Quando se fala em “mundo descarbonizado” a eficiência do material é tão relevante como a eficiência energética, afirma Matos Fernandes
Entre os dias 1 e 5 de fevereiro decorre a “Semana da Responsabilidade Ambiental na Fileira do Calçado”. Promovido pela APICCAPS (Associação Portuguesa Indústria Calçado Componentes Artigos Pele Sucedâneos) e pelo Centro Tecnológico do Calçado, o evento realiza-se em formato digital. Ao longo destes dias são vários os temas a ser debatidos, como a eficiência energética, a economia circular ou os novos materiais.
Coube ao ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, fazer a sessão de abertura desta semana. Para o ministro, se há setor que merece o reconhecimento notável pelo percurso que fez em Portugal é o do calçado, o que mais se destaca: “O setor do calçado portou-se melhor do que todos os outros, seja na procura de novos produtos ou de novos mercados. De facto, hoje o calçado português é conhecido no mundo fora”.
Nesta “nova geração” ditada pelo Pacto Ecológico Europeu e pelas meta nele estabelecido, Matos Fernandes não tem dúvidas que o cumprimento delas vai muito mais além daquilo que são as energias renováveis, a eficiência energética ou a mobilidade descarbonizada: “Não quero desvalorizar nenhum destes temas mas eles não fazem as necessidades do nosso novo Pacto Ecológico Europeu”, pelo que “temos que adotar uma ambição de poluição zero, um ambiente completamente livre de substância tóxicas e mobilizar a indústria para uma economia circular e limpa”.
Quando se fala em “reindustrialização do país” o ministro reforça a importância de “olhar o futuro com instrumentos que não são os do passado” e, para isso, há um “conjunto de peças” que têm que saber mover-se em paralelo: “De outra forma, ou não chegamos lá; ou chegamos lá com mais dificuldade; ou chegamos lá com muitos impactos ambientais; ou chegamos lá com alguma mortalidade empresarial pelo caminho”. Portanto, ao mesmo tempo, que, manifestamente, a “indústria tem que dar passos para desenhar e produzir mais produtos mais sustentáveis”, Matos Fernandes diz que, em simultâneo, “temos que ser capazes de influenciar os consumidores para isso mesmo”.
Havendo consciência de que a moda sustentável está a conquistar cada vez mais adeptos, o ministro do Ambiente chama atenção para se “ir mais além disso mesmo”, destacando, desde logo, a necessidade de se construir um mercado em que, para que uma moda possa ser considerada sustentável, não basta ter a “certificação ambiental de um dos componentes que utiliza” ou ter “certificação de alguns dos processos industriais” que desenvolve: “Tem que ter mesmo a perspetiva completa que significa usar o menos recursos possível e utilizar mais vezes esses mesmos recurso. Perceber que o mundo para que queremos caminhar é um mundo sem resíduos porque tudo pode voltar a ser reincorporado”.
[blockquote style=”2″]Uma matéria-prima quando acabar, acabou. E não há mesmo forma de a recuperar[/blockquote]
E há muitas áreas onde a indústria do calçado se quer comprometer, destacando-se, desde logo, a eficiência hídrica: “Portugal é um país onde se estima que em 20 anos haja menos 25% de chuva em consequência das alterações climáticas. Vamos ter menos disponibilidade hídrica”. Para combater a problemática, Matos Fernandes diz que, cada vez mais, tem que se garantir que o ciclo da água cumpra o seu circuito circular e com mais qualidade: “Quando se fala em adaptação (palavra-chave do Acordo de Paris) não podemos pensar que é a Natureza quem se vai adaptar a nós próprios, mas somos nós que temos que nos habituar aos circuitos naturais”. Em matérias de eficiência hídrica, Matos Fernandes não tem qualquer dúvida de que o setor do calçado vai “trilhar caminhos robustos” e de uma forma cada vez mais “eficiente”.
Ainda na indústria, o ministro do Ambiente reforça a importância de se falar em eficiência de material: “De facto, é tão relevante como a eficiência energética quando se fala num mundo descarbonizado e que regenera recursos”. E quando se compara problemas como a poluição ou energia, em quase todos, no curto ou no médio-prazo, a tecnologia pode resolver o problema, mas quando a problemática se prende com materiais, o cenário é totalmente diferente: “Uma matéria-prima quando acabar, acabou. E não há mesmo forma de a recuperar”. E, por isso, atenta o ministro, é fundamental começar a pensar na “utilização de novos materiais”, que sejam “mais eficientes”, em “reduzir a zero o desperdício” e tentar “reutilizar esse desperdício”. E tudo começa na “concepção”, no “desenho” e no “processo”, refere, destacando que é esse o compromisso do setor do calçado. Foi exatamente a pensar na perspetiva dos materiais e da eficiência que o Ministério do Ambiente e da Ação Climática lançou o desafio de construir no setor do calçado um projeto de bioeconomia: “Estou grato por todo o trabalho que foi desenvolvido”. E, neste momento, segundo o ministro, dentro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão disponíveis “150 milhões de euros” para serem lançados “três grandes projetos de bioeconomia” em três setores-chave da economia portuguesa, em que um deles é o setor do calçado.
Ao nível da “promoção e inovação dos novos materiais”, da “promoção de simbioses industriais”, do “potencial de novos modelos de reciclagem pós e pré-consumo”, da “formação do ecodesign e no trabalhar o mercado na sensibilização da sociedade”, Matos Fernandes está convencido que há uma “oportunidade única” para o “setor da moda”, quer seja no têxtil, quer seja no calçado. “Não tenhamos dúvidas, temos que pensar que a economia circular não é a salvação do planeta como também a bioeconomia não será a solução para uma economia neutra em carbono. É mesmo da conjunção destas e de outras dimensões que vamos ter que falar e construir”, refere.
Mesmo em tempo de pandemia, o ministro do Ambiente acredita que a transformação vai acontecer e será de forma rápida: “Vamos sair (da crise) com vontade de caminhar depressa sem usar os sapatos do passado mas sim os sapatos do futuro na corrida que temos pelo futuro”. E o setor do calçado vai estar numa “dupla” linha da frente: “Na linha da frente de criar emprego qualificado e bem-estar para aqueles que dependem do setor e, ao mesmo tempo, contribuir decisivamente para o projeto neutralidade carbónica e para que Portugal honre os compromissos que tem para com os seu concidadãos e para com todo mundo neste setor que é essencial para as gerações futuras”, remata.