O projeto EcoPeak4Fish, um projeto inovador e pioneiro em Portugal, desenvolveu o protótipo de um refúgio para peixes, que se encontra em fase experimental e que irá permitir mitigar o impacto das centrais hidroelétricas nos rios a jusante.
A energia hidroelétrica, apesar de ser renovável, não está isenta de causar impactos nos ecossistemas, em especial na fauna piscícola. Tal como explica a coordenadora do projeto, Isabel Boavida do CERIS, (Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade) do Instituto Superior Técnico (IST), “estão descritas alterações na distribuição e disponibilidade de habitats, perda da conectividade longitudinal pelo bloqueio à migração dos peixes, e mortalidade dos peixes nas turbinas, ou em leitos secos após o fechamento das turbinas”. Adicionalmente, “ocorrem a jusante das centrais como resultado da produção hidroelétrica, caudais de grande magnitude numa frequência muitas vezes sub-diária – hidropicos – tornando o habitat nestas zonas muito instável e imprevisível”, acrescenta a investigadora.
Este projeto, liderado pelo CERIS, em parceria com o Centro de Estudos Florestais (CEF) do Instituto Superior de Agronomia (ISA), a NOVA School of Business and Economics (NOVA SBE) e a empresa Hidroelétrica Hidroerg, pretende mitigar o impacto dos hidropicos na fauna piscícola através de medidas morfológicas inovadoras, como a implementação de refúgios de corrente; e operacionais, otimizando o funcionamento das centrais hidroelétricas por forma a harmonizar a maximização do habitat com a capacidade de produção energética, com vista à conservação das espécies piscícolas existentes nos rios portugueses, pode ler-se num comunicado.
“Os estágios de vida dos peixes, desde ovos e larvas, até indivíduos juvenis e adultos, são suscetíveis de serem negativamente afetados pela ocorrência de hidropicos a jusante das referidas centrais hidroelétricas. Se por uma lado, durante o decréscimo acentuado de caudal existe uma evidência de inadequação de habitat piscícola, causando o aprisionamento dos indivíduos em leito seco (Figura 1) ou desidratação de ovos, por outro, aquando da transição do caudal base para o hidropico, os indivíduos são forçados a realocar as suas posições, sofrendo geralmente deriva involuntária para jusante, assistindo-se paralelamente a um aumento da taxa de desprendimento de ovos aderentes ao substrato”, declara o professor José Maria Santos do ISA e co-coordenador do projeto. Este é o caso das espécies litofílicas, nomeadamente a boga do Norte (P. duriense), a truta-de-rio (S. trutta) e o escalo do Norte (S. carolitertii), alvo de estudo no presente projeto.
Trabalhos anteriores, desenvolvidos pela equipa de investigação do CERIS no laboratório de hidráulica do IST, usando peixes selvagens como o barbo ibérico, “permitiram identificar respostas ao stress traduzidas num aumento significativo de glicose no sangue dos barbos. Os peixes mostraram ainda tendência para procurar refúgios por forma a evitar as zonas de elevada corrente” refere Maria João Costa especialista em hidrobiologia. No âmbito do projeto EcoPeak4Fish foram testadas diferentes configurações de refúgios de corrente e selecionada aquela que se traduzia num maior uso durante os eventos de picos de caudal, diminuindo assim os episódios de stress dos peixes.
Com base nestes resultados foi desenvolvido um protótipo (0,4 m x 0,5 m x 0,4 m) em compósito de fibra de vidro e epoxy. Em parceria com investigadores da Tallinn University of Technology, os investigadores acoplaram um sistema inovador de monitorização dos peixes que permite a contagem automática dos indivíduos, e a identificação da espécie e do estágio de vida. A contagem é feita através de duas câmaras subaquáticas multiespectrais que permitem gravação em contínuo durante o dia, e durante a noite usando raios infra-vermelhos. Com o apoio da Hidroerg, estes protótipos foram instalados a jusante das centrais hidroelétricas do Bragado e de Covas do Barroso e encontram-se atualmente em monitorização.
Em parceria com investigadores da Universidade de Valladolid, e no âmbito do projeto SmartFishways, foi ainda instalada uma rede de sensores capaz de transmitir informação em tempo real e de a armazenar online conferindo o carácter inovador e distintivo deste projeto. São medidas variáveis ambientais, nomeadamente, nível da água, luminosidade, pressão atmosférica, e temperaturas do ar e da água. Estas variáveis estão estritamente relacionadas com as respostas biológicas dos peixes e por isso são fundamentais para analisar e discriminar padrões de comportamento dos peixes, em particularmente as referentes ao uso do refúgio em hidropicos.
Esta medida irá permitir não só “proteger as espécies da elevada corrente que se verifica durante os hidropicos como resultado da produção hidroelétrica”, mas irá permitir também, “proteger as espécies de ficarem aprisionados em zonas de leito seco após o fechamento das turbinas, diminuindo a mortalidade potencial em consequência deste evento”, lê-se no mesmo comunicado.
Os investigadores da NOVA SBE irão desenvolver um modelo de otimização que tenha em conta a harmonização do habitat com a capacidade de produção energética, com vista à conservação das espécies. “É com muita satisfação que apoiamos projetos desta natureza. O nosso interesse, além da produção de energia, é que esta seja produzida com o menor impacto no meio ambiente” afirma Pedro Leitão por parte da Hidroerg.
Para implementar estas medidas de mitigação e para que sejam criados mecanismos que visem limitar os impactos dos hidropicos, é necessário que se reconheça não só a importância da energia hidroelétrica na adaptação climática, mas também a importância que a biodiversidade representa para o futuro. Para tal, os investigadores irão ainda identificar e valorizar os serviços de ecossistemas inerentes aos rios regulados por centrais hidroelétricas, assim como a avaliação do custo-benefício deste tipo de medidas de mitigação.
O projeto que conta com 250 mil euros de financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) irá contribuir para a conservação das espécies piscícolas nativas a jusante de centrais hidroelétricas. O conhecimento adquirido ajudará a regulamentar a energia hidroelétrica em Portugal, que atualmente não contempla este fenómeno consequente da crescente necessidade de energia elétrica. Países como a Áustria ou a Suíça, onde a maioria das centrais hidroelétricas opera em hidropicos, existe já uma legislação apertada sobre a forma como estas centrais podem operar, limitando, por exemplo, a velocidade de fechamento das turbinas.