Projeto prepara áreas para serem “casas” de lince-ibérico em Portugal e Espanha
Em plena luz do dia, não há coelhos-bravos à vista, porque, devido aos hábitos noturnos, estão recolhidos nas tocas artificiais existentes num dos cercados de reprodução da espécie na Herdade da Coitadinha, no concelho de Barrancos, no Alentejo, começa por contar a Lusa.
No cercado, protegidos de predadores e com alimentação, água e vacinação garantidas, vivem exemplares de coelho-bravo, espécie quase ameaçada e que é a presa principal e a base de alimentação do lince-ibérico.
A reprodução de coelho-bravo na Coitadinha é uma das ações do projeto Pro-Iberlinx – Proteção e Conservação do Lince-Ibérico, que envolve sete entidades portuguesas e espanholas e um investimento de 1,3 milhões de euros, cofinanciado em 75% pelo Programa de Cooperação INTERREG V A Espanha – Portugal (POCTEP) 2014-2020 e em 25% pelos parceiros.
O Pro-Iberlinx pretende dar um contributo para que o lince-ibérico, espécie com o estatuto de conservação de “criticamente em perigo” em Portugal e Espanha, possa vir “a andar aí de outra maneira e com um risco menor”, explica à agência Lusa o coordenador do projeto, Diogo Nascimento, após uma visita ao cercado.
Em Portugal, precisa, o projeto desenvolve ações de preparação, gestão e melhoria de habitat em áreas nos concelhos de Barrancos e Moura, distrito de Beja, e de Monchique e Silves, distrito de Faro, para poderem ser ‘casas’ de lince-ibérico, ou seja, territórios de soltas na natureza e de fixação de exemplares libertados noutros locais, caso dispersem para aquelas zonas.
Em Espanha, o projeto, além de desenvolver ações de preparação, gestão e melhoria de habitat, segue e monitoriza a população de lince-ibérico que vive na natureza na região da Extremadura. Segundo Diogo Nascimento, “há registos de linces que dispersaram para muitos lugares da Península Ibérica e depois vão ter de se fixar em algum território”.
“Se tivermos os territórios adaptados e preparados, tanto melhor, para evitar que essas deslocações sejam muito longas, porque, nesses percursos que os linces fazem, há sempre o risco de atropelamento, que é a principal causa de morte do lince e é de evitar”, explica.
Por outro lado, as soltas de lince-ibérico na natureza realizadas desde 2014 em Portugal têm decorrido no vale do Guadiana, sobretudo no concelho de Mértola, distrito de Beja, a cargo do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, que segue e monitoriza a população a viver em liberdade.
“Mas, para efetivamente conseguirmos inverter a tendência do risco de extinção da espécie, temos de encontrar outras zonas preparadas e adaptadas para que próximas soltas possam ocorrer noutros locais” em Portugal, defendeu Diogo Nascimento. Segundo o coordenador, as ações desenvolvidas através do projeto são “múltiplas” e dependem “do estado de desenvolvimento de cada um dos territórios”.
Nas herdades da Coitadinha e da Contenda, que são as áreas abrangidas nos concelhos de Barrancos e Moura, respetivamente, uma das ações é a reprodução de coelho-bravo para aumentar a população e há vários cercados onde vivem exemplares da espécie.
Durante a visita de Diogo a um dos cercados que existem na Coitadinha, propriedade da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), apenas se conseguiu avistar um coelho-bravo, que apareceu tão rápido como desapareceu no meio da vegetação.
“Apesar de ter uma taxa de reprodução muito rápida”, o coelho-bravo “é suscetível a algumas doenças”, como a mixomatose e a doença hemorrágica viral, e, por isso, “a população tem tendência a oscilar muito ao longo do tempo”, conta Diogo. Nos cercados, são dadas “condições de refúgio, alimentação e vacinação” aos coelhos para que “possam ser resistentes às doenças” e, assim, conseguir-se “aumentar” a densidade da espécie.
“É preciso conhecer em pormenor quais as densidades de coelho que o território tem”, porque “só com as densidades mínimas adequadas é que se poderá pensar num território que seja capaz de receber uma população de lince”, frisa o coordenador.
Há registos de presença de lince-ibérico na Coitadinha em 2009 e a herdade, por questões históricas e pelas suas características, é território “propício para que as populações [de lince-ibérico] se possam fixar”.
Já na Contenda, a densidade de coelho-bravo foi “altíssima” e “favorável” à presença de lince no passado, mas atualmente é “reduzidíssima”, conta à Lusa João Cordovil, o diretor da herdade, propriedade da Câmara de Moura. Por isso, frisa João, o aumento da densidade de coelho-bravo na Contenda é “uma prioridade absoluta”.
À medida que há densidades “significativas” nos cercados, alguns coelhos-bravos são transferidos para parques de adaptação ou libertados em áreas abertas das herdades onde também há tocas artificiais e é distribuída alimentação regularmente, explica João. “Ainda falta um bocadinho” para haver densidades de coelho-bravo que permitam que a Coitadinha e a Contenda possam ser territórios “a considerar” para futuras soltas de lince-ibérico, diz Diogo.
Além da reprodução de coelho-bravo, o projeto inclui ações de sensibilização da comunidade e outras medidas de melhoria de habitat em áreas abrangidas, como desmatações, sementeiras de culturas para fauna e plantações de árvores para criar áreas de refúgio.
Os parceiros portugueses do Pro-Iberlinx são a EDIA, a Empresa Municipal Herdade da Contenda, a Câmara de Barrancos e a empresa Águas do Algarve. Os municípios de Oliva de la Frontera e Valencia de Mombuey e a Junta da Extremadura são os parceiros espanhóis.
No processo de reintrodução do lince-ibérico, a colaboração entre Portugal e Espanha é “fundamental” e, no caso português, “a situação ideal é a expansão de zonas” preparadas para soltas e fixação da espécie e “com muito boa articulação com as zonas” existentes em território espanhol, defende João. Através do Pro-Iberlinx, “preparámos a casa e se o lince aqui chegar ao território de Barrancos e à Herdade da Coitadinha será muito bem-vindo”, remata o coordenador.