Conheça o projeto europeu EMB3Rs, que está a encontrar novas formas de reciclar calor residual industrial para aumentar a eficiência energética, reduzir as emissões de carbono e mitigar a pobreza energética em Portugal.
Faça uma viagem ao Parque das Nações em Lisboa e encontrará os bares e teatros da moda, bem como marcos icónicos, incluindo a premiada Gare do Oriente e o impressionante Oceanário de Lisboa. No entanto, uma construção menos conhecida também reside aqui – a única rede de grande escala de calor e frio (DHC – District Heat & Cold) em Portugal.
Operada pela Climaespaço, a rede DHC compreende uma rede subterrânea de condutas de 22,5 km que fornece água quente e fria, para aquecimento e arrefecimento, a cerca de 3500 utilizadores, incluindo milhares de apartamentos, a estação ferroviária e o oceanário (com o centro de exposições), bem como o centro comercial. Neste momento, o sistema utiliza gás natural como fonte de energia primária, fornecendo calor, frio e eletricidade através de uma unidade de trigeração de energia, mas esta situação vai mudar.
“Do ponto de vista ambiental e económico, já não é sustentável continuar a utilizar gás natural como a nossa única fonte de energia”, destaca João Castanheira, chefe executivo da Climaespaço. “Por isso, temos pensado cuidadosamente no futuro e em como fazer a nossa transição energética”.
Neste sentido, a Climaespaço juntou-se ao projeto de investigação europeu EMB3Rs (User-driven Energy-Matching & Business Prospection Tool for Industrial Excess Heat/Cold Reduction, Recovery and Redistribution), que pretende investigar a recuperação do excesso de calor e frio industrial. No projeto, está a ser desenvolvida uma plataforma que modela a forma como a energia desperdiçada nas unidades industriais poderá vir a ser reutilizada em processos próximos, DHC e mesmo em locais residenciais.
Como parte do projeto, vários intervenientes de toda a Europa têm vindo a fornecer dados reais, testando e utilizando a plataforma, tendo em vista a avaliação do potencial de utilização da recuperação de calor residual nos seus negócios. Eventualmente, a plataforma irá “conectar” potenciais fornecedores e utilizadores deste calor.
“Temos estado a trabalhar em vários cenários de transição energética, incluindo a utilização de calor residual de um incinerador [próximo]… e percebemos que a plataforma EMB3Rs seria uma ferramenta muito útil para apoiar as nossas decisões”, diz Castanheira.
“Sabemos de alguns casos em que existem fontes de calor em excesso, mas os edifícios próximos estão a utilizar gás para aquecimento – isto não faz sentido e queremos usar o EMB3Rs para analisar estas potenciais oportunidades [de correspondência de energia]”, acrescenta. “Acreditamos que existe um enorme potencial para aquecimento e arrefecimento urbano em Portugal, e como empresa com vários sistemas de DHC que queremos desenvolver, a plataforma pode ajudar”.
Mas enquanto a Climaespaço se juntou ao projeto EMB3Rs para procurar novas fontes de energia, outros parceiros do projeto esperam encontrar formas de partilhar o seu excedente. O maior fabricante de cimento de Portugal, a CIMPOR – Indústria de Cimentos, tem trabalhado com a consultora de engenharia Emerson, para fornecer ao EMB3Rs dados sobre o excesso de calor dentro da sua fábrica de produção de cimento em Souselas.
Como salienta Paulo Rocha, Diretor de Inovação e Sustentabilidade da CIMPOR, o calor residual já é recuperado dos gases libertados pelo forno da fábrica, para a secagem dos combustíveis derivados de resíduos utilizados durante as operações. No entanto, o período de dez anos de retorno de investimentos futuros, tendo em vista a exploração da recuperação de calor de outras fontes, é considerado demasiado longo. Tendo isto em conta, Paulo Rocha espera que o EMB3Rs forneça orientações sobre oportunidades inexploradas de recuperação de calor em Souselas, a preços acessíveis. Esta energia poderia, potencialmente, ser integrada nos processos de fabrico existentes ou futuros da fábrica, para aumentar a eficiência energética e reduzir as emissões de dióxido de carbono. Paralelamente, a transferência para indústrias próximas, incluindo hospitais, instalações de cerâmica, produtores de arroz e um matadouro de gado, também seria uma hipótese.
“Penso que a ferramenta EMB3Rs pode juntar diferentes atores a pensar em novas soluções”, diz Paulo Rocha. “Também tem o potencial para ser relevante para a indústria futura – se uma fábrica estiver a ser construída, a ferramenta poderá fornecer informações sobre fontes de energia próximas, que poderiam fornecer megawatts de calor”.
É este fluxo de energia do fornecedor para o utilizador que Ana Cardoso, Gestora de Projetos na Agência para a Energia – ADENE, espera promover em Portugal. A ADENE tem acesso a um manancial de informação através do Sistema de Certificação Energética de edifícios (SCE), e do Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia (SGCIE) para as indústrias, e juntou-se ao projeto EMB3Rs como “super-utilizador” para ajudar a identificar clusters de fontes e sumidouros de excesso ou necessidades de calor, em todo o país.
Como salienta Ana Cardoso, a plataforma EMB3Rs está a ser testada na região industrializada de Aveiro, utilizando-se a informação disponível para fazer corresponder o excesso de energia a potenciais utilizadores a este nível macro. Em caso de sucesso, informações de outras regiões poderão ser carregadas na plataforma para ligar a procura e o excedente de calor noutros locais.
“As sinergias que identificarmos apontarão para soluções de eficiência energética e fornecerão uma visão sobre como reaproveitar o excesso de calor na indústria”, afirma Ana Cardoso. “Isto é importante – o clima de Portugal não é extremamente frio, mas a pobreza energética é um problema real durante o Inverno – talvez o projeto EMB3Rs possa contribuir para a minimizar”.
Cheio de potencial
A coordenadora do EMB3Rs, Mafalda da Silva, do Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Industrial, INEGI, da Universidade do Porto, está satisfeita com o progresso do projeto, e também com o número de parceiros dispostos a envolver-se. Quando o projeto terminar, no início de 2023, espera que todos os parceiros tenham opções técnicas viáveis sobre como utilizar o calor desperdiçado, o que poderá ser traduzido para outras regiões dentro e fora de Portugal.
“Graças à análise com a ADENE, a ferramenta pode também identificar regiões que não têm quaisquer dados [energéticos], e não se aperceberam que poderiam utilizar tais recursos”, refere Mafalda da Silva.
Olhando para o futuro, Mafalda da Silva espera que o EMB3Rs seja utilizado como um recurso educativo, e também destaca como a plataforma foi criada como uma ferramenta de código aberto para todos utilizarem. “A ideia é que os utilizadores possam adaptar o código da plataforma e fazer a sua própria versão da ferramenta, para melhor servir os seus interesses”, diz Mafalda da Silva. “Mesmo depois da plataforma ser disponibilizada, espero que tenhamos uma base de utilizadores interessados, e que a continuem a desenvolver”, acrescenta.
Embora não estejam envolvidos no EMB3Rs, Maria João Samúdio e Pedro Rocha do Cluster de Tecnologias de Produção de Portugal – Produtech, participaram em vários projetos europeus. Por exemplo, o MANU-SQUARE está a criar um mercado digital para ligar as capacidades de produção à procura, enquanto que o PRODUTECH 4 S&C está a desenvolver ferramentas para apoiar a produção sustentável e circular numa série de indústrias.
Numa linha semelhante à dos parceiros do projeto EMB3Rs, tanto Maria João Samúdio como Pedro Rocha valorizam a importância da reutilização do calor industrial e acreditam que a plataforma pode acrescentar valor real aqui. “Vemos muitas empresas que reutilizam calor industrial dentro das suas próprias operações, mas o EM3ERs também pode ajudar na distribuição sustentável deste calor dentro do ecossistema circundante”, diz Pedro Rocha.
Tal como da Mafalda da Silva, Maria João Samúdio e Pedro Rocha também valorizam a importância de ter parceiros de projeto que investirão tempo e recursos financeiros na plataforma, para que esta evolua para além da sua fase piloto. É importante notar que eles esperam que a atração desse envolvimento se torne, ainda, mais fácil no futuro.
Pedro Rocha aponta para o aumento do interesse público nas alterações climáticas, bem como políticas industriais que encorajem as empresas a melhorar as suas credenciais verdes. “Os custos da energia também estão a aumentar e isto levou as pessoas a pensar mais sobre [processos] circulares, incluindo a reutilização de energia e o desperdício de calor”, acrescenta Maria João Samúdio. “As empresas estão agora a ser ‘empurradas’ para se alinharem com os objetivos do desenvolvimento sustentável, pelo que penso que o movimento em direção à sustentabilidade vai, agora, tornar-se cada vez mais fácil”.
Por: Rebecca Pool, Freelance Journalist
Ilustração:Climaespaço