A bioenergia desempenha um papel central na transição para uma política energética sustentável, alicerçada no uso crescente e preponderante de energias renováveis, quer em Portugal, quer à escala da União Europeia. A opção estratégica pela bioenergia oferece vantagens relevantes no que diz respeito às prioridades de segurança e autossuficiência energética dos Estados-Membros da União Europeia, bem como na acessibilidade às fontes de produção.
As centrais de biomassa convencionais operam através do processo de combustão, o qual consiste na oxidação total de carbono para produzir energia térmica que, por sua vez, será usada para gerar eletricidade. Nos últimos anos, a investigação em bioenergia tem-se focado na gaseificação enquanto tecnologia de produção de energia a partir da biomassa, com vantagens substanciais em comparação com o sistema de combustão.
Nas unidades de gaseificação a biomassa é transformada num gás combustível, designado por “gás de síntese”, que pode ser usado para alimentar motores a gás ou turbinas para a produção de eletricidade e calor. Os sistemas de combustão convencionais são menos eficientes do que a gaseificação, visto que no processo de conversão da energia térmica em energia elétrica ocorrem inevitavelmente perdas energéticas.
A eficiência de produção energética através da gaseificação excede os sistemas de combustão convencionais em aproximadamente 15%, permitindo, consequentemente, um menor consumo de biomassa. Por outro lado, a combustão produz uma maior concentração de emissões poluentes do que a gaseificação, tais como óxidos de enxofre, óxidos de nitrogénio e partículas. Mais limpa e menos consumidora de biomassa, a gaseificação é cada vez mais defendida pela comunidade científica como uma alternativa confiável às centrais de combustão. A investigação recente nesta temática tem procurado dar resposta a três questões cruciais:
– A otimização do processo de produção de bioenergia em unidades de geração com diferentes potências instaladas;
– A eficiência energética de misturas de biomassa e resíduos orgânicos urbanos com composições variáveis;
– A redução da emissão de poluentes, especialmente aqueles cujo contributo para o designado “efeito de estufa” se encontra comprovado.
O projeto de investigação aplicado PoliTechWaste — Policy and Technology Analysis of Waste/Biomass Residue Gasification for Energy Production in Portugal –, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, aportou significativos avanços para o aperfeiçoamento das centrais de produção de bioenergia nestes três domínios, promovendo uma maior sustentabilidade económica e ambiental.
Uma rede de investigação transatlântica unida em prol da Sustentabilidade
Este projeto, liderado pelo Instituto Politécnico de Portalegre (com a supervisão do Dr. Valter Silva), em cooperação com a Universidade de Aveiro e com a Universidade Norte Americana Carnegie Mellon, teve como principal objetivo compreender a viabilidade do uso de diferentes misturas de biomassa e resíduos orgânicos urbanos para produção de bioenergia a menor custo e de alta qualidade. De igual modo, o projeto procurou analisar os impactos desta tecnologia a nível ambiental, climático e de saúde humana.
A equipa de investigadores desenvolveu avaliações técnico-económicas pioneiras direcionadas para misturas de diversas fontes potenciais de biomassa, designadamente biomassa florestal residual, espécies exóticas invasoras como a acácia, resíduos agrícolas como o bagaço de azeitona ou a integração de misturas de biomassa com resíduos orgânicos urbanos.
Os investigadores do Instituto Politécnico de Portalegre e a Universidade de Aveiro complementaram-se no desafio da otimização tecnológica do sistema de co-gaseificação de biomassa e resíduos orgânicos urbanos, retirando partido da especificidade das suas unidades e equipamentos de produção de bioenergia. O Instituto Politécnico de Portalegre é detentor da única instalação semi-industrial de gaseificação existente em Portugal com uma potência instalada de 250 KW. A Universidade de Aveiro possui uma unidade piloto laboratorial com uma potência instalada de 80 KW.
A parceria constituída no âmbito deste projeto de investigação constituiu uma oportunidade única para estudar as implicações da progressão de escala ou scale-up, na terminologia internacional, do processo de co-gaseificação, permitindo realizar a análise técnico-económica da produção energética em unidades com diferentes capacidades instaladas.
Os diversos estudos de caso realizados ao abrigo deste projeto apresentam sempre resultados em três linhas fundamentais: a eficiência energética da mistura utilizada para produção de bioenergia; o modelo económico da unidade de produção, que avalia a sua rentabilidade, e a análise da emissão de poluentes pelo processo de co-gaseificação.
A determinação das proporções de diferentes composições de misturas de biomassa para a produção de energia por co-gaseificação é um dos resultados mais significativos deste projeto de investigação.
Resíduos orgânicos urbanos: A solução para a Sustentabilidade das Centrais de Biomassa
Ao demonstrar a eficiência energética de misturas que integram resíduos orgânicos urbanos, o projeto PoliTechWaste abriu caminho à auto sustentabilidade de todo o sistema que, deste modo, vê mitigadas duas limitações ao seu desempenho: as flutuações sazonais de disponibilidade de biomassa proveniente de fontes vegetais lenhosas, entenda-se subprodutos e resíduos agrícolas e florestais, e os custos logísticos da sua recolha (corte) e transporte. É, igualmente, de salientar o impacto positivo da incorporação resíduos orgânicos urbanos nas misturas sobre a regulação do preço por tonelada da biomassa e o evidente contributo para a valorização dos mesmos.
Um contributo decisivo para a reorientação da Estratégica Energética Nacional
As centrais de biomassa convencionais integram a política energética nacional desde finais dos anos 90. Em 2005, a adoção da Estratégia Nacional de Energia conduz ao reforço na aposta na bioenergia, com o consequente lançamento de 15 concursos públicos para a criação de novas centrais, permitindo a produção de um total de 100 MW de energia elétrica a partir de biomassa residual da floresta.
Os incêndios florestais devastadores que atingiram as regiões Norte e Centro de Portugal no ano de 2017 impulsionaram o incremento da capacidade das centrais de combustão de biomassa florestal atualmente instalada, visando promover a manutenção e limpeza das florestas e a prevenção do risco incêndio.
Nesse mesmo ano, é lançado novo período de concursos públicos para licenciamento de centrais de biomassa, com uma capacidade máxima por unidade de 15 MW e uma capacidade global de produção de bioenergia de até 60 MW. A estratégia nacional visa a implementação de 250 MW de capacidade de produção de eletricidade a partir de biomassa florestal até 2020, quase duplicando a capacidade atual.
No entanto, estes novos concursos públicos apenas preveem o emprego de sistemas tradicionais de combustão de biomassa florestal, não privilegiando a gaseificação como tecnologia mais eficiente e menos poluente. Os resultados do projeto PoliTechWaste podem vir a desempenhar um papel decisivo na orientação das opções políticas concernentes à estratégia energética nacional.