O Parque Eólico do Alecrim e Pico da Urze é hoje o maior projeto eólico do arquipélago Madeira. Para conhecer “in loco” este projeto, a Ambiente Magazine foi ao encontro de Aurélio Tavares, engenheiro eletrotécnico, que apresentou as mais-valias deste grande investimento.
- Como se designa o projeto? Em que consiste? Quais os seus objetivos? E quais as entidades e empresas ligadas ao projeto?
Trata-se de um projeto eólico, localizado no planalto do Paúl da Serra, concelho da Ponta do Sol, que se integra no plano energético da Região Autónoma da Madeira, plano que contempla o aproveitamento hidroelétrico da Calheta, com a instalação conjugada de parques eólicos, permitindo o armazenamento da energia através da bombagem da água.
Os promotores, PARQUE EÓLICO DO ALE- CRIM, LDA e EUROVENTOS ATLANTIC-PRO- JECTOS ECOLÓGICOS E ENERGÉTICOS DO ATLÂNTICO, LDA, tiveram de aguardar pe- las condições técnicas da rede elétrica, nomeadamente pela conclusão dos Aproveitamentos Hidroelétricos da Calheta, para poderem recomeçar as respetivas obras, antes previstas para 2013/2015. Cada projeto contemplava a potência de 9 MW, a instalar com recurso a 6 aerogeradores síncronos de 1500 KVA, localizados no Loiral e no Pico da Urze. Era condição da sua entrada em funciona- mento acompanharem a conclusão dos trabalhos do Aproveitamento hidroelétrico da Calheta.
Em 2018, a Empresa de Eletricidade da Madeira informou os detentores das licenças que a previsão para a entrada em funcionamento do projeto hidroelétrico apontava para o último trimestre de 2019.
A fim de reduzir, por um lado, o impacto visual provocado pelos parques e, por outro, aproveitando o desenvolvimento tecnológico da indústria eólica, com o apare- cimento de novas máquinas no mercado, entre 2010 e 2018, foi proposta à Secretaria Regional do Ambiente (SRA) a junção dos dois projetos no mesmo local, utilizando máquinas de maior potência, com a consequente redução do número de aerogeradores por parque.
A alteração proposta foi aprovada pela SRA tendo a EEM (Empresa de Eletricidade da Madeira) facultado as condições técnicas no que se refere à ligação elétrica dos parques à rede de transporte de energia.
Por último, submetido à Câmara Municipal da Ponta do Sol, foi aprovado e licenciado o projeto, contemplando o novo layout.
Cada parque eólico tem uma potência nominal de 9 MW, e é, agora, constituído por 2 aerogeradores síncronos de 4,5 MW de potência unitária, perfazendo, assim, o seu conjunto uma potência de 18 MW. O conjunto PARQUE EÓLICO DO ALECRIM e PICO DA URZE é, assim, uma estrutura de produção de energia renovável pioneira na utilização da máquina de maior potência instalada em Portugal.
Os 4 Aerogeradores, do fabricante Enercon, estão equipados com geradores síncronos, de ímanes permanentes, com uma potência unitária de 4500 KW, com três pás de 136 mt de diâmetro do rotor e encontram-se montados numa torre de aço galvanizado com 109 mt de altura, contendo no seu interior um transformador de potência de 6366 KVA- -0,69V/30KV e o conversor de frequência por ponte de tirístores de tecnologia IGBT. Para esta construção, foram utilizadas as seguintes quantidades de material:
FUNDAÇÕES:
- Betão: 843 m3 (por aerogerador) 3372 m3 (parque); Aço: 112,84 Ton (por aero- gerador) 451,36 Ton (parque); Abertura de valas: 3 300mts;
- Rede Elétrica Subterrânea de Média Tensão (MT): Cabos com 240mm2 de secção: 10466 mts; Cabos com 120mm2 de secção: 5630mts; Cabo de cobre nu: 3540mts;
- Rede De Transmissão de Dados: Fibra ótica: 4030mts.
O transporte de todo este equipamento para os locais de instalação dos parques foi sujeito a um procedimento de licença de transporte especial que contemplava as seguintes cargas e dimensões:
Este foi o maior desafio de todo o projeto! O transporte dos equipamentos dos parques eólicos é sempre uma etapa de grandes dificuldades, obrigando a um planeamento rigoroso, em sintonia com as forças de segurança, por forma a reduzir, ao mínimo, o impacto juntos das populações, especialmente, no que se refere ao transporte das diversas secções que compõem a torre, as pás e gerador. Uma das particularidades deste projeto é o facto de os elementos que compõem a torre serem transportados em contentores, o que facilitou em muito o processo, sendo a sua montagem uma construção do “ Tipo Lego”, a qual exige, no entanto, a precisão de profissionais altamente experimenta- dos para aplicarem os cerca de 20 000 mil parafusos.
Muito mais difícil era o transporte dos gera- dores e das pás devido ao peso e aos raios de curvatura, respetivamente, e às obras de arte existentes ao longo do trajeto. Foi exigido um estudo detalhado, realizado pelos consultores das concessionárias, da distribuição das cargas e os raios de curvatura ao longo do traçado utilizado no transpor- te dos equipamentos desde o Caniçal até aos Prazeres. O estudo foi demonstrativo da não ocorrência de risco de colapso para as referidas obras de arte. O transporte foi, pois, uma etapa de desafio às leis da engenharia e da natureza, vencido pela capacidade, criatividade e determinação dos profissionais da LASO TRANSPORTES S.A.
O início do transporte dos equipamentos iniciou-se em Março de 2020 e a última etapa terminou no Paul da Serra em Maio de 2020.
Devido às limitações da pandemia, as da- tas de ligação dos parques tiveram um ligeiro atraso, sendo que a sua ligação provisória ocorreu em agosto e setembro de 2020, para, em dezembro de 2020 ser realizada a ligação definitiva e emitidas as respetivas licenças de exploração.
- Que importância tem o projeto para a região da Madeira?
Este projeto é um contributo importante para a RAM alcançar os objetivos de aumento das energias renováveis na produção de eletricidade e reduzir as emissões de CO2.
São as primeiras turbinas instaladas na Região Autónoma da Madeira que realizam determinados serviços de sistema ao abrigo do Regulamento das Redes de Distribuição e Transporte da RAM.
- Que balanço é possível fazer sobre o mesmo?
O Parque Eólico do Alecrim e Pico da Urze contribui para produzir 58GWh/ano, que corresponde a 50 % da energia eólica total produzida na RAM. A produção de energia deste parque eólico responde ao consumo de 2500 consumidores domésticos.
- Que importância tem o setor renovável para a região da Madeira?
Sendo a Madeira uma região insular, é muito dependente do exterior no aprovisiona- mento de energia e, internamente, muito dependente dos combustíveis fósseis. As energias renováveis são importantes para reduzir a dependência do exterior e dos combustíveis fósseis.
- Em matérias de energia renovável, como é que avalia a prestação da região? Considera que a região da Madeira está num bom caminho? O que é que ainda falta à região?
Em Portugal, o primeiro parque eólico, com dimensão significativa, foi instalado precisamente na Ilha da Madeira, nos anos e 1992/1993, nos primórdios da produção de energia através de fontes renováveis.
A Madeira tem realizado um importante trabalho de desenvolvimento das energias renováveis, incluindo sobretudo a produção de eletricidade a partir de energia hídrica, solar fotovoltaica e eólica, mas também no armazenamento de energia através de centrais hídricas reversíveis com bombagem durante a noite, para aumentar a entrada das energias renováveis.
Note-se que sendo a Madeira uma ilha sem ligação por cabo elétrico ao Continente, tem excedentes de energia elétrica, sobre- tudo no Inverno, porque a disponibilidade de energia é superior às necessidades. Por isso, há uma parte da energia elétrica de parques eólicos que é rejeitada porque a procura não é su ciente. O armazenamento de energia através das centrais hídricas reversíveis da Empresa de Eletricidade da Madeira vai permitir aumentar a penetração de energias renováveis durante a noite e dessa forma permitir a viabilização de novos investimentos. O presente projeto contribui, de uma forma modesta, para uma maior penetração de energia renovável. Infelizmente falta, ainda, instalar outros dispositivos que evitem a rejeição de energia produzida pe- los parques eólicos atualmente instalados, a qual ainda põe em causa a viabilidade económica dos projetos.
- Que papéis devem ter os líderes políticos nestas matérias?
Os líderes políticos devem assegurar as condições para que o mercado possa responder ao desafio do desenvolvimento de projetos de energias renováveis, em defesa do ambiente, e garantindo a viabilidade e segurança dos investimentos. Nesta matéria é de relevar a atitude do Governo Regional da Madeira, que se mostrou sempre colaborante e disponível para, dentro das regras, proporcionar a exequibilidade dos projetos.
- Que papéis devem ter as empresas nestas matérias?
As empresas devem aproveitar as oportunidades criadas para o desenvolvimento de energias limpas, que promovem também a criação de emprego e valor acrescentado regional.
- Na sua opinião, como é que é possível assegurar a atividade de uma empresa e, ao mesmo tempo, reduzir a pegada ambiental?
A área de negócio das energias renováveis é por definição uma atividade económica sustentável que contribui para reduzir a pegada ambiental, desde que estejam cria- das as condições legislativas e tarifárias adequadas, que garantam a viabilidade dos investimentos.
- Numa empresa, como é que se concilia economia com sustentabilidade?
Ao cumprir a sua missão de fornecer a comunidade com produtos e serviços de forma lucrativa, a empresa tem de procurar satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, o que significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvi- mento social e económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais.
- É difícil tornar uma empresa sustentável sentido? E que tipos de incentivos devem ser promovidos para estas empresas?
Portugal foi dos primeiros países a apostar nas energias renováveis, incentivando as empresas para o desenvolvimento de projetos nessas áreas, tornando-as mais sustentáveis e competitivas no setor energético. Com a redução dos preços de produção na obtenção das várias tecnologias, eólico e fotovoltaico, notou-se principalmente na foto- voltaica uma grande aposta, tornando mais competitivo o preço do MWH pela energia produzida e adquirida pelo Mercado de Eletricidade.
O principal incentivo que o promotor precisa é ver o seu investimento aproveitado e gerido ao máximo face à procura de energia. Para tornar mais aliciante e competitivo, a rede elétrica terá de investir em formas de armazenamento, além das convencionais, tornando a rede mais robusta para fazer face às variações de frequência provocadas pela energia intermitente (solar e eólica), possibilitando assim maximizar a rentabilidade dos investimentos.
Cabe assim ao Estado criar as condições para que as empresas sejam sustentáveis através da criação de incentivos para utilização de tecnologias menos agressivas embora de maior custo. A fiscalidade pode desempenhar um papel crucial para que as empresas melhorem os seus indicadores de sustentabilidade.
- Como é que perspetiva o futuro do setor renovável?
O setor renovável terá cada vez mais peso a nível mundial, principalmente na produção de energia elétrica e nos transportes. Portugal comprometeu-se perante a União Euro- peia a alcançar a meta de 50% de produção de energia através de fontes renováveis, seguindo a estratégia de valorização dos recursos endógenos. O objetivo será tornar os países cada vez mais verdes em prol da descarbonização.