Qual a importância da água para a sustentabilidade ambiental?
“Qual a importância da água para a sustentabilidade ambiental” foi um dos temas abordados no “WATER World Forum For Life” que decorreu entre os dias 3 e 6 de junho no Centro Náutico de Monsaraz, em Reguengos de Monsaraz. O painel contou com a participação de Nélson Lage, presidente da ADENE (Agência para a Energia), Nuno Lacasta, presidente da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), Ângela Morgado, diretora executiva da ANP|WWF (Associação Natureza Portugal | World Wide Fund for Nature), e João Meneses, secretário-geral do BCSD (Business Council for Sustainable Development) de Portugal. “Há uma preocupação efetiva das indústrias, empresas, pessoas, Estado e organismo sobre a sustentabilidade?”. Esta foi uma das perguntas levantadas por Cristina Esteves, jornalista da RTP e moderadora do painel.
Nélson Lage começou por destacar a importância de todos estarem envolvidos e focados nos desígnios que Portugal tem pela frente, especialmente numa altura em que os efeitos das alterações climáticas já são sentidos: “A água é crucial para que o processo da transição energética se leva a cabo”. Nestas matérias, desde 2016, que a ADENE tem apostado na “componente eficiência hídrica”, tem “trabalhado numa lógica de sensibilização junto do consumidor”, de “constituição de parcerias”, bem como “participado em projetos europeus na definição de novas ferramentas”, que se traduzem num “contacto muito grande” com o setor. Do ponto de vista da eficiência hídrica, o presidente da ADENE reconhece que “o setor está muito sensibilizado e preocupado com o uso e gestão racional da água”. Prova disso é a “adesão positiva” ao AQUA+, o sistema de certificação para área residencial e que, agora, vai ser alargado à vertente dos hotéis. Em matérias de combate aos desperdícios hídricos, Nélson Lage acredita que o AQUA+ tem um “potencial enorme”, permitindo a poupança de “30 a 50% do consumo de água nas casas e nos edifícios mais inteligentes”.
[blockquote style=”2″]Passar da “noção” para a “ação”[/blockquote]
Apesar de existir uma “maior sensibilidade e consciência” sobre os problemas e desafios da água, com as pessoas a terem cada vez mais noção de que as alterações climáticas estão a causar impacto na disponibilidade da água para todos, Nuno Lacasta defende a necessidade de se passar da “noção” para a “ação”. Para além da importância das “melhorias”, dos “exemplos” ou de “sistematizar aquilo que está em cima da mesa do ponto de vista de regulação e utilização da água”, o presidente da APA considera ser fundamental ter consciência de que o contexto é de escassez e de que não se trata de algo temporário: “A escassez tem que ser enfrentada como uma prioridade da nossa sociedade e mais ainda num país como o nosso, que está dependente de Espanha”, por exemplo.
Com os desafios que as alterações climáticas estão a causar, nomeadamente no uso de recursos e na disponibilidade de água, Nuno Lacasta reitera pela necessidade da eficiência: “Os exemplos que vemos na agricultura são fundamentais, se queremos continuar o caminho de renascimento da agricultura no nosso país”. Também na área da indústria, é fundamental “assegurar que o tratamento da água que é descarregada não põe os rios sob pressão”. E, já há alguns anos que Portugal autoriza “descargas ou captações” em função da “capacidade de carga dos rios portugueses”, refere. No “enorme desafio” de “recarregamento das águas subterrâneas”, com o Algarve a ser central nestas matérias, o presidente da APA defende a importância de se ligar pontas, colocando as “várias regiões e sistemas a colaborar uns com os outros”, exemplifica.
Mais uma vez, o desafio é enorme. E olhando, agora, à qualidade das águas, Nuno Lacasta alerta que, em Portugal, este ano, há registo de alguma degradação nas massas de água: “Temos de planear melhor o uso da água, monitorizar o consumo e fazer um estudo sobre as disponibilidades de água no país”. Tão importante é, ainda, trabalhar mais na “reutilização da água” e na “eficiência do uso da água” na agricultura, indústria e no setor urbano: “Temos de continuar a assegurar que a sensibilização dos diferentes públicos não se fica apenas pela mensagem da importância, mas tem que passar para mensagem da ação”, vinca.
No desafio das perdas de água, o presidente da APA dá conta que na “distribuição final”, isto é, até chegar aos consumidores, há registo de perdas de água de 30%: “Trata-se de uma percentagem (de água) que é paga, mas que é desperdiçada”. Como solução, Nuno Lacasta alerta para a necessidade de se investir na “recuperação das canalizações” e nas “redes de distribuição”. Uma outra razão que, em parte, explica as perdas de água é o número elevado das “pequenas entidades gestoras” que não têm escala e capacidade de investir nesses mesmos sistemas. Outra situação que contribui para “menor eficiência” e “mais poluição” é o facto de se assistir cada vez mais à situação de “cheias rápidas”, que provocam uma “sobrecarga dos sistemas de drenagem”, ou seja, há uma mistura de águas residuais com as pluviais: “Temos de criar redes que separam a rede de esgotos da rede de escoamento em situações de cheias”. Finalmente, existe ainda outra necessidade: “Estudar estratégias de desestalinização” em algumas regiões do país, como é o caso atual do Algarve.
[blockquote style=”2″]Promover a resiliência dos ecossistemas fluviais e uma gestão hídrica[/blockquote]
Já Ângela Morgado olha para a sustentabilidade, não como um conceito mas algo que deve ser sentido: “E sente-se por uma questão de intuição, de emoção e de ligação com a natureza: Se não explorarmos essa ligação emocional das pessoas com a natureza, elas que nunca vão mudar”. A diretora da ANP defende a importância de se transmitir informação sobre o verdadeiro estado dos ecossistemas e sobre o estado preocupante do planeta: “Por exemplo, é nos ecossistemas de água doce que existe o maior declínio. E 83% de toda a biodiversidade que está associada aos ecossistemas de água doce decresceu desde 1970”. A sociedade só se vai “ligar” e “proteger” o recurso, se estiver informada: “As pessoas precisam de ser inspiradas pela natureza para se ligarem e mudarem o seu comportamento”, reforça.
Na concretização da neutralidade carbónica, Ângela Morgado não tem dúvidas sobre o papel fundamental da água no cumprimento dos objetivos de adaptação às alterações climáticas. Aliás, a forma “mais económica e mais eficiente é promover a resiliência dos ecossistemas fluviais e uma gestão hídrica”, defende a responsável, constatando que “os fenómenos climáticos extremos que têm vindo acontecer” têm prejudicado a qualidade dos ecossistemas fluviais e a gestão da água: “Os pântanos, rios e aquíferos em bom estado sustentam a procura humana por água, ou seja, previnem a escassez”, clarifica, acrescentando que, neste tema, Portugal e todos os países da zona do Mediterrâneo vão ser afetados, alerta.
Também, na minimização dos impactos das inundações, Ângela Morgado destaca a importância dos rios e dos corredores de água estarem em bom estado. Sobre responsabilidades, a responsável defende a necessidade de todas as partes interessadas estarem envolvidas, criando “regras adaptadas àquela localização para gerir os recursos de forma responsável, sendo que as empresas têm um papel fundamental nestas iniciativas de gestão positiva de recursos”.
[blockquote style=”2″]Competitividade das empresas já se tece na linha da sustentabilidade[/blockquote]
João Meneses defende a convergência de uma série de medidas, isto é, a ideia de “pagar a escassez da água”, os “serviços dos ecossistemas” ou a “taxa de carbono: todo o sistema de incentivos, penalizações políticas e fiscais tem que ser revisto no sentido da sustentabilidade”. Se nada for feito para mitigar as alterações climáticas, até 2050, Portuga, vai enfrentar seis meses de seca por ano, com impactos enormes na “agricultura”, no “turismo” e, acima de tudo, na “qualidade de vida”, alerta.
O responsável acredita que há total noção de que a década de 2030 é decisiva para um futuro modelo sustentável e para um planeta equilibrado. E, dos dez pilares que o Pacto Ecológico Europeu integra, a água é essencial para as energias renováveis, economia circular, zero poluição, ecossistemas e biodiversidade, agricultura verde e mobilidade. Relativamente à agricultura, o responsável acredita que a tecnologia não é um fim, mas pode ser um “meio muito eficiente e eficaz” para promover a sustentabilidade: “Temos de ter uma agricultura que respeite os ciclos naturais”.
Quanto à competitividade, já há poucas dúvidas sobre a importância das empresas integrarem um modelo sustentável: “Os fatores ambientais, sociais e de governança são o que torna uma empresa mais sustentável”. E são vários os estudos que comprovam que os índices ESG (Environmental, Social and Governance) têm uma performance cada vez melhor face aos tradicionais: “Os investidores já perceberam que todos os ventos sopraram nesse sentido e a competitividade presente e futura das empresas já se tece nessa linha da sustentabilidade”.
Em jeito de conclusão, João Menezes espera que o Plano de Recuperação e Resiliência seja um instrumento que permita que “se olhe com criatividade para as políticas públicas (fiscais e incentivos), mas também para aquilo que se pede às empresas: mais transparência e mais reporte, algo que deve acompanhar o novo sistema de incentivos”.