A Comissão Europeia levou a cabo um inquérito sobre mecanismos de capacidade no setor da eletricidade e, no seu relatório intercalar, revela que estes podem aumentar a segurança do aprovisionamento de eletricidade, mas que muitos Estados-Membros têm de ser mais rigorosos, tanto na avaliação da sua necessidade como na sua conceção, a fim de assegurar que são bem orientados e rentáveis.
Os mecanismos de capacidade, se forem desnecessários e mal concebidos, podem distorcer a concorrência, prejudicar os fluxos de eletricidade transfronteiras e levar a que os consumidores paguem um preço excessivo pela eletricidade, explica a CE em comunicado. A Comissão convida agora os Estados-Membros, as partes interessadas no setor da eletricidade e outros interessados a apresentarem observações sobre as suas conclusões iniciais.
A Comissária Margrethe Vestager, responsável pela política da concorrência, afirma que “as empresas e os consumidores europeus não deveriam ter de sofrer cortes de eletricidade (blackouts), e os mecanismos de capacidade podem ajudar a reduzir esse risco. Ao mesmo tempo, os consumidores não deveriam pagar um preço excessivo pela eletricidade e a concorrência não deveria ser prejudicada. O relatório hoje publicado revela que há uma grande margem para que os Estados-Membros melhorem a forma como avaliam a necessidade de mecanismos de capacidade e a sua conceção. Para serem bem concebidos, é necessário que os mecanismos de capacidade sejam abertos e tenham em conta a eletricidade que pode ser fornecida através das fronteiras da UE, contribuindo, assim, também para construir uma União da Energia na Europa”.
Em abril de 2015, a Comissão lançou um inquérito em matéria de auxílios estatais às medidas nacionais destinadas a garantir a disponibilidade permanente de uma capacidade adequada de produção, a fim de garantir um aprovisionamento fiável de eletricidade (estas medidas são também chamadas de “mecanismos de capacidade”). O inquérito tem como objetivo recolher informações sobre os mecanismos de capacidade para apurar, em especial, se estes garantem um aprovisionamento suficiente de eletricidade sem distorcer a concorrência ou o comércio no mercado único da UE. Este inquérito complementa a Estratégia da Comissão para uma União da Energia, que visa criar um mercado da energia interligado, integrado e seguro na Europa.
Ao longo do último ano, a Comissão recolheu uma grande quantidade de informação de mais de 120 participantes no mercado e de entidades públicas sobre os mecanismos de capacidade antigos, existentes e previstos em 11 Estados-Membros — Bélgica, Croácia, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Polónia, Portugal, Espanha e Suécia. A Comissão encontrou 28 mecanismos de capacidade, que podem ser divididos em seis tipos distintos. O tipo mais comum é uma reserva estratégica, através da qual o Estado paga a determinadas centrais elétricas para que se mantenham em funcionamento caso seja necessário. Iniciativas recentes dos Estados-Membros indicam que existe uma tendência geral para mecanismos mais abertos e inclusivos que estão, em princípio, abertos à participação de todas as categorias de fornecedores de capacidade. Trata-se de uma evolução positiva: para criar uma verdadeira União da Energia e garantir que os custos para os consumidores e empresas sejam reduzidos ao mínimo, os mecanismos de capacidade devem ser abertos a todos os tipos de fornecedores, nacionais ou estrangeiros, independentemente da tecnologia.
No entanto, o relatório intercalar de hoje refere igualmente a falta de uma análise adequada e coerente da efetiva necessidade de mecanismos de capacidade por parte de muitos Estados-Membros. Afigura-se igualmente que alguns dos mecanismos de capacidade existentes poderiam ser mais bem orientados e mais rentáveis. Estas conclusões não prejudicam a apreciação da Comissão sobre a compatibilidade com as regras da UE em matéria de auxílios estatais dos diferentes mecanismos de capacidade, que exige uma análise caso a caso.
Os mecanismos de capacidade podem ser necessários…
Alguns Estados-Membros manifestaram preocupações com o facto de o aprovisionamento de eletricidade poder vir a não ser capaz de satisfazer a procura, em resultado da insuficiência do investimento, decorrente das incertezas no mercado e de intervenções regulamentares. Um outro problema é que a procura tem de ser totalmente satisfeita pelo aprovisionamento, mesmo em alturas em que existe uma insuficiência de eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis variáveis (por exemplo, quando, num determinado momento, há menos vento ou luz solar).
Os resultados preliminares do inquérito indicam que, atualmente, o mercado por si só não pode manter um nível adequado de segurança do aprovisionamento em determinadas regiões. Esta situação pode dever-se, em parte, ao facto de existirem limites de preços bastante baixos em muitos países, ou ao facto de os investidores não acreditarem que, em tempos de escassez, os preços da eletricidade possam sofrer um aumento de preços significativo que permita incentivar o investimento na capacidade. Os planos de reformas em curso da atual conceção do mercado da eletricidade — um dos principais objetivos da União da UE para a Energia — visam melhorar significativamente o funcionamento do mercado no futuro. No entanto, em casos específicos, os mecanismos de capacidade podem ser necessários, por exemplo, para colmatar o período transitório durante o qual pode existir escassez.
… mas devem dar resposta a uma verdadeira necessidade…
Os resultados preliminares do inquérito da Comissão revelam que muitos dos atuais mecanismos de capacidade foram concebidos sem avaliar previamente se existia um problema de segurança do aprovisionamento no mercado relevante. Quase metade dos Estados-Membros analisados não estabeleceu devidamente qual devia ser o seu nível adequado de segurança do aprovisionamento antes de implementar um mecanismo de capacidade. Além disso, os métodos de avaliação da segurança do aprovisionamento variam consideravelmente entre os Estados-Membros, o que torna difícil a comparação e a cooperação transfronteiras. Muitas avaliações partem de uma perspetiva meramente nacional e não têm em conta a possibilidade de fornecimento por parte de países vizinhos. Sem um método aprofundado e mais harmonizado para identificar problemas e calcular riscos, os mecanismos de capacidade ameaçam utilizar fundos públicos para financiar uma capacidade dispendiosa e desnecessária, conduzindo a preços mais elevados para os consumidores e para as empresas da UE.
... e é necessário melhorar a sua conceção
O relatório intercalar evidencia problemas substanciais no que se refere à conceção dos mecanismos de capacidade em vários Estados-Membros. Em primeiro lugar, a Comissão constatou que muitos Estados-Membros não avaliaram devidamente a melhor forma de aumentar a segurança do aprovisionamento. Em segundo lugar, na maioria dos Estados-Membros, o preço pago pela capacidade de produção de eletricidade não é determinado através de um processo concorrencial, sendo antes fixado pelo Estado-Membro ou negociado bilateralmente entre o Estado-Membro e o fornecedor de capacidade. Esta situação cria um grave risco de remuneração excessiva, subvencionando assim o fornecedor. Em terceiro lugar, muitos mecanismos de capacidade não permitem a participação de todos os potenciais fornecedores de capacidade ou tecnologias, o que poderá limitar desnecessariamente a concorrência entre fornecedores ou aumentar o preço pago pela capacidade. Por último, o inquérito revelou que as centrais elétricas de outros Estados-Membros raramente são autorizadas a participar, direta ou indiretamente, nos mecanismos de capacidade nacionais.
Se estas preocupações se confirmarem, estes mecanismos de capacidade podem falsear a concorrência e provocar um aumento dos preços da eletricidade ao favorecer indevidamente determinados produtores ou tecnologias, e podem criar obstáculos ao comércio transfronteiras de eletricidade.
Próximas etapas
O relatório intercalar hoje publicado encontra-se aberto para consulta pública. A Comissão convida os Estados-Membros, as partes interessadas no setor da eletricidade e outros interessados a apresentarem observações sobre o relatório intercalar e o documento de trabalho dos serviços da Comissão em anexo até 6 de julho de 2016. Tendo em conta as observações recebidas, a Comissão irá publicar um relatório final sobre os resultados do inquérito setorial ainda este ano. Entretanto, a Comissão continua a avaliar os mecanismos de capacidade ao abrigo das regras da UE em matéria de auxílios estatais e, em especial, das Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014-2020.
O inquérito setorial contribui igualmente para os objetivos da Comissão para uma União da Energia. Em especial, os resultados do inquérito serão tidos em conta nas propostas legislativas sobre a revisão da conceção do mercado da eletricidade, que deverá ser apresentada ainda este ano.