeadamente ao nível da “execução dos investimentos” a que se tinham proposto. E se a pandemia teve um “forte impacto nos resultados”, em particular, ao nível das receitas, 2020 trouxe também boas notícias: “Inauguramos duas novas instalações: uma nova linha de embalagens, no Lumiar, e a Compostagem de Verdes, na Amadora”. Além disso, “aumentamos a recolha seletiva” nos municípios onde as equipas operam e “iniciámos uma nova recolha na Amadora”. Em 2020, a Valorsul levou a cabo uma “grande manutenção”na Central de Valorização Energética, com mais de 500 trabalhadores externos, e, ainda, a grande campanha de sensibilização ambiental – “O futuro do Planeta não é Reciclável” – lançada em consórcio com outras empresas do Grupo EGF (Environment Global Facilities): “Terminamos o ano com o sentimento de dever cumprido”, diz.
A regulamentação económica do setor dos resíduos foi também um desafio decorrente ao longo do ano: “Foi pautado por um enorme peso desta área, o que, a todo o custo, deve ser evitado, sob pena da regulação se tornar um fator de forte risco e um constrangimento à gestão das empresas”. Já em termos de política setorial, Marta Neves chama a atenção para os “impactos ao nível do SIGRE (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens)”, as “incertezas quanto às receitas que são fixadas administrativamente” e, também, ao “reconhecimento do impacto da pandemia” na avaliação das metas ambientais e TGR-NR: “É importante que 2021 seja um virar de página e se ultrapassem estas fragilidades”.
[blockquote style=”2″]Adaptação ao nível digital para manter os projetos previstos[/blockquote]
A Sociedade Ponto Verde (SPV) tem como missão organizar e gerir a retoma e valorização de resíduos de embalagens, promovendo a economia circular através da implementação do SIGRE. E a sensibilização e a educação para as melhores práticas ambientais são um dos grandes objetivos da empresa.
Para, Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, a pandemia da Covid-19 alterou os “planos” e “objetivos” de todas as empresas e setores de atividade, sendo que os resíduos não foram exceção: “Tivemos de nos adaptar procurando manter a nossa atividade e a proximidade para com os portugueses com o intuito de garantir os melhores resultados possíveis num ano em que tudo estaria em aberto”. No que à reciclagem diz respeito, os resultados revelam que “mais de 329 mil toneladas de embalagens, provenientes da recolha seletiva”, foram enviadas pela SPV para reciclagem em 2020: “Um aumento de 9% face ao período homólogo do ano passado”, refere. Mesmo com as “adversidades” causadas pela pandemia, como o “encerramento dos estabelecimentos HORECA” e o “maior consumo dentro de casa”, Ana Isabel Trigo Morais afirma que os resultados da “recolha seletiva” ao longo de todo o ano foram positivos. No entanto, o país tem, atualmente, um enorme desafio pela frente no que diz respeito à “gestão de resíduos global e às suas metas”, impostas pela Europa, não apenas nas “embalagens”, mas, acima de tudo, da “reciclagem dos resíduos orgânicos” que constitui a “maior fração” dos “resíduos urbanos indiferenciados”.
Aquela que foi a “maior preocupação” da SPV na resposta à pandemia foi, sobretudo, “manter o sistema de gestão de resíduos a funcionar” com a “maior eficiência para o consumidor” e “assegurar segurança para todos aqueles que nele trabalham”. Na operação relativa à “reciclagem das embalagens” e “recolha seletiva” foi crucial contar com o apoio de todos os parceiros locais, municípios, sistemas municipais e indústria de reciclagem: “Só assim foi possível, na generalidade, manter bons níveis de operacionalidade na recolha seletiva”, declara. Ana Isabel Trigo Morais lembra que o sistema de gestão de resíduos manteve-se “ativo” com os “trabalhadores do setor em todo o país a desempenhar diariamente o seu papel na recolha seletiva e na limpeza das ruas”. Para tal, foi necessária uma “adaptação dos serviços de recolha seletiva disponíveis”, tendo em conta “não só as novas condicionantes resultantes do confinamento”, mas, acima de tudo, a “segurança e a saúde de todos”, destaca. Após os primeiros “tempos de incerteza” e com o “sistema reposto e a funcionar em pleno”, a SPV reforçou, através de campanhas de sensibilização, as temáticas da reciclagem: “Foram essenciais para manter a ligação da SPV aos portugueses para que a reciclagem faça parte do seu top of mind, procurando assim manter um desempenho positivo nos resultados de recolha seletiva que nos permitissem cumprir exigentes metas que se impõem, apesar do contexto igualmente complicado”.
Sobre outros desafios que marcaram 2020, Ana Isabel Trigo Morais destaca a adaptação que teve de ser feita no digital, de forma a manter os projetos que estavam previstos: “É o caso da Academia Ponto Verde que, no primeiro semestre de 2020, regressou com uma edição digital, permitindo às escolas e aos mais jovens manterem uma relação com as questões da reciclagem sem as exigências do contexto físico”. Também na relação com clientes e stakeholders “encontrámos na área digital a solução para continuar o nosso trabalho de informação e sensibilização e desenvolvermos iniciativas como o Talk4Recycling, um webinar para debater o papel da inovação e da prevenção na melhoria dos processos de reciclagem e abordar temas como sustentabilidade, marketing, investigação, desenvolvimento e design de embalagens e materiais”, refere.
[blockquote style=”2″]Forte pressão sobre o nível dos ecovalores cobrados aos produtores e embaladores[/blockquote]
Licenciada em novembro de 2016, a Novo Verde é precursora da concorrência entre entidades gestoras de gestão de resíduos de embalagem. A entidade defende que a concorrência é o “garante de escolha” para produtores, embaladores e importadores, bem como de “eficiência”, devendo esta estar “sujeita às regras de mercado em toda a sua extensão” e não se cair na “tentação” de “ajustar essas regras” por via da sujeição à forte regulação que existe: “Só assim o consumidor não é penalizado”.
Apesar de todas as adversidades de 2020, Ricardo Neto, presidente da Novo Verde, faz um balanço bastante positivo, tendo a “recolha seletiva aumentado 5,3%” relativamente a 2019, ao contrário do que seria expectável: “Os níveis de atingimento das metas estiveram superiores ao ano anterior, dado a adesão extraordinária da população à deposição seletiva dos resíduos de embalagem”.
Os principais impactos da pandemia fizeram-se sentir, desde o ajustamento da organização administrativa, às caracterizações de resíduos in situ: “Foi um esforço inicial muito elevado mas ultrapassado”, destaca. Já sobre a resposta, Ricardo Neto diz que foi dada com “cautela” dado o “desconhecimento sobre a matéria”, com “avanços e recuos constantes” e com “entendimentos com os stakeholders”.
Mas 2020 não se resume aos desafios pandémicos. O presidente da Novo Verde destaca os “valores de mercado (em baixa) de determinados materiais”, nomeadamente o do “papel e cartão” bem como as “quantidades de resíduos retomadas em alta”, estando os ecovalores cobrados diretamente relacionados com as taxas de retoma e com a venda dos resíduos retomados: “Estamos perante uma tempestade perfeita”. De acordo com o responsável, estes factos colocaram “forte pressão” sobre o nível dos “ecovalores cobrados aos produtores e embaladores”, tendo sido necessário um “aumento dos mesmos para se obter um equilíbrio financeiro do sistema”. Para Ricardo Neto, o Governo contribuiu positivamente para este equilíbrio, com a revisão em baixa das verbas a serem despendidas em Sensibilização, Comunicação e Educação. A Novo Verde, não tendo reservas financeiras acumuladas no passado, viu-se obrigada a “aumentar os seus ecovalores sob muitas críticas mas ciente da sua justeza”, algo que foi confirmado com o “aumento generalizado dos ecovalores” por parte de todas as entidades gestoras licenciadas, após se terem “extinguido” as referidas reservas financeiras.
[blockquote style=”2″]Há ainda um longo caminho a trilhar nos REEE[/blockquote]
Do lado dos Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE), a ERP Portugal (European Recycling Platform) foi constituída a 13 de maio de 2005, tendo obtido a sua primeira licença para operar na gestão de REEE em 2006. Em 2010, estendeu a sua atividade à gestão de Resíduos de Pilhas & Acumuladores (RPA).
No que respeita aos fluxos específicos que a entidade gere, Rosa Monforte, diretora-geral da ERP Portugal, dá conta do “aumento na aquisição” dos EEE pela “necessidade da adaptação a uma realidade” onde sem eles não é possível garantir o “teletrabalho”, as “atividades letivas” e de um modo geral a “ligação ao mundo”. Depois, destaque para as “vendas online” que cresceram significativamente, assim como o próprio paradigma de consumo que se alterou. No que respeita à entrega de resíduos e apesar do fecho de escolas e de muitos estabelecimentos comerciais, verificou-se um “maior empenho” dos cidadãos na entrega seletiva destes resíduos, afirma.
Relativamente a metas e objetivos, Rosa Monforte lamenta que tanto os equipamentos elétricos e eletrónicos como de pilhas e baterias ainda estão longe das ambiciosas metas estipuladas pela Europa. Contudo, face a um ano “atípico” a responsável faz um balanço positivo no que respeita à “recolha seletiva de resíduos provenientes da nossa rede própria”, tendo a consciência de que “há ainda um longo caminho a trilhar”. Como resposta, o “garante das operações no terreno” foi a grande preocupação: “Felizmente, com a colaboração de todos, tudo correu sem grandes constrangimentos”, declara.
A “ausência de ações de sensibilização e comunicação” junto dos cidadãos foi, igualmente, um desafio decorrente ao longo do ano: “Sabemos que a consciencialização quanto ao nosso papel individual, enquanto cidadão, neste processo tem vindo a aumentar mas a presença física continua a mostrar-se fundamental para reforço da mensagem”, refere. Ainda assim, foi feito um “push” nos canais online mas as “iniciativas presenciais” potenciam uma “maior resposta” por parte dos consumidores: “E quando o desafio é aumentar as taxas de recolha, estas ações de sensibilização, comunicação e educação são um trigger para o seu garante”, afirma.
[blockquote style=”2″]Entraves que se colocam à criação de redes de recolha própria das entidades gestoras de resíduos[/blockquote]
O Electrão (Associação de Gestão de Resíduos) é a entidade gestora responsável por três fluxos específicos de resíduos: pilhas e baterias e equipamentos elétricos usados.
O ano 2020 revelou-se positivo no sentido em que se registou um “bom desempenho” nas “múltiplas campanhas” que desenvolve com o objetivo de “recolher e reciclar mais e melhor”. Quem o diz é Ana Matos, responsável pela comunicação do Electrão, destacando a campanha “Quartel Electrão”, onde foram entregues mais de 1600 toneladas de pilhas, baterias e equipamentos eléctricos usados nos quartéis de bombeiros portugueses de janeiro a outubro de 2020. Já nas campanhas “Escuteiros Electrão” e “Pilhas e Lâmpadas por Alimentos”, a responsável refere que foram recolhidas pelo Electrão “nove toneladas de pilhas, baterias e lâmpadas usadas”. Por fim, a última edição da “Escola Electrão”, concluída já durante o período de confinamento, com a grande maioria das escolas encerradas, também superou as expectativas permitindo “reunir 125 toneladas de pilhas, baterias e equipamentos eléctricos usados”. Para Ana Matos, a pandemia veio reforçar o “quão urgente é mudarmos comportamentos” e a “população respondeu a esse sinal”.
As respostas “imediatas” do Electrão à pandemia centraram-se no imediato e, de forma preventiva, continuar a atividade com recurso ao teletrabalho: “O Electrão manteve a atividade operacional de recolha e continuou a contribuir para as metas nacionais”. Já as ações de comunicação das várias campanhas foram adaptadas, apostando-se na “digitalização” para reforçar o trabalho de sensibilização e educação, refere a responsável.
Relativamente ao ano em geral, Ana Matos reforça aquele que tem sido o alerta da Electrão para os “entraves que se colocam à criação de redes de recolha própria das entidades gestoras de resíduos”, ferramenta que poderia “alterar positivamente os resultados da recolha seletiva de embalagens do país”. Para o grande desafio nacional das metas de recolha de embalagens usadas, a responsável refere que o país precisa “de diversificar e integrar a participação dos agentes”, potenciando a “inovação” no estabelecimento destas redes de recolha seletiva.
[blockquote style=”2″]Obrigou-nos à gestão do imediato, mas também a substituir ou diferir algumas das atividades planeadas para 2020[/blockquote]
Em matéria de pneus, a Valorpneu, entidade gestora do Sistema Integrado de Gestão de Pneus Usados em Portugal, também sofreu com os impactos da pandemia: “Recolhemos e tratamos cerca de 75 mil toneladas de pneus, uma quebra em relação a 2019, ano em que foram recolhidas e tratadas 80,8 mil toneladas”. Ainda assim, Climénia Silva, diretora-geral da Valorpneu, refere que tal redução foi “menos acentuada” que a verificada nos “pneus colocados no mercado”, no segmento de substituição, que teve um “decréscimo por volta de -15%”, e no de “veículos, uma queda de -34%”. Relativamente ao objetivo de “recolha de 96% dos pneus usados” gerados no ano, esse foi superado: “A Valorpneu recolheu e valorizou voluntariamente em 2020 uma quantidade significativa de pneus para além da sua obrigação legal”. A “taxa de preparação para reutilização e reciclagem” apurada sobre o “objetivo de recolha” também “ultrapassou em muito os 65% da meta estabelecida”, precisa a responsável.
Nas respostas à pandemia, Climénia Silva refere que os “meios digitais” e a “internet” são “ferramentas imprescindíveis” para o sucesso da atividade, mostrando-se ainda mais “relevantes” neste contexto. Também a “rede de operadores” do Sistema Integrado de Gestão de Pneus Usados apresentou uma “grande capacidade de adaptação”, respeitando todas as regras sanitárias em vigor, embora tenham ocorrido “perturbações motivadas pelos efeitos nefastos da pandemia”, que exigiram um “esforço adicional para satisfazer as necessidades das casas de pneus” que pretendiam “desfazer-se de imediato dos pneus usados dos seus clientes”. Este esforço, segundo a responsável, foi fundamental dado que o “setor de assistência e reparação” foi considerado “essencial” e manteve-se em “atividade”, tendo os “pneus usados continuado a ser gerados e ser necessário a sua recolha e tratamento”. Também, o “planeamento semanal” da Valorpneu de “encaminhamento dos pneus” passou a ser um “planeamento mais centrado” no dia-a-dia em função das “contingências” que iam surgindo, refere. Mesmo em contexto de incerteza e de falta de visibilidade, a Valorpneu deu continuidade à sua atividade: “Obrigou-nos não só à gestão do imediato mas também a substituir ou, mesmo, a diferir algumas das atividades planeadas para 2020, sobretudo de sensibilização e comunicação, previstas para se desenrolarem presencialmente, e de investigação e desenvolvimento, devido ao encerramento de alguns parceiros nestas áreas”. Ainda assim, lançaram o projeto NextLap: “Procura diversificar os produtos derivados da reciclagem de pneus e encontrar soluções prontas para o mercado”. Em 2020, a Valorpneu procedeu ainda, de entre outras atividades, à “revisão dos critérios de seleção de centros de receção”, realizou um “concurso para abertura de novos centros” e “abriu e formou os operadores selecionados”, deu “cumprimento ao plano de auditorias aos produtores e operadores do sistema”, continuou a “emitir os relatórios de avaliação do desempenho dos operadores”, interagiu com as “entidades de inspeção do sistema”, atualizou algumas “aplicações do seu sistema de informação”, procedeu à “avaliação interna dos recursos da empresa”, foi submetida às “auditorias interna e externa para manutenção da certificação do Sistema de Gestão da Qualidade e Ambiente” e o “registo no EMAS”.
*Este artigo foi publicado na edição 86 da Ambiente Magazine.