No próximo dia 20 de agosto reabre mais uma época de caça, que mantém várias violações às Diretivas Europeias e na qual persistem vários problemas graves por resolver, como a permissão para caçar espécies raras ou a contaminação com o chumbo, indica a Quercus, em comunicado. A associação volta a alertar a opinião pública e o governo para a necessidade urgente de corrigir esta situação e promover uma gestão mais sustentável deste recurso natural, protegendo simultaneamente a biodiversidade.
Incêndios florestais e seca debilitam populações das espécies cinegéticas
A Quercus apela ao governo de Portugal que suspenda toda a atividade cinegética nos municípios que foram afetados por incêndios em mais de 20% da sua área territorial. Nesses municípios as populações de animais foram dizimadas pelo fogo e os que conseguiram sobreviver têm agora dificuldades na obtenção de abrigo e alimento. O calor e seca agravam a situação principalmente para os animais juvenis.
Período venatório
A caça é um recurso natural que está dependente dos ciclos periódicos naturais, pelo que não se podem fixar por períodos tão longos, como um biénio ou triénio, as espécies cinegéticas, os efetivos e os locais para abate, quando podem ocorrer alterações imprevistas, como já aconteceu no passado com os incêndios florestais, secas, etc. Nesse sentido, a Quercus entende que o calendário venatório deve voltar a ser anual, corrigindo um grave erro da Portaria 147/2011 de 7 de abril. A Quercus recorda que as zonas de caça têm planos de exploração anuais, pelo que é fundamental estas reportarem à Administração os resultados da atividade anualmente, permitindo assim um melhor acompanhamento dos recursos.
Caça continua a contaminar com chumbo
Há muito que é reconhecido o papel negativo do chumbo nas aves, refere a mesma nota. Estas, ao ingerirem grãos de areia e pequenas pedras para ajudar a digestão, acabam por também ingerir as pequenas esferas de chumbo dos cartuchos usados na caça. Daí resulta a intoxicação conhecida por saturnismo, com efeitos adversos na saúde das aves, podendo levar à sua morte. Calculando os largos milhões de cartuchos usados anualmente na caça no nosso país, são muitas as toneladas de chumbo que, ano após ano, se vão acumulando nas nossas áreas naturais, com especial impacte nas zonas húmidas. Estima-se que a utilização de chumbo nas munições provoque anualmente a morte de 2,6 milhões de patos por envenenamento na América do Norte, pelo que a sua utilização na caça às aves aquáticas está proibida em vários países (EUA, França, Espanha).
Estudos recentes obtiveram valores de envenenamento por chumbo que chegam perto dos 60% para o Pato-real (para alguns períodos) em Portugal, ficando provada a ocorrência de mortalidade devido a esta causa no nosso país. A Quercus considera que tem sido positiva a proibição da sua utilização começando de forma gradual pelas zonas húmidas dentro das áreas classificadas sendo, contudo, esta medida claramente insuficiente. Com a Portaria 147/2011de 7 de Abril, continua-se a permitir a utilização de munições com chumbo em zonas húmidas na caça a outras espécies, que não aves aquáticas.
Além disso, vai ser permitido que perdure a contaminação por chumbo em todas as outras zonas húmidas que não sejam classificadas e restante território nacional, pese embora o preâmbulo da Portaria assuma expressamente o contrário, e reconheça a grande incidência de saturnismo, pelo que a Quercus defende a interdição imediata e total do uso de chumbo como munição em todo o território nacional, à semelhança de outros países como a Bélgica, Holanda, Dinamarca e Noruega.
Lista de espécies
O atual calendário venatório mantém algumas espécies na listagem que não eram exploradas desde 1991, nomeadamente a Gralha-preta (Corvus coreone) e a Pega-rabuda (Pica pica), sem que haja qualquer fundamentação técnico-científica que a suporte. A Quercus reconhece que, em algumas regiões, estas espécies podem causar prejuízos, contudo, existem mecanismos legais de controlo, nomeadamente a correção de densidades que têm sido já utilizados. A Gralha-preta pode ainda ser confundida com espécies protegidas e ameaçadas, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, como o Corvo (Corvus corax) e a Gralha-de-bico-vermelho (Phyrrocorax phyrrocorax).
A Quercus defende assim que estas duas espécies sejam retiradas da listagem de espécies cinegéticas, assim como também outras quatro espécies ameaçadas de anatídeos (patos), nomeadamente a Frisada (Anas strepera), o Pato-trombeteiro (Anas clypeata), o Zarro–comum (Aythya ferina) e o Zarro-negrinha (Aythya Fuligula).
Sobreposição da caça com períodos migração e reprodução são ilegais
Continuam a existir sobreposições de 10 dias, em que ocorre simultaneamente caça e períodos de migração e reprodução de aves, para algumas espécies como a Rola-comum, o Pombo-torcaz, os Tordos e o Pato-real, violando esta prática assim o Dec. Lei n.º 140/99, de 24 de abril (alterado pelo Dec. Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro) e o calendário do Comité ORNIS, entidade responsável pela aplicação da Diretiva Aves a nível comunitário.
A Quercus entende que a caça à Rola, a ocorrer, se deveria iniciar apenas na primeira década de Setembro, enquanto para o Pombo-torcaz e os tordos esta deveria terminar na última década de Janeiro. Também o período de caça aos patos se sobrepõe ao período de reprodução e de migração pré-nupcial de várias espécies desta família, pelo que a respetiva caça deveria iniciar-se na primeira década de Outubro e terminar na segunda década de Janeiro. Em relação à Galinhola (Scolopax rusticola) continua a ocorrer um período de sobreposição de 10 dias com o período migratório pré-nupcial, pelo que a caça a esta espécie deve terminar na primeira década de Janeiro.
Número de efetivos para abate
A Quercus entende que existem dados e estudos científicos suficientes para algumas espécies, que devem fundamentar uma melhor tomada de decisão por parte do Estado Português, no que diz respeito ao número de efetivos que podem ser abatidos. Na dúvida, deve ser aplicado o princípio da precaução. A título de exemplo refira-se o caso da Narceja-galega (Lymnochryptes minimus), espécie classificada como DD (Informação Insuficiente) no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, e que mantém o mesmo número de indivíduos para abate por dia por caçador (8 aves por dia por jornada de caça), quando esta espécie é efetivamente rara. A Quercus entende que devem ser efetuados os cruzamentos dos dados de efetivos abatidos, dados de censos do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, e de outros trabalhos de monitorização existentes em Portugal ou em outros países europeus. Existem estudos de longo termo para muitos países, que demonstram as tendências populacionais de algumas espécies e que podem ajudar na fundamentação de algumas opções.
Conversão das áreas que ainda se encontram em regime livre em áreas de refúgio para a caça
Existem hoje no país dezenas de Zonas de Caça Municipais que garantem o acesso a atividade cinegética aos caçadores do regime livre, pelo que a Quercus defende que estas áreas deveriam passar para áreas de refúgio de caça ou áreas de interdição à atividade cinegética (cerca de 14% do território nacional).