Num contexto de mercados de eletricidade cada vez mais descentralizados, a participação dos denominados “prosumidores” tem-se relevado essencial. Estes cidadãos, empresas, entidades públicas e outras coletividades, que podem produzir como consumir e armazenar eletricidade, assumem um papel fundamental na constituição e dinamização das comunidades de energia renovável (CER). Foi com este propósito que surgiu o projeto COMSOLVE, que visa a criação de soluções de gestão para as CER, integrando produção fotovoltaica, carregadores de veículos elétricos e baterias de segunda vida.
À Ambiente Magazine, João Almeida, Investigador Auxiliar Doutorado no Instituto de Telecomunicações da Universidade de Aveiro, explica que, apesar da relevância dos prosumidores na constituição das CER, é necessário “complementar este espírito comunitário com tecnologia de suporte que facilite a interação entre os membros de uma CER”, nomeadamente com o “sistema de gestão da energia da comunidade”, bem como às “transações de eletricidade entre os vários membros e pontos de produção e consumo”.
Enquanto contributo para a mobilidade elétrica, o COMSOLVE permite a “integração de carregadores de veículos elétricos (VEs) em comunidades de energia”, disponibilizando a eletricidade que é produzida de forma local para o consumo ou armazenamento em VEs. Desta forma, “os membros da CER ou até utilizadores esporádicos dos carregadores em espaço público podem beneficiar de uma energia que é comercializada a um custo mais reduzido, dado que estes carregadores se encontram instalados nas proximidades do local de produção da mesma (beneficiando, por exemplo, da isenção de tarifas de acesso às redes que é aplicada às CERs)”, indica o responsável.
O COMSOLVE já se encontra instalado no município de Ílhavo, com a parceria da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia de São Salvador, através da instalação de uma unidade de produção para autoconsumo (UPAC) com aproximadamente 120 kWp no edifício da Câmara e de carregadores de veículos elétricos em frente ao Mercado Municipal: “Para além de permitir a redução da despesa de eletricidade por parte do edifício municipal, o excedente da produção será partilhado com outros edifícios públicos em redor, como a Casa da Cultura ou o Mercado, bem como com o comércio local, habitações particulares, entre outros”, refere João Almeida. Os resultados desta instalação têm dado frutos, com “alguns moradores, inseridos na área de abrangência da CER, com vontade de integrar a comunidade, estando mesmo interessados em partilhar o excedente da sua produção fotovoltaica própria com os futuros membros da CER”, destaca.
Os parceiros tecnológicos do projeto (Digitalmente, Instituto de Telecomunicações e Magnum Cap) também se encontram a finalizar o “desenvolvimento da plataforma que permite a gestão de toda a eletricidade trocada na comunidade”, através da “aplicação de inteligência artificial na previsão de consumos e gestão de energia”, bem como de “tecnologia blockchain para as transações peer-to-peer (P2P) de eletricidade entre membros da CER”, integrando também os carregadores de VEs no ecossistema, acrescenta o investigador.
“Alargar a comunidade para várias dezenas de participantes, tendo em especial atenção as pessoas em pobreza ou vulnerabilidade energética”
Questionado sobre as metas estipuladas, João Almeida refere que, nesta primeira fase do projeto, pretende-se estender a integração dos edifícios públicos inicialmente previstos com várias lojas e habitações na proximidade: “O objetivo passa por poder colocar em ação a plataforma de gestão da comunidade de energia num ambiente real, em que os membros da CER estão efetivamente a trocar energia entre si”. Para tal, “dependemos essencialmente da resolução de questões burocráticas relacionadas com o licenciamento e outras intervenções” por parte da Direcão Geral de Energia e Geologia e da E-Redes. Para que o sistema comece a funcionar, “basta juntar os dois edifícios da Câmara Municipal com outro gerido pela Junta de Freguesia, uma loja e uma moradia com produção fotovoltaica”. No médio prazo, o intuito é “alargar a comunidade para várias dezenas de participantes, tendo em especial atenção as pessoas em pobreza ou vulnerabilidade energética, cuja participação enquanto membros da CER pode garantir uma fatura de eletricidade bastante reduzida”, sendo para tal necessário “encaminhar de forma prioritária os benefícios da constituição da comunidade para estes cidadãos”, precisa.
Enquanto projeto-piloto, pretende-se que o modelo de CER a ser desenvolvido possa servir de “exemplo, inspiração e replicado” em várias regiões do país: “Este é um projeto inovador, que permitirá que as comunidades de energia consigam ter a sua independência energética, tanto através da produção de energia própria, como pela aquisição e venda de energia a terceiros”. Por outro lado, “é um projeto que, além de permitir essa independência e liberdade energética da comunidade, irá permitir que os próprios membros da comunidade tenham a sua própria liberdade energética, através da compra e venda de energia P2P”, refere.
Com a duração de dois ano, o projeto COMSOLVE é formado por quatro parceiros (Digitalmente, Coopérnico, Instituto de Telecomunicações da Universidade de Aveiro e Magnum Cap) e conta com o financiamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Programa Operacional Regional de Lisboa (POR LISBOA 2020) e do Programa Operacional Regional do Centro (CENTRO 2020) do Portugal 2020.
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