No Porto, os resíduos alimentares ganham uma nova vida. Parece um clichê, mas é isso que acontece nas freguesias do Amial e de Paranhos, graças a um projeto para toda a população: as Ilhas de Compostagem permitem a transformação dos resíduos orgânicos e verdes em composto orgânico 100% natural e de forma gratuita.
Uma “mais-valia” e é algo que “vale a pena”: as opiniões dos residentes são positivas e os responsáveis autárquicos estão muito contentes com este piloto. Mas, afinal, o que são estas Ilhas e de que forma contribuem para o ambiente? A Ambiente Magazine foi conhecer “in loco” o projeto do Amial.
O projeto-piloto arrancou em agosto de 2021 com a instalação de duas “ilhas de compostagem”. São espaços com compostores disponíveis em zonas habitacionais e acessíveis apenas aos habitantes que aderiram ao projeto. A adesão é aberta a todos os que vivem nas zonas abrangidas pelas ilhas instaladas junto ao Parque Infantil do Amial e na Praça do Cávado, em Paranhos. Quem adere, recebe um kit que inclui um balde para a separação dos biorresíduos, uma chave de acesso ao compostor, uma horta vertical e um saco mochila.
Os resultados iniciais são positivos e satisfatórios: “Temos 150 famílias nestes dois pontos das ilhas de compostagem”, refere o vice-presidente do município do Porto, Filipe Araújo, acrescentando que o projeto foi bem acolhido pela população: “As pessoas sentiram também que havia uma resposta para alguns dos resíduos que produzem em sua casa e para o qual iam parar para o indiferenciado”.
A implementação dos dois locais de compostagem comunitária surge do trabalho desenvolvido no âmbito do projeto CityLoops, financiado pelo Programa-Quadro de Investigação e Inovação Horizonte 2020 (H2020) e é o resultado de uma colaboração entre a empresa municipal Porto Ambiente e o Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto (LIPOR).
A importância do Mestre da Compostagem
Transformar os resíduos alimentares em composto 100% natural é uma tarefa que requer compromisso e paixão. E é a Rafael Coutinho, mestre da Compostagem, que cabe esse compromisso. Sendo responsável pela Ilha de Compostagem do Amial, duas a três vezes por semana assegura a manutenção e monitorização do processo da estrutura: “Garanto que a ilha está nas condições ideais, com a humidade e temperatura certas, para que o processo em si decorra dentro dos parâmetros e que processo de compostagem resulte num composto de boa qualidade”. Se um dos objetivos é “devolver aos cidadãos parte dos resíduos que produzem em forma de composto”, o Mestre da Compostagem procura criar uma relação com toda a população residente: “Procuro ter um contacto direto com as pessoas, ajudando-as em todas as questões que possam surgir”.
Apesar dos resultados positivos das duas ilhas-piloto, a representante da LIPOR, Susana Freitas, considera que o trabalho ainda não acabou e que há gente para conquistar: “As pessoas com mais idade têm mais dificuldade em participar”. Para aumentar a adesão, tem sido feito um esforço adicional na divulgação porta-a-porta, algo que já tinha acontecido em 2021. “O trabalho de proximidade tem sido uma grande aposta. A população tem aderido bastante bem e temos algumas pessoas que são mais difíceis de conquistar: é um desafio que temos”, afiança.
Além disso, o projeto não é estático, estando a ser estudadas formas de integrar tecnologia para medir a utilização dos compostores, introduzindo o acesso através de cartão, e não com chave como acontece até agora: “Estamos a pensar em incorporar este sistema para controlarmos melhor quem participa e quem não participa e o que podemos fazer para fomentar essa participação”, explica a responsável. Comunicar com as crianças e adolescentes, especialmente os alunos das escolas próximas das Ilhas, será o próximo passo de ação, mas, neste momento, o foco passa por consolidar o projeto: “Queremos chegar às camadas mais jovens e fazer esta sensibilização sobre o tema”, apelando ao combate ao desperdício alimentar como uma das vantagens da iniciativa.
“Uma excelente ideia e com muitos benefícios”
Regina Vidal enche sempre o seu balde castanho com quase 7 quilos de resíduos alimentares. E fá-lo com entusiasmo: “Vou quase duas vezes por semana à Ilha de Compostagem. Esta é uma prática que já faz parte do meu dia a dia”. Com o projeto em marcha há um ano e meio, a habitante do Amial já tem obtido resultados: “Coloquei composto à volta de uma oliveira que tenho no jardim fora de casa e, desde então, que não nasce uma erva daninha”. Considerando ser uma “mais-valia para a zona”, Regina Vidal fala dos benefícios, como a “multiplicidade de utilidades que o composto garante”, seja para as plantas, seja para as hortas. Mesmo assim, o envolvimento da população ainda é pouco: “O passa-a-palavra está ajudar muito, mas podia haver mais pessoas interessadas em aderir”. Comentando a prestação destas equipas, a residente dá “cinco estrelas”: “Prestam-nos toda a informação e há sempre disponibilidade para nos ajudarem em qualquer dúvida”. Para dar resposta à pouca adesão da população a este projeto, a residente considera que o “porta-a-porta” é uma grande aposta por parte destas equipas: “Têm de apostar na proximidade para que os cidadãos fiquem mais sensibilizados para o tema”.
Quem partilha da mesma opinião é Agostinho Mourão, também residente do Amial, que destaca os benefícios do projeto para toda a população: “É um projeto que vale mesmo a pena e que ajuda a diminuir o número de resíduos para aterro”. O habitante também se desloca duas vezes por semana à Ilha: “O balde vai sempre cheio”. Quanto às equipas, o residente destaca todo o serviço e carinho que é prestado nesta ação: “São excelentes e a ideia é maravilhosa”.
O futuro
Reconhecendo os desafios, Filipe Araújo acredita que a aposta numa sensibilização de proximidade é o caminho: “Precisamos de ir a casa das pessoas, convidá-las a perceber quais as soluções que podem usar e explicar todo o processo e o que podem ou não colocar nestes contentores”. Na prática, é “sensibilizar para a necessidade de darem um seguimento àquilo que são os 37% de resíduos que produzimos em nossa casa e que são matéria orgânica, não fazendo sentido mandar para o lixo indiferenciado”, refere.
Sobre os resíduos orgânicos, o vice-presidente do município do Porto refere que há uma estratégia muito ampla: “Já temos mais de 30 mil famílias a aderirem aos novos contentores castanhos na rua”. Ao nível do desperdício alimentar, o Município tem em marcha os projetos “Dose Certa” e “Embrulha”, com vários estabelecimentos aderentes, procurando sensibilizar para a temática. Com as Ilhas de Compostagem, a cidade procurou, assim, dar uma resposta aos cidadãos que não têm capacidade para fazer a própria compostagem em casa: “Estamos numa fase de avaliação dos projetos que convém monitorizar para perceber os resultados atingidos”. No entanto, neste momento, “estamos satisfeitos e o envolvimento da população leva a assumir que serão o início de outros projetos, desde que encontremos áreas de habitação unifamiliares e que nos permitam colocar este tipo de contentores”, refere o dirigente, partilhando grande otimismo para o futuro: “A população aderiu e há uma necessidade de dar seguimento”, frisa.
Projetos em números:
Espaço de Compostagem de Paranhos
- Nº de módulos de compostagem: 5
- Famílias a participar: 50
- Sensibilização porta-a-porta contínua
- Monitorização semanal, com controlo e registo de parâmetros técnicos, por módulo de compostor, como a temperatura ou humidade
- Análise ao composto com resultados dentro dos valores de referência em todos os parâmetros avaliados
- Estimativa de resíduos alimentares tratados localmente (por espaço de compostagem): 3,2 t em 2022 (8 ciclos produtivos)
Espaço de Compostagem do Amial
- Nº de módulos de compostagem: 10
- Famílias a participar: 101
- Sensibilização porta-à-porta contínua
- Monitorização semanal, com controlo e registo de parâmetros técnicos, por módulo de compostor, como a temperatura e humidade
- Análise ao composto com resultados dentro dos valores de referência em todos os parâmetros avaliados
- Estimativa de resíduos alimentares tratados localmente (por espaço de compostagem): 4,4 t em 2022 (11 ciclos produtivos)
Parceiros Locais: Transfomers e Associação de Moradores do Bairro do Amial.
COMPOSTAGEM CASEIRA
- Número de Compostores (habitações e hortas urbanas): 2 523
- Desvio de Biorresíduos: 870 toneladas/ano (cada compostor está a desviar 345 kg/ano de biorresíduos)
DESPERDÍCIO ALIMENTAR
- Dose Certa:
- Restaurantes/Cantinas: 19 estabelecimentos ativos
- Em processo de certificação: 1 estabelecimento
- Embrulha:
- 56 Restaurantes ativos;
- 6,8 toneladas de alimentos aproveitados em 2022
- Dose Certa:
Zero Desperdício
- 81 toneladas de alimentos aproveitados em 2022 | Até ao momento 226 toneladas (Nota: os dados a dezembro podem ainda não estar fechados)
Reportagem: Ilha de Compostagem no Amial, Porto