Quercus confrontada com suspeitas do uso abusivo de herbicidas alternativos ao glifosato
A Quercus alerta que tem sido confrontada com informações e denúncias que lançam a suspeita de uso abusivo de herbicidas em alternativa ao glifosato. Existem várias substâncias ativas com ação herbicida, homologadas para áreas urbanas 1, sendo uma delas de origem natural, o ácido pelargónico, extraído do óleo de colza, homologado desde 2017 em Portugal.
Contudo, a Quercus tem sido confrontada com a informação do aconselhamento às autarquias para a aplicação do ácido pelargónico em mistura com o herbicida sintético Flazassulfurão, sob a alegação de não ser tóxico.
Ora, se a mistura de uma substância natural com uma sintética causa, por si só, estranheza e desvirtua o conceito de uma opção mais natural no controlo de plantas espontâneas, esta reação inicial transforma-se em preocupação ao consultar a ficha técnica do produtos e a informação que consta também no próprio site da DGAV: “Produto extremamente perigoso para organismos aquáticos. Não aplicar a menos de 10 metros dos cursos de água”, que contradiz a alegada inocuidade do produto.
Principais queixas e testemunhos recebidos ou verificados pela Quercus e partilhadas nas redes sociais consubstanciam práticas não ponderadas no controlo de ervas espontâneas nos passeios e calçadas:
– Aplicação em toda a superfície pavimentada sem ter em conta que o pisoteio é por si só um meio de controlo, principalmente em meios urbanos de maior densidade populacional;
– Cheiro intenso e transtornos vários em pessoas e animais (mucosas irritadas, diarreias, dificuldades respiratórias…) e aplicação em quantidade generosa da calda com herbicida como se se tratasse de uma operação de lavagem das ruas;
– Aplicação durante a normal circulação e permanência de pessoas e animais de companhia;
– Aplicação na ausência de ervas, no verão e em situação de seca devido às alterações climáticas.
Incongruências e omissões da legislação em vigor
O espírito da lei em vigor, a Lei n.º 26/2013 de 11 de abril sobre o Uso sustentável dos pesticidas, com as alterações do Decreto-lei n.º 35/2017 de 24 de março, é claro! O uso dos pesticidas deve ser o último recurso, mas possui várias incongruências, omissões e de restrições mais claras e objetivas.
Por exemplo, a alínea e), n.º 4, do art.º 32 (alterado) refere que: “Assegurado que são previamente afixados, de forma bem visível, junto da área a tratar, avisos que indiquem com clareza a identificação da entidade responsável pelo(s) tratamento(s), o(s) tratamento(s) a realizar, a data previsível do(s) mesmo(s) e, se necessário, a data a partir da qual pode ser restabelecido o acesso e a circulação de pessoas e animais ao local, de acordo com o intervalo de reentrada que, caso não exista indicação no rótulo, deve ser, pelo menos, até à secagem do pulverizado.”
Contudo, não só as autoridades fiscalizadoras se abstêm de instaurar processos de contraordenação no caso da aplicação durante a normal circulação de pessoas e animais, como se afigura muito difícil o cabal cumprimento desta disposição legal, pelo que a pertença salvaguarda da saúde pública e o uso de pesticidas em áreas públicas é incompatível! Além disso, existem alternativas viáveis.
Qual é a alternativa ao glifosato?
A questão não é “qual a alternativa”, mas sim “quais as alternativas”, porque de facto não se trata de substituir o glifosato por outra substância, mas sim de um novo paradigma na gestão dos espaços, que pressupõe a aceitação de algumas ervas e a cooperação com a natureza pela plantação/sementeira de plantas, de preferência de espécies autóctones, para abafamento de plantas espontâneas com caraterísticas indesejadas, redimensionando as áreas pavimentadas e reservando os meios alternativos (manual, moto manual, mecânico e térmico) para o controlo que seja indispensável fazer.
Precisamente no sentido de promover soluções mais naturais, a Quercus desenvolveu dois documentos disponíveis no seu website para apoio das autarquias, e todos os interessados, e continua a aprofundar este tipo de alternativas.
A comunicação e sensibilização sistemática da população, bem como estimular a cooperação sempre que possível na discussão e implementação de alternativas, é fundamental para evitar queixas, segundo aliás a experiência das autarquias europeias com mais experiência na abordagem sem herbicidas. Se for claro para todos, os motivos para as alterações verificadas, a reação da população é mais favorável e ao mesmo tempo reduzem-se custos e geram-se mais-valias para o território, em especial a promoção dos polinizadores e da agricultura urbana.
Substâncias naturais com ação herbicida e a polémica proibição de substâncias de base (sal e vinagre)
O ácido pelargónico é irritante para os olhos, pele e mucosas, pelo que a sua utilização requer as necessárias medidas de proteção individual. A ficha técnica de algumas formulações comerciais refere também que “é perigoso para abelhas”.
O vinagre e o sal são substâncias de base com ação dessecante, mas a DGAV – Direção Geral de Alimentação e Veterinária, através do ofício circular n.º 17/20184, veio esclarecer que estas substâncias não estão autorizadas em áreas urbanas o que gerou uma reação de perplexidade, pois não se compreende como é que possa ser ilegal a utilização de substâncias que até têm uso alimentar, enquanto que herbicidas de síntese, em particular o glifosato, continuam autorizados, e sejam desvalorizadas, e até negadas, pelas autoridades reguladoras e governamentais os seus impactos graves na saúde, nomeadamente ação carcinogénica, revelados por um crescente número de pesquisas científicas.
O uso de substâncias químicas naturais deve ser desencorajado, devendo prevalecer a abordagem abrangente, contudo a Quercus compreende as dificuldades das autarquias e o contexto particular do nosso país um pouco diferente do de outros países europeus devido ao tipo de pavimento muito utilizado, a típica calçada à portuguesa, pelo que considera aceitável a utilização ponderada destas substâncias em processos de transição para uma gestão livre de herbicidas.
Apelos às autarquias, cidadãos e autoridades
A Quercus apela às autarquias que intensifiquem os esforços para uma adequada abordagem que privilegiem soluções mais naturais e que cancelem todas as aplicações generalizadas de herbicidas programadas; apela aos cidadãos para que estejam atentos e se mobilizem e pressionem os seus autarcas; e apela às autoridades para que sejam mais rigorosas na aplicação da lei.