O fóssil de uma ave aquática que viveu há cerca de 66 milhões de anos está a dar pistas aos cientistas sobre a paisagem sonora que começou a ser criada pelas aves, noticiou hoje o Público. Parente dos patos e gansos atuais, ela nadava no território que agora é a Antártida e já tinha um órgão vocal que existe unicamente nas aves.
A ave-lira é um caso extremo na natureza e foi apontada como tendo o mais belo canto do mundo. Segundo o naturalista David Attenborough, “para convencer as fêmeas a aproximarem-se ele canta a canção mais complexa que consegue, e isso corresponde às canções de todas as aves à volta dele. Consegue imitar pelo menos 20 espécies diferentes”. Além disso, também incorpora sons que ouve na floresta e até o alarme de um carro, ou o som de uma motosserra, a espécie é capaz de imitar.
A grande pergunta é quando é que isto começou na história da evolução. O Público esclarece desde logo, que a descoberta anunciada pela equipa de Julia Clarke (da Universidade do Texas, nos EUA), na revista Nature, ainda não trás uma resposta definitiva, mas representa um passo na viagem da história científica da humanidade.
A equipa da investigadora identificou os restos fossilizados do órgão vocal das aves – a siringe – mais antigos até ao momento. Têm 66 a 68 milhões de anos, pelo que são do tempo dos finais dos dinossauros. A siringe é feira de anéis de cartilagem que suportam os tecidos moles que vibram para produzir desde simples grasnidos até aos mais belos e complexos cantos das aves modernas. Única nas aves, a siringe fica na junção entre a traqueia e os brônquios.
Porém, a cartilagem não fossiliza bem como os tecidos duros, como os ossos. Por isso, não há muitos fósseis de siringe. Os poucos que existem e estão descritos, são, geologicamente falando, recentes: os mais antigos têm até 2,5 milhões de anos.
Agora, a equipa de Julia Carke identificou uma siringe no fóssil de uma ave que viveu pouco antes da extinção de há 65 milhões de anos, no fim do período Cretácico, originada pela colisão de um meteorito com a Terra.
Contextualizando a existência de aves na Terra, esta espécie é considerada por muitos cientistas como a ave mais antiga que se conhece. Surgiu há cerca de 150 milhões de anos. Um pouco mais pequena do que uma galinha, tinha dentes e penas já do tipo indicado para voo, mas não voava.
Ainda que não pensemos nelas como tal, as aves são os dinossauros modernos, o que está hoje bem estabelecido através de várias características anatómicas e também da existência de penas mesmo em dinossauros não avianos.
Portanto, as aves descendem dos dinossauros. Dentro destes surgiu um gripo voador – o das aves – que se foi diversificando ao longo do tempo, ao ponto de hoje existirem cerca de dez mil espécies de aves. Estas são dinossauros modernos que sobreviveram à extinsão em massa.
Porém, se há muito se estuda a origem das aves, o mesmo não se pode dizer sobre os sons e cantos. Embora ainda não haja uma resposta exata sobre quando é que começaram a cantar, uma coisa é certa: a partir de agora sabe-se que há 66 milhões de anos, pelo menos, já havia uma aves com uma siringe. E como essa evolução não foi instantânea, a espécie descoberta não foi a primeira a tê-la.